O SOM DO WINDOWS: DE BRIAN ENO A ROBERT FRIPP

A famosa e superreproduzida entrevista de Brian Eno dada em 1996 pro San Francisco Gate já é curiosa por si só.

“A ideia surgiu no momento em que eu estava completamente desprovido de idéias. Eu estava trabalhando na minha própria música por um tempo e completamente perdido, na verdade. Daí que eu realmente gostei quando vieram com o pedido: ‘eis um problema – tente resolvê-lo’. A agência pedia: ‘queremos uma música que seja inspiradora, universal, blá-blá, da-da-da, otimista, futurista, sentimental, emocional’, toda essa lista de adjetivos e, depois, na parte inferior, ‘e deve ter 3,25 segundos de duração’. Achei que seria tão engraçado e uma ideia incrível pra tentar fazer uma pequena peça de música. É como fazer uma pequena joia. Na verdade, fiz 84 peças. Eu me envolvi completamente nesse mundo de minúsculos pedaços de música. Eu estava tão sensível a microssegundos no final do processo que realmente quebrou um paradigma em meu próprio trabalho. Então, quando terminei e voltei a trabalhar com peças que duravam três minutos, pareciam oceanos do tempo”.

A ótima e curta descrição, porém, deixou de lado o pedaço mais importante. Em 2009, pro podcast “O Museu De Curiosidades” da BBC, ele afirmou categoricamente: “escrevi a peça num Mac. Nunca usei um PC em minha vida, não gosto deles”.

O desafio de Eno, entretanto, não era uma novidade. Longe disso. O mais conhecido esforço, até hoje, de aliar som e imagem pra fixar uma marca veio da Intel, não à toa outra bilionária do mundos dos computadores.

A empresa chamou o austríaco Walter Werzowa, da esquecível banda Edelweiss, pra criar sua estampa musical. À época, a Intel tinha um problema sério: a capacidade de seus microprocessadores estava avançando rapidamente, mas os fabricantes não estavam acompanhando tal velocidade de desenvolvimento. Estávamos na época dos pré-históricos chipes 286, enquanto a Intel já avançava pro 386, prevendo pra breve o 486 – o que de fato aconteceu. Mas os fabricantes não viam muita razão nessa pressa, até porque os consumidores não eram numerosos o suficiente pra valer tal investimento. Mais do que isso, não imaginavam o que mais capacidade de processamento poderia significar, algo que hoje em dia qualquer criança sabe.

Se a Intel ficasse dependente dos fabricantes, ela poderia se estagnar. A virada veio com uma campanha de marketing que falava direto ao consumidor, pedindo que ele ficasse atento sempre ao processador mais rápido e novo da família (no caso, quando a campanha foi ao ar, do 386). O investimento deu certo. Foram os consumidores que passaram a obrigar os fabricantes a se atualizar, de modo que a Intel tinha uma nova via de pressão e forma de escoar seus avanços.

Uma briga judicial sobre os nomes 286 e 386 fez a empresa focar no que parecia ainda mais cristalino: a propaganda deveria mostrar ao consumidor que a marca Intel era sinônimo de avanço e processadores confiáveis, não importando qual seria.

A escolha de Werzowa veio por facilidade. Ele era amigo de Kyle Cooper, contratado pra transformar o redemoinho da Intel numa animação que fosse agradável na televisão, a arma de divulgação mais potente pra marca a partir dali.

Depois de certa fama nos anos 1980 com sua Edelweiss – graças basicamente a “Bring Me Edelweiss”, uma tosqueira que unia beberrões gordos de cerveja, anões, peitos, lenhadores e afins – Werzowa mudou-se pros Esteites pra estudar música e tentar carreira como criador de trilha sonora pra filmes.

A única dica que Werzowa recebeu, ao contrário da tonelada de adjetivos que a Microsoft passou no ano seguinte a Brian Eno, foi que o som precisava transmitir segurança, confiança e inovação.

Werzowa chegou a cinco notas que, segundo ele, eram inspiradas nas sílabas do slogan “Intel Inside”. Passou semanas refinando o som dessas notas. Cada um dos cinco tons é uma mistura de vários sintetizadores – principalmente um amontoado de sons de xilofone e marimba.

O resultado é uma das músicas mais conhecidas de todos os tempos – e ela dura pouco mais de três segundos. No mundo todo, a cada cinco segundos, a televisão ou o rádio toca essas cinco notas.

Mais de vinte anos depois, a marca da empresa sofreu leves mudanças, o som foi atualizado, mas segue o mesmo. Um não vive sem o outro.

O mesmo pode-se dizer da obra de Brian Eno. Embora em 1995, quando foi lhe apresentado o desafio, a intenção da empresa não era de petrificar a marca na cabeça dos consumidores. Isso, a Microsoft já havia conseguido. Os “sons do Windows”, o sistema operacional que já era o mais famoso à época, eram uma prática comum pra deixar o computador mais amigável ao usuário final, que iam de crianças a donas de casa, público sem a menor ideia do que eram feitos os computadores.

Os sons do início do Windows, de fechamento, de uma tela de aviso, de um problema etc. deveriam ser marcantes o suficiente pra significar o que queriam significar. Especificamente o de início deveria ser singular e atuar como as cinco notas da Intel atuam até hoje, marcando-se então como símbolo do sistema operacional.

