OS DISCOS DA VIDA: RICARDO SCHOTT (POP FANTASMA)

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Quem nunca acessou e leu o que Ricardo Schott publica no Pop Fantasma, vive num mundo totalmente sem graça, sem tempero. Schott comanda um dos sites mais saborosos sobre música (e afins) escrito em português. Jornalista de mão cheia, sabe garimpar as melhores pautas, as mais curiosas, as mais divertidas.

“Um colecionador comprou um disco de blues por mais de 37 mil dólares” (aqui), “Aquela vez em que os baixistas dos Stranglers e do Clash saíram na porrada” (aqui), “Aquela vez em que fizeram um musical infantil com as músicas do Abba” (aqui), “Freddie Mercury de crochê: sim, você pode fazer um” (aqui), e por aí vai – isso só na primeira pagina da semana em que publico este Discos da Vida. Vasculhe o site, há muito, muito, muito mais.

E não só os temas. Apesar de nascido em 1974 e não fazer parte da geração Y, não ser um dos millennials que dominam a linguagem da Internet/redes sociais, Schott tem a destreza de escrever como se fosse um – seria esse o melhor dos mundos? Uma pena experiente pensando como jovem?: são textos curtos, rápidos e sagazes.

Como jornalista, seu currículo é invejável: já passou pelas mais importantes redações do país, (O Dia, onde ainda trabalha, Jornal do Brasil, Bizz, Billboard, Rolling Stone, Backstage, Mundo Estranho), tem um programa de rádio (“Acorde”, na Roquete Pinto) e segue um longo caminho que aconselho você a ler aqui, no “quem somos” do próprio Pop Fantasma.

O resgate de memórias e curiosidades da música se reflete também na escolha dos seus dez “Discos da Vida”. Obras indiscutíveis da música pop se misturam a coletâneas, trilhas de novelas e itens que eu, dois anos mais velho que Schott, não lembrava mais que fizeram parte da minha vida. Mas o pop não poupa ninguém, como diria o outro: ele nos assombra pela vida inteira, como um divertido fantasma nos lembrando que a vida é/foi bem bacana.

Minha lista de discos da vida é bem maior que isso, e inclui discos descobertos no fim da adolescência, idade adulta, época de faculdade, entre os 30 e 40 anos e depois dos 40. Tem banda que só tem dois discos lançados após 2011 e entraria pra lista sem problemas. A lista também incluiria discos de outros estilos musicais além do rock e da música pop. Quando fiz a lista abaixo, escolhi cinco discos “normais” e mais cinco discos que talvez não estivessem em listas dos melhores discos de ninguém. E, ah, foquei em discos descobertos até os 13 anos de idade. Boa parte deles eu ouvi pela primeira vez numa época em que eu não fazia a mínima ideia do que eu estava escutando.

The Rolling Stones – “It’s Only Rock’N Roll” (1974)
Roubei esse disco da coleção de um tio, em 1984, quando eu estava pra fazer dez anos. Eu estava começando a ler sobre rock e, pra mim, Stones era só uma banda rival dos Beatles que, ao contrário dos quatro de Liverpool, se recusava a encerrar atividades. Naquela época, Mick Jagger costumava aparecer bastante na TV sozinho e já tinha sido entrevistado por Caetano Veloso na Rede Manchete, o que provocava mais confusão ainda na minha cabeça. “It’s Only Rock’N Roll” é tido por muita gente como um item meia-boca na discografia dos Stones, mas pra mim sempre será um disco especial. Quando eu era criança, se alguém me interrompesse a qualquer momento da audição de “Time Waits For No One”, última música do lado A – com mais de seis minutos – eu voltava do começo pra ouvir tudo de novo.

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Ouça “Time Waits For No One”:

Vários – “Sucesso Mundial” (1972)
Há uns dez anos, entrevistei Harry Zuckermann, dono da gravadora Cid, e ele me contou o que é que levava tantas gravadoras brasileiras, nos anos 1970, a investirem em regravações de hits internacionais, muitas vezes com letra em português. Primeiro: as pessoas preferiam comprar discos em que já podiam encontrar “todos” os sucessos do rádio, e muitas delas ignoravam que não se tratava da gravação original. Em segundo lugar, nem todo o mundo no Brasil sabia inglês. E, enfim, esse discos eram baratos. Essa coletânea “Sucesso Mundial” foi um dos primeiros discos que eu me lembro de ter tido quando criança, e traz vários hits do rock tocados por um time desconhecido de músicos, incluindo “Burning Love” (Elvis Presley), “Donna” (10cc) e outros. O LP vai nessa onda de disco popular a preços módicos pra animar festas. Gostaria muito de achar essas versões no YouTube, mas nunca subiram nada lá.

