RIDE NO BALACLAVA FEST – COMO FOI

“Eu costumo chorar no meio de ‘Twisterella'”, avisou um amigo.

Tinha gente interessada nas bandas que tocaram antes do Ride, atração principal do Balaclava Fest, sábado, 27 de abril de 2019. Mas quem ardia de ansiedade mesmo eram homens e mulheres, a maioria acima dos 35 anos, que esperaram o quarteto de Oxford, Inglaterra, por quase toda uma vida – “Nowhere”, disco de estreia, é de 1990; o segundo,” Going Blank Again”, é de 92. E, no fundo, o Balaclava do último fim de semana abril de 2019 foi feito pra “classe de 1990”, pra esse amigo e outros que iam chorar ou segurar o choro com o headline. Mesmo com Wild Nothing, Land Of Talk, How To Dress Well, Luiza Lian, Terno Rei e Vagabond no line-up. Ninguém traz uma banda como o Ride impunemente. Vai reunir quem chore no meio de “Twisterella” (ainda que meio debilitado pelo álcool), ou quem não se importaria de ouvir a banda tocar “Vapour Trail” três vezes.

A banda não fez isso. Subiu ao palco do confortável Audio Club, na zona oeste de São Paulo, com poucos minutos de atraso e começou com “Future Love”, primeiro single do disco This Is Not A Safe Place (escute aqui), com lançamento marcado pra agosto, e “Lannoy Point”, de “Weather Diaries”, primeiro pós-retorno, de 2017.

Mark Gardener perdeu os cabelos e o ar de adolescente do início dos anos 90, ganhou peso e gravou parte da trilha do documentário “Upside Down, the Creation Records Story” (2010), sobre o selo Creation, que ele ajudou a botar na história do pop; Andy Bell passou um bom tempo como baixista do Oasis até que os irmãos Gallagher decidiram estragar tudo; Loz Colbert acompanhou o Jesus And Mary Chain na tour em que a banda comemorou os trinta anos do clássico “Psychocandy” e, um dos melhores bateristas do rock inglês, é uma espécie de Keith Moon bem comportado; Steve Querald passou todo esse tempo distante da música, e talvez isso explique a ausência quase total de cabelos brancos. Juntos sobre o palco, instrumentos em punho, parece que o tempo não passou.

O Ride era a banda pronta pra ganhar o mercado norte-americano (e o mundo a seguir) em 1990, disse Seymour Stein, criador da Sire Records, subsidiária da Warner, da qual chegou era um dos cabeças, em “Upside Down”. Das bandas que apostavam na destruição pelas guitarras do shoegaze no Reino Unido, é a que melhor se aproximou do pop sem abrir mão de convicções estéticas evidentes – distorções e delays entre elas. Por isso, pra Stein, era a banda pronta. Até chegar o Nirvana no ano seguinte e virar tudo de pernas pro ar.

O show de sábado, baseado sobretudo em “Nowhere” e “Going Blank Again”, os dois primeiros, deixou isso claro. A sequência “Seagull”, “Dreams Burn Down” e “Twisterella” fez trintões/quarentões se renderem (eu tenho 42).

Seguraram a onda dos mais nostálgicos com “Charm Assault”, outra de 2017, e engataram “In a Difference Place”, “Chrome Waves”, “Taste”, “Vapour Trail” (“o arrepio que eu senti nessa, só no gol do Guerrero contra o Chelsea”, ouvi de outro) e “Drive Blind”. Não é qualquer banda que tem duas sequências como essas, registradas dos dois primeiros discos. Stein estava certo, mas um tal Kurt tinha pressa.

No bis, “Leave Them All Behind”, “Polar Bear” e “Chelsea Girl”, essa última, do primeiro EP. O suficiente pra botar corações de meia idade de joelhos. Mas a banda queria mais.

“Hey, comeback, comeback”, soltou Andy Bell no microfone. É que o público estava literalmente indo embora quando os quatro decidiram por mais um bis. Com “Catch You Dreaming”, do EP “Tomorrow’s Shore”, do ano passado, e o estrondo etéreo “Like A Daydream”, do segundo EP, também de 1990.

Uma resenha sobre o primeiro show do Dinosaur Jr no Brasil, em setembro de 2010, dizia que a banda fez caras de 30anos se comportarem como moleques de 15, tamanha a catarse que fez uma plateia virar uma avalanche de gente, empurrões, saltos e crowd surfing provocadas pelo trio de Boston. O Ride não chegou a tanto, até porque são abordagens diferentes. Mas a resposta do público aos clássicos executados de jeito elegante (o som embolou de leve no começo, aprumou logo no primeiro terço do show e o volume foi subindo ao longo da apresentação, bendito sejam!), com gritos, socos no ar e vozes cantando boa parte das letras, emocionou os quatro integrantes. A banda se deu ao luxo de deixar de fora faixas do “Carnival Of Light” (1994) e do “Tarantula” (1996).

Gardener, empolgado, agradeceu diversas vezes, disse ter adorado São Paulo e que se mudaria pra cidade na semana que vem. “Esperamos ver vocês de novo em breve”, desejou com ar de promessa.

Antes deles, o Wild Nothing excitou a parte aparentemente mais jovem do público. Mas o show foi morno. Entre eles e o Ride, o telão do palco, atrás da bateria e dos amplificadores, exibiu o show que o ABC Love (ou A Band Called Love), do mascarado misterioso Gevard, fazia do lado de fora. Talvez num outro momento a provocação fizesse sentido. Pra ocasião, um show num telão pra quem estava há horas à espera do Ride, um porre.

A cerveja cara e a demora do único trailer de comida no local pra entregar hambúrgueres (“faz o pedido, assiste um show e depois vai pegar a comida” era a dica que corria entre o público) parece que não incomodaram quem esperou décadas por aquela noite. Havia ingresso na bilheteria e a compra era sem fila. Da Creation, a produtora que dá nome ao festival já trouxe o Swervedriver e o Slowdive, além do Ride. Resta o My Bloody Valentine…

Gardner foi fotografado em algum boteco da Rua Augusta na madrugada após o show. No domingo, o Ride todo foi ao Allianz Park ver Palmeiras x Fortaleza. A mente e as lágrimas dos apaixonados que foram ao show estavam ali no festival ainda. E ficarão por um bom tempo.

01. Future Love
02. Lannoy Point
03. Seagull
04. Dreams Burn Down
05. Twisterella
06. Charm Assault
07. In A Different Place
08. Chrome Waves
09. Taste
10. Vapour Trail
11. Drive Blind
12. Kill Switch

BIS 1
13. Leave Them All Behind
14. Polar Bear
15. Chelsea Girl

BIS 2
16. Catch You Dreaming
17. Like A Daydream

Crédito das fotos (tiradas das redes sociais da banda): Fernando Yokoto

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