Brian Eno já era rico e reconhecido o bastante nos anos 1990. Seu trabalho com música ambiente e experimentações já era consagrado, em especial por conta de obras como “Ambient 1: Music For Airports” e “Music For Films” (ambos de 1978). Mas ele foi também membro do cultuado Roxy Music, colaborou com John Cale, Robert Fripp, Nico, David Bowie, David Byrne e produziu alguns discos bem importantes dos anos 1970 e 1980, do Talking Heads, Ultravox, Devo, James e, óbvio, quase tudo do U2. O rol de qualidades de Brian Eno faria a escolha da Intel parecer um golpe de sorte ou um esforço bem sucedido de uma campanha bilionária.

Só que Eno recebeu apenas trinta e cinco mil dólares pelo seu trabalho, pelas oitenta e quatro peças das quais apenas uma foi utilizada. Pra se ter uma ideia da ninharia, só no primeiro ano, foram vendidas quarenta milhões de cópias do sistema operacional, o maior sucesso comercial da Microsoft – se contar as que foram pirateadas. Pra desenvolver o Windows 95, a empresa investiu cem milhões de dólares e gastou mais o triplo disso pra promover o produto (ou seja, a parte que coube a Eno nesse investimento foi da ordem de 0,00875% do total). O sistema foi lançado oficialmente em 24 de agosto de 1995.

Segundo o site “Techtudo”, “a introdução do Menu Iniciar (Start) foi uma das principais inovações que o sistema trouxe. A música ‘Start Me Up’, dos Rolling Stones, foi usada no comercial pra apresentar o recurso. Além disso, a inserção da barra de tarefas mudou a forma como as pessoas interagiam com o computador. Hoje, o Windows 95 é visto como uma das maiores revoluções entre os sistema operacionais”.

A mensagem subliminar, ressaltada pelo comercial com o embalo de Mick Jagger, era praticamente um convite pra aqueles que ainda não haviam aderido ao mundo dos computadores. Com a tecla “start”, qualquer um estava apto a começar – e sabia por onde (vale muito ler esta matéria da Folha De São Paulo sobre as vendas no Brasil).

Mas, antes de chegar à inovadora tecla, era preciso iniciar o sistema e o som criado por Brian Eno era o que primeiro se ouvia.

Mark Malamud e Erik Gavriluk, designers da Microsoft, foram os responsáveis por chamar Eno pra tarefa. A escolha, pelo currículo de Eno, parecia perfeita. O Windows 95, pras intenções ambiciosas da Microsoft, era uma “obra de arte”.

Eno conseguiu o intento. O tema de inicialização do Windows 95 comunica uma sensação não-verbal de paz ao usuário, como uma canção de ninar que passa de mãe para filho. A sua “minúscula joia” se perpetuou como uma música ainda mais icônica que a da Intel. O sistema operacional ficou à venda até 2001, mas ainda hoje há quem transporte a música de inicialização dele pras versões posteriores.

Depois, vieram os temas pros sistemas Windows 98, criado por Ken Kato, que era funcionário da Microsoft; e do Windows XP, que também é bem conhecido, composto por Bill Brown e Tom Ozanich (autor do desenho de som de “Sicario: Terra De Ninguém”, “Sully: O Herói Do Rio Hudson”, “Sniper Americano”, “Kill Bill” e muitos outros).

Ninguém poderia imaginar que a escolha pro som de abertura do Windows Vista, que foi lançado em novembro de 2006, seria Robert Fripp. O guitarrista não era exatamente conhecido pela brevidade de suas obras. No King Crimson, banda que o fez famoso, os longos temas progressivos podiam passar dos vinte minutos.

Mas Fripp era parceiro eventual de Eno, fazia todo o sentido. De 1973 a 2004, a dupla havia lançado três álbuns e Eno conhecia bastante a capacidade do par em ambientar espaços com notas.

A criação foi anunciada com grande repercussão na mídia blogueira já ativa na metade da primeira década do novo século. Entretanto, a produção foi desgastante e atribulada, sendo ainda hoje alvo de uma indisposição jurídica.

Segundo um texto interno da companhia, Fripp gravou “seis horas de trilhas brutas de vários canais incluindo centenas de melodias, texturas, paisagens sonoras e orquestrações”. Eis que foram precisos seis meses de “remixagem e refinamento”, pra conseguir tirar um trecho de quatro segundos quem nem foi assinado unicamente pelo músico. A obra final tem melodia de Fripp, harmonia do colaborador de longa data de Fripp, o guitarrista Steve Ball, e arranjo de Tucker Martine, um músico indicado ao Grammy e conhecido por trabalhos com REM, My Morning Jacket, The Decemberists, Spoon e Mudhoney.

Há um famoso vídeo de vinte e cinco minutos de Fripp gravando suas interpretações do que seria o som (veja aqui).

O Vista não teve o mesmo sucesso do 95 ou do XP e em 2009 foi substituído pelo Windows 7, que é tido como o maior acerto da empresa em muito, muito tempo. Mas não era o que aparentemente se esperava lá na equipe de Bill Gates. O Windows 7 não teve tanto investimento quanto outras versões e a música de inicialização foi reaproveitada do Vista, de modo que Fripp é o autor do som de início de duas versões do sistema operacional.

Pra muita gente, talvez sejam as participações de Eno e de Fripp as únicas coisas que prestam no sistema operacional de Gates. A certeza é que essas são as suas obras mais ouvidas e conhecidas.

Aqui, você pode ouvir a evolução dos sons que abrem todas as versões do sistema:

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