RESENHA: CLAN DOS MORTOS CICATRIZ – CLAN DOS MORTOS CICATRIZ

Se o silêncio diz mais, como é afirmado em “Poucas Coisas Escritas”, a faixa de abertura, por que ainda assim continuar fazendo música (e uma música pesada, que soa muito alto) pra reverenciar o silêncio?

Parece que o debate (ou ofensas propriamente ditas) sobre a palavra e sua (im)potência é o tema centralizado que propulsiona o Clan Dos Mortos Cicatriz, banda de Curitiba com dois integrantes da essencial Concreto Morto, em um terreno de pouquíssimas convicções – e as poucas que restam são rapidamente esfaceladas neste “eu próprio” fracassado que o disco sugere. O tempo só passa pros outros e somos corroídos por uma sensação constante de andar à margem – de nos esfacelarmos também enquanto a vida propriamente dita transita do outro lado (cujo acesso nos foi vedado).

Parece que toda conjunção do disco (um hardcore punk em sua essência primária, digamos assim) converge na própria dispersão do elemento “si mesmo”. Mas se esta dispersão é um “a priori” do ser, é inevitável que o eu-lírico do disco reflita este autoconhecimento (ou a noção do nada que reside nele) pra com os outros e que todas relações estejam contaminadas por um fracasso que parece lhe perseguir onde quer que ele vá. As coisas quietas ao redor são a morte e elas são a única conclusão possível pra alguém tão errante, tão afundado em disfunções solitárias. Quando os próprios objetos inofensivos tornam o ambiente ao teu redor numa imersão em que nada que possa acontecer é suficientemente justificável a ponto de deixar de permanecer inerte. E neste ponto que os objetos representam planejamentos não concretizados, o silêncio te consome e a palavra não vale mais nada. Correr não vale mais nada.

“Apressar o esquecimento” ressoa como uma tentativa desesperada dum final previsto. De novo, “as coisas não ditas” irrompem e assomam-se consumindo em ansiedade, em olhar os símbolos desgastados de um lar preenchido pela ausência (de si mesmo ou outrem).

Quando o próprio ato de “correr” se mostra nulo, parece que todos os atos convergem no mesmo ponto vazio onisciente. Retrata-se alguém que sente-se sujo perante os membros “normais” da função social comum. Estamos não apenas alheios ao básico, mas obtuso a qualquer coisa que não seja um cinismo introspectivo, socialmente suicida.

Em “Você Tem Todas As Unhas E Todos Os Dentes (Edevaldo)”, é mostrado um diálogo direto, em que as guitarras ambientam a degradação final antecipada em todo o disco. A degradação final é o símbolo do outro completo – que tem “todas as unhas e todos os dentes”. Espantado frente à normalidade, frente à facilidade do acesso ao dito “comum”, o indivíduo sente-se arranhado e mordido, contaminado com símbolos da decência.

É um estado incompleto que parece deveras distante de qualquer tipo de acesso.

1. Poucas Coisas Escritas
2. Eu Jejuo (Cãos cover – ouça a original aqui)
3. Desgaste
4. Palma Lisa
5. Armas Quietas
6. Sentido-Motivo
7. Mofo
8. Diário De Um Velho Louco
9. Você Tem Todas As Unhas E Todos Os Dentes (Edevaldo)

NOTA: 7,5
Lançamento: 8 de janeiro de 2017
Duração: 14 minutos e 55 segundos
Selo: Independente
Produção: Michael Wilseque

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