ÁCIDAS: O “NÃO” COMO ARMA

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A palavra “não” é sua maior arma de resistência. “Não” tem muitas vantagens, é entendida em qualquer língua – “no”, “nein”, “nie”, “non”, “niet”, “ne” – e é como uma declaração definitiva. Não é não. Qualquer outra compreensão é equivocada. Não é simplesmente não, a não ser em casos especificamente criminosos ou, digamos cômicos (ria aqui).

Mas o “não” de Billy Nomates, ou Billy “sozinha”, ou simplesmente Tor Maries, é “ser contra”, ou ao menos “resistência”. Já diz muita coisa. Ela é punk, por assim dizer, embora seu som não tenha tantos traços de agressividade – as letras são vorazes.

Ela se recusa a ter o que o mercado e a sociedade instruíram que é o “corpo perfeito” e também se recusa a ficar raspando os pelos do corpo: “não tenho mais 12 anos”.

Sua banda, como o nome indica, é ela mesma. E ela vem da zona rural de Leicestershire, no Reino Unido, com Nottingham e Birmingham a oeste. Ou seja, uma cidadã do interior bradando contra o mundo e contra “aqueles da cidade”. Não é, definitivamente, pouca coisa. Segundo op The Irish Times, ela tem o objetivo de “atacar grupos indies de barbudos, clubes de garotos antiquados, escravos dos Eagles, e garotos ricos superprivilegiados que pensam que representam todos nós”.

Já gostei dela de cara. Mas só o discurso não basta. Ouvir a música também é um prazer.

Ela lançou em 2020 seu primeiro disco, “Billy Nomates”, recebido com um certo entusiasmo pela mídia local.

O Guardian acha que “sua voz é inexpressiva, mas cortante, com uma visão aguda sobre a estrutura de classe britânica e a mentira enfadonha contada desde sempre: ‘eu corri uma vez’, lembra ela no ‘FNP’ (‘Forgotten Normal People’, ou ‘esqueça as pessoas normais’). ‘Acabei desistindo, porque eles podiam sentir o meu cheiro a um quilômetro de distância’. Agora que ela encontrou seu caminho, ela é imparável”, escreveu o jornal, ressaltando a provocação.

O New Music Express disse que o “rosnado falado e cantado de Maries atravessa os arranjos esparsos para criar uma mesa lentamente insistente contra as pressões das velhas maneiras de pensar e se comportar. Billy Nomates certamente tocaria bem ao lado de nomes como Patti Smith e Eleanor Friedberger”.

Ao site ela se explicou: “‘No’ era uma palavra que não aprendi a usar até um ano atrás. Por não usar, eu realmente não tinha um estilo de vida que eu gostava. Desde o minuto em que comecei a dizer ‘não’ às coisas, as portas começaram a se abrir. Parece muito negativo, mas pra mim foi um achado muito positivo. ‘Não, eu não quero fazer isso’: há um poder nisso. Se você aprender a dizer ‘não’, isso chama a atenção de alguém. Em um mundo de homens ‘sim’, eu serei uma mulher ‘não, obrigado'”.

A declaração forte e tem motivo. Não é fácil ser mulher, anti-padrão, do interior e pobre. Billy simplesmente não tinha opção: “eu nunca tive dinheiro de verdade, mas era mais pobre alguns anos atrás, depois de trabalhar em muitos empregos com salário mínimo. Estava miserável, pobre e insatisfeita: não conseguia escrever sobre gostar de alguém ou sobre algo legal. Pensei: ‘se vou escrever de novo, não tenho opção a não ser escrever sobre ah, é tudo uma merda'”. Foi o que ela fez.

“Billy Nomates”, seu primeiro álbum, saiu em 7 de agosto de 2020, pela Invada Records, com produção de ninguém menos que Geoff Barrow, do Portishead, e participação de Jason Williamson, do Sleaford Mods, que escreveu e cantou em “Supermarket Sweep”.

Eu sou fã de quem é contra tudo e todos. É preciso ter coragem pra isso. E a música já não apresenta muita gente assim há um tempo. Esse é o “politicamente incorreto” que é bacana – não o negacionista e diligentemente do ódio, como temos visto no Leste Europeu, na Turquia (de Erdoğan), na Inglaterra (de Boris Johnson), nos Estados Unidos (de Trump) e, claro, no afundado Brasil (de Bolsonaro).

A “incorreção” de Billy Nomates está em dizer “não” a imposições de mercado (roupas, emprego, cabelo, corpo), da Igreja, da sociedade careta (casamento e comportamento) e da arte. Bem, da arte, como se vê, ela admite algumas concessões – ou foi ruim trabalhar com Barrow, em termos de carreira?

Ela precisou entrar no sistema pra ser ouvida. Seu disco é punk-sem-ser-sonoramente-punk. Está mais pra um “talvez”. Mas tem atitude, e provavelmente carrega “não” suficiente pra ainda merecer a atenção e sustentar o discurso.

Ela diz que está mais pra lo-fi: “fiz tudo sozinha em casa, mas tenho um equipamento mínimo. Os produtores foram Geoff Barrow e Stu Matthews. Trabalhar com a Invada foi realmente interessante. Eu realmente respeito o estúdio e as pessoas que trabalharam nele. Fizemos ajustes mínimos, mas eles sabiam o que estavam fazendo! Acho que é tão involuntariamente lo-fi, que tem seu próprio jeito. O álbum tem algumas músicas que são um pouco curinga e algumas mais polidas como ‘No’. A Invada foi ótima, os produtores simplesmente fizeram aquilo que só os produtores podem fazer, onde há um botão mágico que eles podem pressionar pra fazer você admitir ‘merda, isso soa bem’. Eu não tenho esse botão no meu quarto”.

Ela se rendeu também ao mundo das mídias sociais: “não gostava muito da mídia social e só comecei a usá-la no ano passado (o Instagram dela é este). Eu me sentia como se todos nós fossemos escravos disso. No minuto em que entendi e comecei a fazer algum movimento com ele, pensei ‘porra’. Foi meio irritante como tudo correu bem, pois eu sempre fui uma grande opositora. É apenas mais uma via pra divulgar arte e sua mensagem. Tento me divertir com isso e não levo nada a sério. Só ganhei um smartphone no ano passado. A mídia social é agora uma forma importante de se manter viva como artista. Uma coisa que aprendi recentemente é que, desde que as postagens estejam alinhadas com algo que seja genuíno ou genuinamente bobo – tudo bem. Se eu tirar uma foto de uma lixeira do lado de fora de um show de que gosto, vou postar”.

Billy Nomates talvez precise abrir concessões – ou viraria uma ermitã nesse mundo desgraçadamente conectado – mas ela ainda pode o usar o seu “não” como arma. Há muita coisa pra combater, especialmente quando se é jovem e tem bem pouco a perder.

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