RESENHA: BOREGAS/MIAZZO – BOREGAS/MIAZZO

Talvez por uma dualidade marcante enquanto unidade (afinal, pode ser chamado ou de álbum ou de split) que “Boregas/Miazzo” me fez retornar tantas vezes ao disco e sentir estéticas claramente divergentes sendo emitidas uma seguida da outra.

Há, no Bandcamp do projeto, duas formas sugeridas de ouvir o álbum: na ordem disposta formalmente e na ordem reversa. Talvez o maior efeito percebido por mim tenha sido de que a movimentação entre dois tipos de repetições maximiza o imediatismo. Ou seja, o espaço que a música cria (enquanto se ouve o disco e logo após isso) transcende sua própria pré-disposição; ela passa a ser outra coisa, ainda que seja formada estritamente pelos mesmos fatores (pra ficar no lógico-clichê de “a ordem dos fatores não altera o produto”). Talvez seja a experiência maximizada por uma nova, ainda que mínima, proposta de ouvir música fundida aos nomes que também se divergem em excesso: o título “Senhores De Uma Nova Guerra”, de Carla Boregas, e o “Sem Título”, de Thiago Miazzo.

Muito como um ambiente minimalista, explorando as nuances e a repetição contínua, Boregas (da Rakta e Fronte Violeta) constrói a sua peça como uma espécie “estranha” de “lounge music“: há algo nas frequências que extrapolam apenas a recepção tranquila e abre frestas pra constantes redimensionamentos por parte do ouvinte.

Durante uma época em que, ao contrário de um Brian Eno ou do Aphex Twin, os músicos com essa proposta caem em afirmações bobas de “músicas contemplativas”, a peça de Carla não deixa de sugerir isso ainda que ressoando quando a segunda peça, “Sem Título”, entra com um ruído extremamente incômodo que redimensiona a experiência anterior – outro redimensionamento ocorre caso a audição seja realizada na ordem reversa.

Na música de ambos há referências nitidamente distantes, sendo possível a intimidação entre os polos. A multiplicidade de referências torna-se um ponto importante enquanto se persiste na audição, e elas são alavancadas pelas várias “mini” peças que ocorrem na faixa de Miazzo.

As várias formas adotadas por Miazzo interpelam a “grandiosidade” da faixa de Boregas, de forma que a própria duração das peças interfere diretamente na experiência com a outra (“nossa que música demorada” ou “nossa, quantos fragmentos curtos”). As minipeças de Thiago introduzem-se e quebram-se rapidamente, sem avisos prévios. Inversamente, Carla opta por uma construção maior, mais envolvente e com mudanças muito mais sutis. Não que os defeitos de um são completados pelo outro, até porque são realmente estéticas divergentes, mas a assimilação crônica de instâncias tão divergentes gera – de fato – uma relação extrema com o álbum. Como se duas subjetividades tão gritantemente opostas forçassem o ouvinte pra uma assimilação praticamente obrigatória.

1. Carla Boregas – Senhores De Uma Nova Guerra
2. Thiago Miazzo – Sem título



NOTA: 8,5

Lançamento: 4 de maio de 2017
Duração: 28 minutos e 35 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: Carla Boregas, Thiago Miazzo e Paulo Dantas

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