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Ouça a versão original de “Burning Love”, com Elvis Presley:

Iron Maiden – “Powerslave” (1984)
Na época do primeiro Rock In Rio, um primo começou a ouvir heavy metal e fui na casa dele. Ele me deu uma fita K7 onde estava escrito “Iron Maiden – Aces High”, que ele mesmo tinha gravado, e passei um bom tempo ouvindo aquela fita. Um tempo depois, descobri que o Maiden não tinha nenhum LP chamado “Aces High” (ok, era o nome de um EP deles, que até saiu no Brasil) e que o K7 trazia gravado o disco “Powerslave” com a ordem das músicas trocada, além de umas faixas tiradas de outros discos. “Powerslave” é um disco que até hoje me traz uma baita nostalgia, mas passei os anos seguintes sem me tornar fã da banda. Há uns dez anos resolvi meu problema com o Maiden comprando quase todos os discos (!) numa promoção das Lojas Americanas.

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Ouça “Aces High”:

Veludo Azul – “O Mundo É Da Criança” (1977)
Esse disco nunca saiu em CD e incrivelmente tem poucas pessoas que eu conheço que se recordam dele. Não foi nem sequer descoberto por DJs. É um LP infantil lançado em 1977 pela Som Livre, e que fez bastante sucesso na época, porque vinha com um quebra-cabeças e um monte de figuras de bichinhos pra você achar na capa. Tinha uma versão meio disco-rock de “A Festa do Bolinha” (Trio Esperança), uma releitura meio psicodélica de “Papai Walt Disney” (Conjunto Farroupilha)… O mais fofo é “A Lenda Da Conchinha”, um sucesso de Celly Campello, que ganhou uma versão meio glam rock, meio pré-new wave. O Marlon Sette, que toca trombone na banda do Jorge BenJor (entre outros artistas), me contou que a produção desse disco foi feita pelo pai dele, Paulo Sette. Me disse também que Lincoln Olivetti fez os arranjos, embora o nome dele não esteja na capa.

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Ouça “Bolinha De Sabão”:

Led Zeppelin – “Houses Of The Holy” (1973)
Em 1988 a Warner relançou toda a discografia do Led Zeppelin no Brasil e resolvi comprar os discos, mesmo sem conhecer muita coisa da banda. Acabei começando por esse disco. Até hoje considero um dos melhores álbuns que já ouvi na vida. Mas se for fazer um guia de audição pra fãs do Led, recomendo ouvir todos os LPs na ordem. Nada melhor do que começar com “Good Times, Bad Times”, do primeiro disco, e ver que aquela banda evoluiu a ponto de gravar coisas como “The Rain song” e “D’yer Mak’er”. Em 1988 – muita gente vai lembrar disso – tinha uma propaganda de meias (!) na TV que trazia uma modelo dançando e um locutor falando “as pernas dos anos 60… dos anos 70…”. Quando o cara anunciava os anos 70, uma banda tocava o rife de “The Song Remains The Same”. Lembro até hoje de ouvir o disco e falar “ué, mas não é aquela música do comercial?”.

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Ouça “The Song Remains The Same”:

Vários – “Espelho Mágico/Coquetel De Amor – Trilha Internacional” (1977)
Uma das minhas primeiras lembranças relacionadas a LPs é minha mãe chegando em casa com um pacote enorme de discos que ela tinha comprado na Sabiá (loja clássica de Niterói). Eram vários LPs de novela, coletâneas de disco music etc., tudo comprado no bacião da loja. Eu sou filho de professores, não tive infância abastada e meus pais só tinham grana pra comprar LPs em promoção – e vários dos discos que a gente tinha lá em casa eram de disco music, que era a música da moda. Diga-se de passagem, eu desejo que vá pro inferno qualquer ser humano que fale mal de disco music, seja qual for o motivo imbecil (todos são) que essa pessoa tenha pra isso. Um dos discos que mais me marcaram nessa época foi essa trilha de novela, que tem clássicos como “I Remember Yesterday” (Donna Summer), “Ma Baker” (do Boney M, meu grupo preferido de disco), “Yes Sir, I Can Boogie” (Baccara) e outros. Tem também a cafonice de “C’est La Vie”, que só anos depois fui me tocar que era do Emerson, Lake & Palmer.

