PRIMAL SCREAM NO TROPICAL BUTANTÃ – COMO FOI

Assim que cheguei em casa, estava passando na televisão uma das obras-primas de Billy Wilder, “Sabrina”. Humphrey Bogart, Audrey Hepburn e William Holden numa daquelas comédias românticas de fazer suspirar nas sessões da tarde de qualquer idade: diálogos ácidos, tiradas de humor sem apelação, um preto-e-branco (de Charles Lang Jr.) didático, o figurino elegante de Edith Head que deixou Hepburn ainda mais maravilhosa, e um roteiro que se hoje é previsível é justamente graças a ele próprio, que fez história.

Alguém achou uma boa ideia fazer uma nova versão do texto da peça de Samuel A. Taylor e do filme de 1954. Sydney Pollack, um bom diretor, capitaneou a versão de 1995. Mas a mágica não está só no bom texto. Julia Ormond está longe de ser Hepburn. Greg Kinnear é tão canastra quanto Holden, mas Holden parece saber disso, o que torna sua atuação elegantemente mais divertida. E Harrison Ford, ídolo de uma geração, até faz frente a Bogart, mas, como poderiam dizer, Bogart é Bogart, afinal.

Fora as comparações interpretativas (não coloco nem na conta a beleza asfixiante de Hepburn), a nova versão foi feita num colorido bem básico, tirando boa parte do charme clássico do filme.

Achei reconfortante ter passado na tevê a versão de 1954, porque horas antes estive no Tropical Butantã pra ver uma das minhas bandas preferidas, o Primal Scream. Era meu quarto show deles e já havia visto em muitos formatos. A comparação fica na cabeça. A memória se reativa. Quem teve o privilégio de ver a banda com Mani e com Kevin Shields, não pode esperar nada menos do que isso, mesmo que o menos que isso seja bom – é passar de Billy Wilder pra Sydney Pollack, afinal.

Nesse dia 28 de fevereiro de 2018, com casa quase cheia (talvez uns 70% da lotação, o que tornou a aventura bem confortável), o Primal Scream veio na sua versão raquítica, um “Sabrina 1995”, sem o charme e a força de antes.

A baixista Simone Butler foi acometida de uma forte gripe, ainda na perna australiana da turnê, semana passada, e não pôde vir ao Brasil. Ela já havia perdido dois shows na Nova Zelândia (um deles chegou a ser adiado) e o Primal Scream levou na brincadeira, criando a manequim Roxy que ficava no palco segurando o baixo. No Brasil, nem esse chiste teve.

Piadas à parte, o caso é que mesmo com baixo, há uma diferença no Primal Scream que veio na turnê comemorativa do “Screamadelica”, em 2011. Uma banda cheia, com vocais femininos de apoio, baixo e metais, transformando seu rock vibrante, dançante, sacolejante e hipnótico bem mais próximo do que foi eternizado nos discos.

A versão atual da banda, ainda mais sem baixo, nem chega a ser um power rock como muitas das suas criações também se eternizaram em alguns discos. Bobby Gillespie (nos vocais e meia-lua), Andrew Innes (o bom guitarrista, que tentava segurar a onda), Martin Duffy (teclas e bases pré-gravadas) e Darrin Mooney (o baterista mais truncado do que com ginga) fizeram o que podiam pra reconstruir todas as partes das canções apresentadas.

Só que, não, não foi possível escapar da comparação. Esse Primal Scream que vimos no Tropical Butantã foi um Primal Scream raquítico (embora não apático), sem força, manco, faltando algo. Sua música precisa de peso e grave tanto quanto o texto de Samuel A. Taylor precisa de charme e elegância no trato como fez Billy Wilder.

A versão de “Slip Inside This House” (do 13th Floor Elevators), imortalizada no “Screamadelica”, abriu o show e é um bom exemplo disso. Ficou com uma enorme e estranha lacuna. O mesmo vale pra “Higher Than The Sun”, “Loaded”, “Shoot Speed/Kill Light” e pra espetacular “Kill All Hippies” (as duas últimas, do “Xtrmntr”).

Por outro lado, as músicas que dependem mais de guitarra e da performance amalucada de Gillespie, como “Can’t Go Back”, “Swastika Eyes” e “Country Girl”, se deram muito bem, o mesmo valendo pra únicas duas do fraco disco novo, “Chaosmosis” (2016), “Trippin’ On Your Love” (uma das melhores do show) e “100% Or Nothing”.

A melhor parte da apresentação acabou ficando pro bis. “I’m Losing More Than I’ll Ever Have”, uma das melhores da carreira da banda, e “Come Together” (nas duas versões, a do álbum e a do single que mudou a história do Primal Scream) são as salvadoras da noite, com direito a coro prolongado da plateia. “Movin’ On Up”, porém, volta a jogar água gelada na audiência.

Talvez quem tenha visto pela primeira vez a banda ao vivo, pela simbologia, possa ter se divertido. Só que além de tudo, o som estava baixo e sem peso (não vou nem colocar na conta o fato de a cerveja ter acabado!). Entretanto, sem a força de uma banda cheia, o Primal Scream pareceu mesmo foi uma versão desgastada dele mesmo.

“I’m Losing More Than I’ll Ever Have” (vídeo por Cristiano Souza):

01. Slip Inside This House
02. Jailbird
03. Can’t Go Back
04. Shoot Speed/Kill Light
05. Kill All Hippies
06. Trippin’ On Your Love
07. Higher Than the Sun
08. (I’m Gonna) Cry Myself Blind
09. 100% Or Nothing
10. Swastika Eyes
11. Loaded
12. Country Girl
13. Rocks

BIS
14. I’m Losing More Than I’ll Ever Have
15. Come Together (versão álbum) / Come Together (versão single)
16. Movin’ On Up

Veja “Come Together” (vídeo por Cristiano Souza)

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