RESENHA: GRANDADDY – LAST PLACE

Se é cedo ou não pra afirmar, cada um é que deve dizer, mas “The Sophtware Slump” (2000) e “Sumday” (2003) são duas obras-primas e permita-me aqui usar tal superlativo. Enquanto uns afirmam que o Teenage Fanclub, em 1991, o Radiohead, em 1997, o Strokes, em 2001, e o Arctic Monkeys, em 2006, moldaram os pilares do “som indie” pra crítica e público, o Grandaddy de Jason Lytle fez em duas obras brilhantes o discurso da negação, do sofrido e do perdedor nesse meio.

Não era algo proposital. Lytle estava com a vista em outro alvo: a sua própria tentativa de compreender seu minúsculo mundo, o impacto das mudanças e a resistência a elas, e o impacto dos avanços da sociedade, especificamente os avanços tecnológicos.

Obras significativas, como “Jed The Humanoid”, “Broken Household Appliance National Forest”, a bela peça-homenagem pós-morte em “Jed’s Other Poem (Beautiful Ground)”, “I’m on Standby”, a ode irônica ao mundo corporativo em “The Group Who Couldn’t Say”, o robô solitário deixado pra trás em “Stray Dog And The Chocolate Shake”, todas elas resumiam um universo bem particular, onde os ouvintes facilmente adentravam, mas que Lytle dificilmente conseguia sair.

Lytle não é um nerd solitário como seus temas podem aparentar. Ele tampouco é um maluco prestes a pegar uma arma e sair metralhando pessoas numa escola ou num centro de compras. Ao contrário, há muita ironia e tiração de sarro em suas letras – e mesmo no uso dos ruídos quase-8-bit em algumas canções. Ele aparenta estar se divertindo um bocado no momento em que as compôs.

“Just Like the Fambly Cat”, o antes-derradeiro álbum, de 2006, foi decepcionante, embora Lytle, com seu boné de caminhoneiro e seu sotaque interiorano, se esforçasse pra mostrar que podia se divertir com temas como “Elevate Myself”.

A banda acabou, Lytle lançou cinco discos-solo, criou o Admiral Radley (veja aqui), mas não resistiu e retornou com o Grandaddy em 2012. Após alguns shows, em 2017 ele e seus comparsas lançam esse “Last Place”, um disco muito comemorado pelos fãs (leia detalhes aqui). Terá valido a pena?

Lytle segue poetizando as mudanças da vida. Aqui, as mudanças são literais, de casa, de lugar (do estado de Montana pro Oregon, quase vizinhos). Ele fala das estradas, deslocamentos, carros, aviões, a paisagem de passagem, algumas pessoas sem rosto que cruzam o caminho… A diferença é que o músico parece menos afiado na ironia.

O fã pode identificar peça que rivalizam com os melhores momentos do Grandaddy. “Way We Won’t”, que abre o disco, é uma das mais dignas. Nela, Lytle já está em dúvida sobre ir ou não ir: “Less than an hour past control tower / On a big box store roof / Cinnamon smell and holiday sales / Why would we ever move? / Damned if we do / (Dumb if we don’t) / End up again back home / Watch it and see / It’s playing here free / (That is the way) / That is the way we won’t”.

“Brush With The Wild” tem um rife marcante e assobiável, enquanto Lytle canta sua poesia divertidamente caótica: “A brush with the wild, we were the best / It’s all I can do, a beautiful mess / I’m making the call, my message is lame / I’m insane”.

Se ele está indo por uma estrada que morre no final, sem saída, é porque ainda sobra um pouco daquele Grandaddy genial, das duas obras-primas: ele até segue por novos caminhos, mas pra quê mudar em time que um dia já ganhou e cujas vitórias ainda repercutem até hoje?

Por isso, “Evermore” deliciosamente investe no que se vê nesse caminho triste e sofrível: “Grieve like a freeway tree / Old and grey, no love in your leaves / Grieve like a freeway dream / Lonely days, no love in your leaves / No love in your leaves”. É o autor projetado na natureza que se expõe morta. Ao passo que “Chek Injin” é um rockão acelerado brincando com a dificuldade de locomoção nessa estrada doida (“check engine / check engine / check engine”).

Se é prazeroso ir, ou divertido, ou revelador, “I Don’t Wanna Live Here Anymore” acaba sendo dúbia: onde ele quer se estabelecer?

Nada dura pra sempre, ele canta. Nada. O Grandaddy de “Last Place” é uma bela sombra (sobra?) daquele Grandaddy genial do começo do século. Não é uma obra-prima, mas não é um disco menor, como “Fambly Cat”, longe disso. É robusto na auto-referência ou, por outra, uma obra de alguém que talvez não tenha dito tudo o que queria ter dito quando achou que bastava. A volta se justifica.

Há, pois, ligações imediatas com o passado. “Jed The 4th” remete diretamente a “Jed The Humanoid” e “Jed’s Poem”, de maneira incrivelmente simples e quase brincalhona (“So, Jed He’s dead and gone / And Jed he left a son… You know it’s all a metaphor / For being drunk and on the floor” – lembre-se: Jed era um poeta e era um bêbado que esquecia as chaves debaixo dos capachos), com uma melodia que é uma continuação da saga mostrada em “The Sophtware Slump”.

Como não se encantar também com “That’s What You Get For Gettin’ Outta Bed”, a orquestração de “This Is A Part”, “A Lost Machine” e, em especial, “Songbird Son”, que alguém poderia chamar, sem exagero, de a “The Warming Sun” de “Last Place”, bela, sofrida, banhada de melancolia?

Então, o último lugar que o Grandaddy poderia querer estar seria um lugar final qualquer. Se Lytle se acomodar em algum canto e por alguma obra do destino se vir frente a frente com a rotina de uma vida sem sobressaltos, é capaz dele virar um lenhador anônimo esquecido do mundo. Esse disco não pode ser a parada final. Seria um final em grande estilo, sem dúvidas, mas vale a torcida: que venha a próxima viagem.

NOTA: 8,0
Lançamento: 3 de março de 2017
Duração: 44 minutos e 08 segundos
Selo: 30th Century Records
Produção: Jason Lytle

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