RESENHA: GUSTAVO TORRES & J.-P. CARON – ~Ø (NÃO-VAZIO) M.P.S.S.T.N.G.G.C.O.P.PG.

Os primeiros cino minutos de “~Ø (não-vazio)” ressoam num espaço sonoro indeterminado. Não à toa, ouvindo isso na silenciosa cidade de Lavras, em Minas Gerais (enquanto dois cavalos passavam em frente à minha casa!) eu tinha muita dúvida sobre o que vinha da audição da performance e o que era um suposto barulho ambiente da cidade. Ao ponto que o minimalismo inicial empresta ao ato de ver as folhas da árvore balançando uma trilha sonora a seu modo.

Na verdade, esta não definição sobre o que vem do disco (lá pela terceira escutada deu pra definir razoavelmente) e o que o ambiente empresta à audição multiplica o que teoricamente seria apenas uma experiência em diversos fragmentos; a dúvida se o volume está no máximo, não haver lugar mais quieto pra escutar o disco – estas próprias variações do ato primário de escutar algo talvez justifiquem o nome do projeto – as iniciais são de “Música Para Sons de Suportes Tecnológicos Não Gravados e/ou Gravados Com O Próprio Processo de Gravação”.

Esta performance é criada interagindo com outros processos assimilativos derivados e por isso não é estanque. Se, a qualquer tempo de duração, eu recorro a estas explicações que ampliem um panorama ativo (escutar deixa de ser passivo), é porque o ainda-minimalismo da audição (agora estou nos quinze minutos: ruídos baixos contínuos e uma espécie de som quase estável preponderam) é um elemento vivo caracterizado pela organicidade não dos criadores ou dos ouvintes, mas sim de todo o ambiente-possível manifestado no contexto duma audição.

Por isso, tratar de procedimentos criadores em um sentido mais restrito (definir adjetivamente o que é ouvido) não faria sentido algum aqui. É mais honesto tentar especificar tudo o que me cerca na esperança de que quem for ouvir isso vai estabelecer conexões muito distintas a partir dum mesmo gesto. O pensamento de que há um gesto originário é, evidentemente, manifestado na produção desta obra. Tudo referenciado aqui é cristalizado de uma forma destorcida na audição que não só dialoga com os meios que você usa pra ouvir (qual player – pelo Bandcamp, no celular -, quais fones de ouvido, quais caixas de som etc.), como pra seus próprios métodos-ritos que te situam/definem enquanto ouvinte. Mais ou menos, é uma violação (transformação) do seu ritual porque exige que você o modifique diversas vezes. Ao invés da repetição de um hábito, é encarado o mesmo habito com outras variações possíveis. A multiplicidade não só é extensão da peça como é um ato forçado no ouvinte. Mais uma vez: nós estamos saindo do elemento-passivo. No entanto, pra tal exigência de comprometimento, as interações têm de ser validadas por algo não necessariamente apelativo, mas que ressoem significativamente no indefinido.

O que acontece nesta música não é uma recusa formal de procedimentos-padrão, mas a inserção de algo que tente quebrar o ciclo e a forma que a música é pensada pra suspender o ouvinte, mais uma vez, no indefinido. O mistério deste procedimento é incendiar de uma maneira não forçada outro comportamento que permite uma movimentação não retrógrada. Na categoria procedimental atual em que tais movimentos nem sequer seriam possibilitados pela maioria das formas de produção, é louvável o esforço-efetivo do não-vazio pra um preenchimento que não afirma muita coisa a não ser que os movimentos são infinitos a partir da mesma possibilidade (origem) sonora.

Um tema muito difícil de propor e que mesmo assim transfigura um rito anteriormente estagnado em um processo renovador de descobertas, manifestando subsolos múltiplos em um chão que uma vez foi concreto.

1. ~Ø (não-vazio)

NOTA: 8,0
Lançamento: 27 de março de 2017
Duração: 32 minutos e 18 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: Paulo Dantas

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