COSMONAUTA FANTASMA – AMANHÃ VAI SER PIOR (EP)

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Não tá fácil ser otimista. A gente tenta, mas não tá fácil. O rumo à extrema direita que as eleições de 2018 nos levaram (graças a junho de 2013), de uma forma ou de outra, pega todo mundo, ferra todo mundo, seja na perda de direitos trabalhistas, previdenciários, seja no futuro desgastado por tetos de gastos, parlamento pentecostal, destroçamento de direitos de minorias históricas. É aquela história: se tá ruim pra classe média, imagina pra grande maioria que vive à margem da sociedade.

“Amanhã Vai Ser Pior” não é exatamente o que a gente deseja ouvir como conforto. É que se há esperança ela tá bem escondida. O futuro imediato tende a ser sombrio e o Cosmonauta Fantasma, ou Murillo Marques, não tenta de jeito algum tapar sol com a peneira mais à mão. O seu segundo EP, lançado em 22 de setembro de 2019, de maneira independente, trata com amargura do presente e desse não-futuro. Não é futuro que nos agrade, amanhã vai ser pior.

O próprio Marques tangencia a sociedade. Sabe disso e ao se olhar no espelho não parece gostar do que vê, inclusive à espreita. O medo o rodeia, e sua arma é uma certa dose de revolta alimentando a sua arte – letra e música explodindo de indignação. Como se fosse um filhote bem-vindo entre o Stooges e o Giallos/Opium Dei, esse “novo” Cosmonauta Fantasma grita, distorce todos os instrumentos, especialmente a voz, e desafoga peito e garganta estrangulados por uma realidade vil.

Nos cinco temas, há momentos de declamação, mas são nas explosões que ele encontra melhor guarida, especialmente em “Oba, Lá Vem Ele” – “O maniqueísmo dos filhos da puta de bem / O honesto reflexo do seu povo / Pelo brasil / Pela família tradicional / Por um deus impiedoso que me abomina / Oba la vem ele” – e na faixa-título, crudelíssima com tudo e todos, porque tudo e todos simplesmente merecem – “Eu vi jesus cristo descalço e sujo / Implorando por misericórdia / No centro da cidade a luz do dia / Um cartaz em praça publica manchado com sangue inocente dizia: / ‘amanhã vai ser pior'”.

Marques aponta seu megafone pra essa extrema-direita impiedosa, mas não poupa os desencantados que vivem indignados apenas nas redes sociais (“Minha juventude é passional e acolhedora / Julga e condena entende o problema / Sequer enxerga um palmo a frente / Isso é o que nos separa / Sua resistência são teorias impraticáveis / Minha resistência é botar o pé pra fora de casa / Isso é o que nos separa”, na Stoogesiana-Giallosiana “Minha Juventude”) – “o EP parte da narrativa ignorada por não trazer nenhum conforto ou oferta de solução, sobre o pessimismo degenerativo no entendimento como negro e favelado tanto no aspecto artístico quanto no político. É sobre o abismo entre teoria e prática, um lugar no qual não existe nenhuma instituição com que se identificar nem resistência que defenda seus interesses ou dignidade”, segundo o informe oficial à imprensa.

A culpa é de todos: minha, sua, de quem se absteve, de quem votou nessas corjas (presidente, senadores, deputados, governadores, prefeitos) que só pensam num mundo de incluídos e que se danem os excluídos. Nada de passar a mão na cabeça, nada de fugir da mea culpa, mas nada de se esconder. Se amanhã vai ser pior, é bom a gente tratar de diminuir os estragos.

Murillo Marques fez tudo: compôs, executou todos os instrumentos, produziu e gravou. A mixagem ficou com a assinatura de Bruno Marcus, no Estúdio Tomba; e a masterização, com Martin Scian.

Conselho importante: no Bandcamp é possível ler as letras de cada uma das canções. Faça isso. Este EP sobrevive em pleno casamento de sangue jorrando entre poesia escrita e musicada.

1. Dita
2. Oba, Lá Vem Ele
3. Minha Juventude
4. Amanhã Vai Ser Pior
5. Insurrecto

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Foto (recortada) que abre o artigo: Gabriella Balestrero

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