FAIXA A FAIXA: FISH MAGIC – KAMAKURA

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“Kamakura é uma cidade japonesa, com 170 mil habitantes. Já foi capital do Japão e está, portanto, a mais de 18 mil km daqui. Nunca pus os pés lá. Kamakura não é exatamente apenas uma cidade para mim. É uma espécie de estado de espírito. Quando eu tinha vinte e poucos anos, fiquei doente. Nada sério, uma crise renal muito forte que me levou ao hospital três vezes e que eventualmente me obrigou a fazer uma cirurgia. Ficar doente não faz parte da ideia de juventude… Depois da cirurgia, cheguei bem ferrado na casa dos meus pais pra me recuperar. E lá tinha um livro de fotos de Kamakura, que meu irmão tinha dado pra minha mãe, depois de ter um passado um tempo no Japão. Esse livro com belíssimas imagens dos templos, jardins e paisagens da cidade nas quatro diferentes estações do ano foi meu fiel companheiro. Desde então, eu associo Kamakura a este estado de purificação, de paz, de cura (apesar do nome em japonês nada a ter a ver com seu sentido em português)”, explica Mário Quinderé, o Fish Magic.

As palavras dele, apresentando seu novo disco, “Kamakura”, lançado neste dia 5 de agosto de 2022, com apoio da Midsummer Madness, explica bastante o estado de espírito reconfortante que suas onze faixas apresentam ao ouvinte.

“Na minha cabeça, faz todo sentido que o primeiro disco do Fish Magic no mundo pós (?) pandemia se chame ‘Kamakura’. Foram muitas perdas próximas a mim, curiosamente, nenhuma delas pra Covid. O disco está cheio de canções dedicadas a pessoas que não estão mais aqui. É o disco mais otimista entre os quatro que fiz, dolorido, mas otimista”, encerra.

“Kamakura” chega três anos depois de “Just A Light Away” (leia, escute e lembre aqui) e foi produzido pelo próprio Quinderé, em parceria com Regis Damasceno, parceiro musical de Mário (e que toca baixo e guitarra em “Everything Must Go” e “Giuve It All Away”, além de bandolim em “Ocean Floor”).

A mixagem é do onipresente Bernardo Pacheco na sua Fábrica de Sonhos, com masterização de Fernando Sanches, no famoso El Rocha, ambos em São Paulo. Já a gravação foi no Clássico Botafogo e no Casa Alta, ambos no Rio de Janeiro.

Aqui, nas próprias palavras de Quinderé, um faixa a faixa do disco.

01. Youth

Foi a primeira música realmente nova que compus nesse período pandêmico. Ela puxou as demais e assim nasceu o disco. É sobre a ideia de se apaixonar de novo, sobre reminiscências da juventude, se sentir vivo… No meu caso, foi se apaixonar de novo por música, por guitarras, pelo som das coisas. É uma canção pop solar, mas com um pezinho na noite.

02. Let There Be Light

Acho que essa resume o espírito do disco de alguma forma. De enxergar algo além da escuridão. “Give love, this is the time to give, because into the darkness I see heaven above”. Ela, obviamente, nasceu desse rife que conduz a música. Deu um certo trabalho fazer com que a guitarra e o violão “conversassem” em paz. Tem um monte de referências cruzadas, de “Graceland” a “Moondance”, passando pela Bíblia. Não sou religioso, mas tem uma inegável aura espiritual nesse disco.

03. I Still Don’t Know Where I Belong

Eu vejo uma pressão enorme sobre as pessoas, uma obrigação de que elas precisam saber onde estão, quem são, qual o seu lugar. Não é saudável. E se você não souber? Qual o pecado? Compus sob essa ótica: ainda não sei o meu lugar e tudo bem. Não é sobre mim, mas é sobre tirar esse peso. Garage rock simples e direto.