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Ouça “Ma Baker”, com Boney M:

The Jesus & Mary Chain – “Psychocandy” (1985)
Outro caso de pessoa-que-me-deu-uma-fita-e-praticamente-mandou-eu-escutar. Um amigo de escola gravou o primeiro disco do Jesus & Mary Chain e me deu, dizendo que eu tinha que ouvir. Era uma fita Vat, daquelas bem vagabundas e o disco já é uma barulheira desgraçada, com um monte de microfonias. Pior: há quem diga que a prensagem da WEA brasileira piorou mais ainda o som do disco, o que teria tornado o LP nacional uma meleca sonora inaudível (honestamente não sou capaz de opinar, não me recordo). Só fui ouvir esse disco de verdade em CD, anos depois, mas de qualquer jeito passei a gostar do Jesus ali. Ainda hoje, ouço “Taste Of Cindy” quase todos os dias. O disco que eu recomendo pra quem estiver montando uma banda ou aprendendo a tocar guitarra.

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Ouça “Taste Of Cindy”:

Vários – “O Pulo Do Gato – Trilha Nacional” (1978)
Esse disco estava na tal pilha de LPs que minha mãe trouxe da Sabiá. E eu tenho ele até hoje guardado. Não sei bem qual o critério que a Globo usava pra fazer essas trilhas, mas esse disco (um dos que não foram lançados em CD naquela fornada de discos de novela reeditados por Charles Gavin) vale por um álbum de música pop comum, formal, com começo, meio e fim. Abre com Guilherme Lamounier fazendo o que o Jota Quest deveria estar fazendo hoje, com “Requebra Que Eu Curto”. Segue com a disco-umbanda de “Babá Alapalá”, de Gilberto Gil, com Zezé Motta. Tem uma das melhores dance tracks nacionais dos anos 1970: “Linda Manhã”, com o Quinteto Ternura (escrita por Lincoln Olivetti, por sinal). E o tema de abertura ainda por cima era “Eu E Meu Gato”, de Rita Lee. Amo poucas músicas no mundo da maneira que amo essa. A curiosidade é Tim Maia cantando “Feito Para Dançar”, disco music escrita pelo guitarrista da banda Vitória Régia, Paulinho Guitarra – e cuja letra se resume a seu título.

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Ouça “Feito Para Dançar”, com Tim Maia:

New Order – “Brotherhood” (1986)
A frase “esse é o ‘Sgt. Pepper’s’ de tal banda/tal artista” tem vários significados. Pode ser usada pra dizer que é o melhor disco de fulano, o mais elaborado, o mais maluco, o mais aleatório ou até (numa perspectiva irônica) o mais “bolo fofo”, cheio de detalhes dispensáveis. “Brotherhood” costuma sobrar na lista de melhores discos do New Order (quase todo mundo que eu conheço prefere o “Power, Corruption And Lies”) mas é meu “Sgt Pepper’s” do grupo, no melhor dos conceitos. Tinha músicas com começo e final malucões (“Weirdo” e “Every Little Counts”, sendo que esta última, na edição brasuca, veio com um “música com efeito especial” acrescentado ao lado, pra ninguém achar que o LP estava com defeito). Tinha um lado A roqueiro e um lado B já apontando pra invasão da música eletrônica. E também um momento de loucura pura (os risos de Bernard Sumner ao cantar a letra de “Every Little Counts”). Outro disco que ouvi por insistência de um amigo, e que virou disco da vida.

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Ouça “Every Little Counts”:

Mutantes, Secos & Molhados E Rita Lee – “Nova História Da Música Popular Brasileira” (1978)
Essa série de fascículos da Abril, com LPs e textos biográficos, é boa, quebra um galho até hoje, mas tem defeitos muito chatos. Primeiro: “música brasileira”, pra coleção, se restringia a compositores (Maria Bethânia não tinha um fascículo, Gal Costa também não, mas Marcus Vinicius, compositor pernambucano que não é exatamente um campeão de popularidade na história da MPB, dividia um exemplar com Geraldo Azevedo e Alceu Valença). Segundo: nomes popularíssimos como Benito di Paula e Odair José estavam barrados no baile. O disco dedicado a Mutantes, S&M e Rita Lee, ainda por cima, trazia erros vergonhosos de apuração. No texto, a discografia do trio era resumida a três discos (“Os Mutantes E Seus Cometas No País Do Baurets” é chamado de “terceiro disco” da banda) e “Tudo Foi Feito Pelo Sol” vira “um disco solo do Sergio Dias”). Mas dane-se: ouvi Mutantes pela primeira vez na vida aos dez anos de idade nesse disco, que tem duas músicas da banda nas gravações originais (“2001” e “Caminhante Noturno”) e ainda traz “Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?”, do Arnaldo Baptista.

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Ouça “Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?”, com Arnaldo Baptista:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Anderson Oliveira (Passagem de Som)”.

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