SPIRITUALIZED NA AUDIO CLUB – COMO FOI

Pouca coisa é mais emocionante do que ouvir um coral gospel. E pouca coisa é mais bonita do que um quarteto de cordas. Junte os dois pra executar algumas das mais belas canções de um dos mais criativos músicos e temos um dos momentos mais delicadamente exuberantes do ano – e, como se vê, superlativos.

Jason Pierce, o cara que criou em 1982, junto com Peter Kember (o Sonic Boom), a banda preferida da psicodelia moderna, o Spacemen 3, e era conhecido como J. Spaceman, articulou-se pós Spacemen 3 como Spiritualized, tomando um caminho mais palatável que Kember. Nessa nova roupagem, mostrou-se mais criativo e articulado musicalmente.

Enquanto Kember seguia fritando cérebros com seus geniais Spectrum e Experimental Audio Research, mas atingindo só iniciados, Pierce diversificou e foi buscar na beleza das raízes negras a base pra nutrir seu processo criativo. Era uma mistura que já se ouvia bastante no Spacemen 3 e que foi aflorado de maneira mais pop no Spiritualized.

Ateu declarado, Pierce vê nos cânticos religiosos uma beleza que ajuda nos superlativos que abrem este texto – foi o que lhe cativou no ambiente evangélico. Pra ressaltar essa beleza, Pierce elimina todos os excessos que ajudaram a criar seu nome (principalmente a distorção) e oferece a melodia. Sim, há belas melodias por trás da “muralha de noise” que o Spacemen 3 e Spiritualized oferecem.

Os fãs já sabiam disso, mas o projeto “Acoustic Mainlines” que Pierce bolou radicaliza a ideia. E a superlativiza. Apenas ele ao violão, Tony Doggen Foster no órgão, e um quarteto de cordas e um coral de quatro mulheres executando canções do Spiritualized e do Spacemen 3.

E em palcos brasileiros, em 2014, o resultado disso foi o que de mais bonito se viu.

Embora os fãs puristas de ambas as bandas de Pierce possam torcer o nariz pra amaciada que o artista deu nas músicas (onde já se viu tirar aquela distorção?), o preconceito deles mesmos pode ter desmoronado logo na primeira canção, “Sitting On Fire”, do disco “Songs In A&E”, de 2008.

Pierce não se dirige à plateia. Ele, entre as canções, apenas aplaude e reverencia o quarteto de cordas e as mulheres do coral, as oito brasileiras (ele usou argentinas e chilenas nos respectivos países desta turnê). Quem o conhece sabe que é assim: nada de “olá, São Paulo!” ou “vamos lá, galera!”, o que tem que cativar o público é a música. E, nesse caso, num clima ecumênico, a banda executa as canções esperando como reciprocidade do público apenas a admiração, a reflexão e a entrega íntima.

Nem todos respeitam. Há muita conversa paralela. Como o som que sai das caixas é encorpado por silêncios, ele se torna mais baixo. O zumzumzum dos desrespeitosos incomoda.

Mas a cover de “True Love Will Find You In The End”, de Daniel Johnston, a beleza de “Cool Waves”, a acidez de “Amen” (com seu refrão provocativo) e a imbatível (um das melhores músicas de todos os tempos) “Walking With Jesus”, as duas últimas bem conhecidas do repertório do Spacemen 3, cessaram os bate-papos paralelos (pelo menos onde eu estava).

O ponto alto pra maioria da plateia esteve na execução de “Anything More” e “Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space”, quando o coral emendou também “Can’t Help Falling In Love”, famosa na voz de Elvis Presley.

Mas, talvez, pro fã do Spacemen 3/Spiritualized, esse ponto alto esteve na ateia “Lord Can You Hear Me?” (também do Spacemen 3), que duvida da onipresença de um senhor todo-poderoso e que ganhou uma interpretação mais exuberante que em estúdio.

No bis, em “I Think I’m In Love”, o coral interpretou a letra em português, e a plateia deu seu show, acompanhando com palmas a derradeira “Goodnight Goodnight”, o que emocionou os músicos.

O ponto negativo, mais uma vez, ficou por conta do desrespeito da casa e da organização. Começar um show de uma hora e meia às 23:35h, em plena quinta-feira, numa cidade que não tem transporte público após a meia-noite, é como dar um tapa na cara da lógica e em cada um dos clientes/fãs que comparam ingressos. É chamar de trouxas, de otários, todos que pagaram ingresso. Vale lembrar que era um evento patrocinado por uma marca de cerveja. De cerveja! Cerveja, você sabe, é aquele líquido que a lei e o bom senso não permitem ingerir e depois dirigir… Além do preço salgado (R$ 80,00 a meia entrada), era preciso, pois, computar o valor do táxi na volta pra casa. Lamentável.

Mas as pouco menos de quinhentas pessoas (menos da metade da lotação local) que enfrentaram o frio e o desrespeito dos organizadores pra ver essa versão mais leve das obras de Pierce podem superlativar a experiência aos amigos o quanto quiserem. Não será exagero. Nenhuma elogio será exagerado. A música eleva, é o próprio deus.

01. Sitting on Fire
02. Lord Let It Rain On Me
03. True Love Will Find You In The End (Daniel Johnston cover)
04. Cool Waves
05. Amen (Spacemen 3 cover)
06. Soul On Fire
07. Walkin’ With Jesus (Spacemen 3 cover)
08. Feel So Sad
09. Going Down Slow
10. Stop Your Crying
11. Anything More
12. Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space
13. Broken Heart
14. Lord Can You Hear Me? (Spacemen 3 cover)

BIS
15. Too Late
16. I Think I’m In Love
17. Goodnight Goodnight

Veja “Sitting On Fire”:

Fotos: André Yamagami

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