04. Everything Must Go

Essa música eu compus pra YMA. Tinha outra vibe, mais eletrônica. Ela gostou, mas senti que ela não iria gravar, então eu peguei de volta pra mim. Mudei um pouco para ficar mais rock. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, muitas guitarras, muitos teclados. Mas essa é a vantagem de trabalhar com um coprodutor como o Regis Damasceno e um engenheiro de som como o Bernardo Pacheco. As coisas se ajustam no fim.

05. Ocean Floor

Eu nunca tinha trabalhado com afinações diferentes. Eu conhecia essa afinação em Sol aberto, mas só resolvi experimentar quando eu soube que o Don Everly dos Everly Brothers usava! Aí nasceu essa valsa meio Waterboys. Há muitas referências à morte neste disco, a pessoas que não estão mais aqui. Mas não num sentido apenas sofrido. “Ocean Floor” começa essas referências.

06. Give It All Away

Sempre tem alguma música que é um chamamento pra voltar ao básico. Manter tudo o mais simples possível. Eu adoro essa por isso. O Jonnata Doll acha essa meio Tom Petty. Faz sentido. É sobre largar mão de algumas coisas. É libertador.

07. Until The Sun Goes Down On You

Se tivesse um lado B, ele certamente começaria aqui. Tem uma vibe mais solene, enlutada. Essa é uma espécie de canção de ninar psicodélica. Comecei em um piano desafinado que achei numa casa em Petrópolis, no meio pandemia. Só consegui terminar esse ano.

08. Up In The Air

Eu comprei o “Fairy Tales”, do Harry, nos anos 1990. Eu adorava o disco e ficava fascinado. Os caras são brasileiros e tocam isso? Anos depois, quis o destino que eu conhecesse o Hansen (vocalista e guitarrista do Harry) quando ele se mudou pra Fortaleza. Ele, inclusive, me ligou convidando pra ir na inauguração da loja dele. Só acreditei porque o Regis me avisou antes: o cara do Harry vai te ligar! Não ficamos próximos, mas eram sempre boas conversas. Muitos anos depois soube da morte dele (Hansen morreu em 7 de abril de 2017). Não tínhamos mais contato. Mas me impactou. Fiz essa música logo depois e ela acabou soando como a soma dos sons que eu sabia que ambos gostávamos (Depeche Mode, Ultravox…). Ficou guardada até hoje. É dedicada à memória do grande Johnny Hansen.

09. Dead Stars

Meu grande amigo Oldon Machado ficou doente anos atrás. Fiquei assustado com a ideia de que poderíamos perde-lo e fiz essa música. Mas não levei adiante. Ele estava se recuperando e tudo parecia ok. Até ele ter uma recaída e falecer em 2020. Fiquei com receio de mexer nessa música de novo. Mas decidi termina-la. Como o tema era muito pessoal, perdi totalmente o critério pra saber se era ou não uma boa canção. Tive que pedir ajuda pra minha mulher, que costuma ser sincera. Apenas com esse ok dela fui adiante. Dedicada à memória do grande Oldon Machado.

10. Serenade

Fiz como uma experiência. Era um teste pra trilha de um documentário que nunca rolou. Guardei. Nunca tinha lançado uma instrumental e ela se encaixava muito bem na vibe mais etérea deste “lado B”.

11. Brittle

Foi um impacto grande saber da morte da Beatriz Lamego. Eu não era muito próximo, mas nos encontramos várias vezes. Ela e o Sol (marido) sempre foram super gentis comigo aqui no Rio. Sabia da importância dela pro midsummer madness, sabia da presença dela na cena indie. Eu não sabia que ela estava doente, então foi um susto grande. Fiz essa música logo depois, não sob a minha perspectiva, mas me colocando no lugar de alguém muito próximo a ela. Eu sempre gostei de “Ricardo”, a música da Pelvs que ela cantava, então tive a ideia de incluir uma citação e fazer essa homenagem. Depois, criei coragem de mostrar a música pro Sol. Ele adorou, então tudo se justificou. Acho que ela fecha bem o disco. Apesar de todas as perdas, de toda a enfermidade, de todo o luto, de toda a fragilidade, temos alguma luz.

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