RESENHA: PLAYBOI CARTI – DIE LIT

Os compositores de trap rap têm realizado algumas coisas muito duvidosas, mas certamente muito da problemática implicada com esta música também é originada na limitação que a audiência e crítica atribuem ao gênero. Considere que Playboi Carti havia, ano passado, lançado uma letárgica mixtape, autointitulada, que já indicava o caminho sinuoso concretizado neste disco. Playboi Carti é a manifestação máxima do amontoado de rap encontrado nas nuvens virtuais, especialmente Soundcloud e Bandcamp, trazendo esse meio alternativo de circular música a um gigante público (um dos seus videoclipes, “Magnolia”, conta com mais de sessenta e quatro milhões de visualizações).

Então, talvez, nomes como Trippie Redd já venham com algumas produções chamativas, mas com certeza foi a mixatape de Carti que acumulou a aceleração desenfreada das batidas e autotunes e configurou-as como legitimação concreta desses anos e anos de subproduções virtuais. Playboi Carti pode ser visto como aquele que “abandonou” o submundo, embora sua ideologia sempre carregou a ostentação como alvo primário, e a normalização de suas conquistas (tanto pessoais quanto sonoras) mostra uma ascensão que só se justifica quando instrumentalizada pela Internet.

Mas, talvez, foi não seguir a cartilha dessas comunidades virtuais à risca que tenha possibilitado a fomentação do seu nome como a voz-mor, considerando polêmicas e contradições. Afinal das contas, suas melodias meio cantadas e sobreproduzidas (a maioria delas produzida por Pi’erre Bourne) que o distanciaram dos “conservadores” do rap e, ao convidar grandes nomes pra fazer colaboração, ele deixou bem claro o meio pelo qual quer circular, mas com suas batidas (pouco simpáticas à formulação mainstream) e com seus convidados de grande nome (poucos simpáticos ao rap de Internet). Na música “Home (KOD)”, a efetividade publicitária do rapper é escancarada; ainda assim, o peso abafado da produção e a aparente desorganização (versos espalhados, repetição excessiva de refrão) mostram que, talvez, a música comercial está seguindo por outro caminho (Charli XCX também prova isso no pop).

Os trabalhos de Carti parecem erguer-se desses resquícios de produções pra fazer um testemunho “maior” a uma sonoridade muito recente, afincando-a no meio comercial e erguendo-se através das interconexões restritas da Internet. Claro que a intenção não é essa: são canções que vão tocar em festas com muitas substâncias, elas foram feitas pra serem acompanhadas por biritas num quarto esfumaçado (as letras evidenciam isso). Em adição a esse jeito de consumir sua música, considere que o rapper tem um estilo de oralidade contínua, como se os versos fossem aforismos e cada um deles não necessariamente prosseguisse a ideia anteposta, que tange com o ilógico pra explicitar quão longe a música pode ir.

Como muitos dos maiores criadores de rap atual (Lil Uzi Vert, Young Thug, Lil Wayne), Playboi Carti toma inspiração nos lados mais esquisitos (essa hibridação disforme entre o que é meme e o que é absurdez “natural”) do gênero pra deixar testemunho sobre suas alucinações, projeções e desejos. Nada parece tão abstrato pra ele. Os refrões memoráveis parecem justamente trocistas porque se está vivendo em uma época tão diluída e de consumo tão rápido que aparenta que apenas coisas assim, instantâneas e absurdas, podem deixar algo impresso nas estranhas estruturas temporais. Os vídeos musicais desses artistas são como múltiplas linhas do consumo moderno se entrecruzando: carrões, festas em um apartamento com substâncias coloridas, invariavelmente uma troca de tiros com a polícia, uma barganha de malote de drogas etc. (a produção desse disco não poderia vir num período mais precário, em que aqueles que partem do discurso dúbio – é performance ou é realidade?- ganham pontos a mais quando consumidos, já que virou tendência ouvir música por ironia).

A essas pessoas resta a expectativa de consumo e o que as grandes (poucas) gravadoras fazem pra capitalizar em cima delas e dos artistas. Estes são vistos como possibilidade de colecionar uma fanbase considerável em serviços de streaming pra que possam render alguns trocados. Então, é necessário encher esses artistas de imagens e clipes que são, ao mesmo tempo, engraçados, divertidos, perigosos, ostensivos etc. (veja quantos subgêneros de cinema B podem ser correlacionados com o vídeo de “Magnolia”, ao mesmo tempo em que o rapper leva todos seus amigos pra esse mundo-absurdo. Há uma multiplicidade de linhas tão grande que é impossível não abraçar muitos fãs).

Eu, por volta da terceira escutada, já conseguia reconhecer os refrões e esboçar uma dançada de leve. O que eu digo é que, aqui, o marketing funciona e os buracos entre os vários subgêneros do rap são mais ou menos preenchidos. Skepta, Travis Scott, Lil Uzi Vert, Nick Minaj e vários outros nomes deixam o disco tão preenchido que alguém que tem alguma familiaridade com o rap não vai conseguir deixar de se empolgar em algumas faixas. Eles são todos nomes importantes em alguma vertente e o rapper consegue seguir com tranquilidade por esses lados.

Ouvir as faixas de Playboi Carti relativiza esse enorme plano de fundo, de que é preciso falar quando se trata de artistas tão grandes e monetariamente poderosos, porque o disco é realmente animado e engraçado. Seu trabalho é, sem dúvidas, produto de uma época em que a invasão dos streamings e músicas rápidas e tocáveis impõem-se enquanto principal forma de consumo musical. Eu fico em débito com a indústria cultural, mais uma vez.

01. Long Time (Intro)
02. R.I.P.
03. Lean 4 Real (com Skepta)
04. Old Money
05. Love Hurts (com Travis Scott)
06. Shoota (com Lil Uzi Vert)
07. Right Now (com Pi’erre Bourne)
08. Poke It Out
09. Home (KOD)
10. Fell In Luv (com Bryson Tiller)
11. Foreign
12. Pull Up
13. Mileage (com Chief Keef)
14. FlatBed Freestyle
15. No Time (com Gunna)
16. Middle Of The Summer (com Red Coldhearted)
17. Choppa Won’t Miss (com Young Thug)
18. R.I.P. Fredo (Notice Me) (com Young Nudy)
19. Top

NOTA: 7,5
Lançamento: 11 de maio de 2018
Duração: 57 minutos e 40 segundos
Selo: AWGE
Produção: Art Dealer, IndigoChildRick, Pi’erre Bourne, Playboi Carti, Maaly Raw, Don Cannon e Treshaun Beatz

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