RESENHA: CADU TENÓRIO – ISEKAI

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Pouco mais de nove minutos se abateram como um receptáculo de refração de uma percepção externa que se transforma numa espécie de fluxo interno. Essa é a abertura “燕返し”. Essa faixa, como as outras sete, não sacia uma completude, pois ela mesma parece querer estender uma incompreensão que chega de um jeito e termina de outro, sendo modulada pelos sons que reconfiguram barulhos e cheiros. O sentido de busca que atravessa as músicas reconfigura essa extensão de incompletude como uma tentativa de compreender esse universo externo que se internaliza e é espirrado subjetivamente pra fora, catalogando uma relação complicada de modificação contínua enquanto se vive e enquanto se busca algo.

“Isekai” apresenta uma tentativa constante de refutar o engano e uma certeza estagnados. Ao invés disso, se concentra na exploração simultânea de caminhos bifurcados, colhendo sons e perseguindo a melhor forma de eles atravessarem um espírito mais significativo no mundo que se divisa.

As faixas se demoram porque elas percebem as figuras como coisas estagnadas e tentam tirar delas uma experiência sensorial possível, erradicando o culto das imagens ao negá-las a essência dos objetos que representam. “Pássaros Em Painéis Não cantam, Orquídeas Pintadas Não Exalam Perfume” começa com sons pálidos que, a medida que avançam, desenham-se reluzentes, quase cristalinos, ainda que invadidos por um segundo plano de ruídos e distorção. Alguns sons estão tão dramaticamente próximos que apresentam uma batalha fluída da qual muito provavelmente não se sairá machucado.

Os sons refratados são tão delicados e sentimentais que poderiam ser seus, poderiam apresentar o cheiro das flores próximas, o odor do esgoto de sua rua, o barulho interminável do centro de sua cidade, os carros velhos que passam com seu motor alto, as ficções que você fabrica todo dia – essa busca de uma meta-realidade pra retornar à realidade mais consciencioso de suas profundidades mecânicas, como um entendimento da funcionalidade de tudo, ainda que tal essência se afaste mais e mais. Isto que é evocado, a sensação cotidiana do engano ao perceber imagens e ações como elementos fundamentais e determinantes da realidade que se instala.

Os objetos estariam mortos se dependessem de sua aparência no mundo e é só percebendo essa ausência, essa falha canônica, que podem ser experimentados como uma relação conjunta de busca de sentido. Lá pelo momento que “You See, I’ve Walked In Darkness For A Very Long Time, A Person Can Grow Accustomed To Anything” toca, somos lembrados da áurea individual que configura cada relação no mundo, de como as reminiscências de certas experiências permanecem e podem fundar outras sensações em outras relações temporais.

Cada faixa desaparece como todas as representações também somem, mas não sem deixarem um resto, um pouco de sua organicidade pra perdurar na relação com os objetos passados ou vindouros, constantemente reconfigurando o que se entende por universo.

Mesmo tendo uma linearidade relativamente mais perceptível, Cadu Tenório ainda escolhe desbotar o som de sua nitidez absoluta pra lembrar que cada momento é atravessado por outro, que o “aqui e o agora” é só uma percepção meramente ilusória, pois sempre se carrega muito do que foi e muito do que vai ser em cada instante que brota.

A recusa ao clímax nasce justamente daí, de valorizar cada transição e resíduo sonoro como uma verdade potente e passível de apreensão, ainda que incompleta. Parece que elas poderiam durar pra sempre, porque não há um fim pretendido aqui. É um universo em contínua expansão e redução, sempre transformando-se na medida em que se abandona certas migalhas de percepções que vão continuamente cedendo espaço pra uma constante reconfiguração externa e interna, ambas em uníssono.

1. 燕返し
2. The Samurai Who Smells Of Sunflowers
3. Buscai O Tronco
4. Pássaros Em Painéis Não Cantam, Orquídeas Pintadas Não Exalam Perfume
5. I think That Every Day The Sun Rises, It May Be The Last Time I Bask In The Sun.
6. We Always Return To Where We’re Meant To Be (Déjà Vu)
7. Não Vos Enganeis Colhendo Folhas, Perseguindo Galhos
8. You See, I’ve Walked In Darkness For A Very Long Time, A Person Can Grow Accustomed To Anything

NOTA: 9,0
Lançamento: 13 de dezembro de 2019
Duração: 53 minutos e 05 segundos
Selo: Blue Tapes
Produção: Cadu Tenório

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