RESENHA: VALCIÃN CALIXTO – FODA!

Valciãn Calixto, ao intitular seu disco de “Foda!”, abre espaço pra múltiplas interpretações. É verdade que suas músicas tratam mais do que sobre escolhas individuais (e elas estão carregadas disso), estas abordam como o ser é inserido na História (e aqui são várias histórias esnobadas pelo “panteão” da música popular brasileira, conceito esse que, verdade, parece cada vez mais dissolvido e reservado às reverências saudosistas de “formadores de opinião”). A obsessão do músico, parece, é em narrar vivências decaídas que formam a ramificação brutalizada do Brasil contemporâneo.

Pra além de um debochado cinismo, a música do piauiense Calixto avança pra múltiplos terrenos de gênero envolvendo narrativas tão desconfortantes como a sonoridade compulsiva. O que não tira certa ambientação que praticamente toda música traz, envolvendo repulsa distorcida e ritmos dançantes. Ele canta, soltando a voz numa bela melodia em “Marcha-Ranço”, que vai “ficar só” e “percorrer suas teimosias”. Ele pode falar sobre a catástrofe, sobre pensar e sumir e não ter pra onde ir, restando apenas a morte. Embora tenha todo um clima narrativo de contar outras histórias, questões íntimas ficam expostas, como por exemplo a decepção do cantor em ninguém “debater temas como suicídio”.

A confissão fica exacerbada em músicas como “Teoria Do Abacaxi”, que começa com poderosos sintetizadores abrindo pro poderoso vocal de Valciãn que parte de seus defeitos pra elaborar sua teoria de como as pessoas são parecidas com abacaxi. A visão de Calixto pode parecer apenas sarcástica às vezes, mas enquanto vamos avançando no álbum e com repetidas ouvidas, pode-se afirmar que por trás de todos os temas e elementos árduos que figuram na obra, existe as pessoas (e Calixto nunca se afirma um outsider) que tentam seu melhor, apesar da acidez que aparentemente se transformou no modus operandi contemporâneo. A única submissão do músico é ao seu dom de observador e narrador, sua confissão na dificuldade dizer adeus às pessoas mais próximas. Ouvir um álbum como “Foda!” torna intrigante de como esses temas tão bem explorados por Valciãn são simplesmente descartados pela maioria dos artistas.

Avançar no álbum é estar disposto a andar pelos lugares em uma cidade adormecida, que curiosamente revela seus maiores segredos quando todas as pessoas sãs descansam pra outro dia. O vocabulário extenso de Calixto surge intensamente, as vozes gravadas destacam o realismo e então são demonstradas histórias extremamente concretas e viscerais – como “Rupy”, em que um tema como a menstruação é tratado de forma aguçada, sem perda de bom humor.

O flerte com a literatura não é escondido em momento algum (inclusive Valciãn Calixto é autor de um livro de poemas) e é numa união intensa entre palavra e som que reside os elementos de combate do músico. “Foi com estas personagens que aprendi a nunca entregar os pontos”, ele afirma. E o contexto sociopolítico, ao contrário dos debates ultramodernos vigentes principalmente na Internet, organiza uma esfera absurda de personagens agonizantes, fortes, fracos, frustrados, literalmente espancados por ex-namorados, que sofreram pedofilia, solitários, potenciais suicidas, doces, ácidos, abandonados, menstruados, loucos e artistas.

Por tudo que foi citado, a estética de “Foda!” é imprescindível pra narrar o contemporâneo, especialmente o brasileiro, mergulhando em sua profundidade e superficialidade, lidando com seus discursos ambíguos. Valciãn Calixto nunca poderia ser panfletário porque sua arte mergulha na complexidade humana pra narrar como forma de enfrentamento de todos os autoritarismos vigentes.

01. Agarrado À Minha Frustração
02. Cerimonialista (clique aqui pra ver o vídeo)
03. Sobre Meninas E Porcos (part. – Eryka Alcântara)
04. Marcha – Ranço
05. Pathos
06. Teoria Do Abacaxi
07. Engomando A Calça Com Ednardo
08. Rupy
09. Núcleos De Um Romance Engavetado (part. Agostinho Torres, João Pedro, Ronnyel Seed, Heitor Matos e Joniel Santos)
10. As Incursões De Marco Polo Pelo Interior Do Piauhy

NOTA: 7,5
Lançamento: 23 de março de 2016
Duração: 46 minutos e 54 segundos
Selo: Independente
Produção: Valciãn Calixto

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