25 ANOS DA MORTE DE KURT COBAIN: O QUE OS JORNAIS DA ÉPOCA DISSERAM

Em 5 de abril de 1994, Kurt Cobain se matou em sua casa em Seattle, nos Esteites. Ele tinha 27 anos. Seu corpo foi achado três dias depois por um eletricista, que acionou as autoridades. É por esse motivo que os jornais e televisões do mundo inteiro só foram dar a chocante notícia a partir de 8 de abril (os impressos, em 9 de abril).

No dia 8 de abril, na sua “Ilustrada”, a Folha de São Paulo anunciava a possível dissolução do Nirvana: “a separação foi motivada pelo envolvimento do vocalista Kurt Cobain com drogas, mas não é definitiva”. Quando o jornal chegou às bancas naquela manhã, o corpo do músico ainda não havia sido encontrado. Mas não demorou e as redes de televisão já davam a notícia. Em tempos de pré-Internet, sem redes sociais, a morte foi sendo anunciada e digerida bem lentamente. Era como as coisas funcionavam no século passado.

O plantão de MTV estadunidense de 8 de abril, chegou com um tom frio jornalístico, com o âncora lendo que “o líder de uma das bandas mais talentosas e promissoras, o Nirvana, está morto. Esta é a história que sabemos até o momento: o corpo de Cobain foi encontrado em sua casa em Seattle na sexta-feira (8/4) de manhã, morto aparentemente com um tiro dado por ele mesmo na cabeça. A polícia encontrou o que acredita-se ser uma nota suicida no local, mas ainda não divulgou seu conteúdo. Cobain, de 27 anos, foi dado como desaparecido por seis dias, de acordo com sua mãe. O Los Angeles Times publicou na última quarta-feira (6/4) que o Nirvana estava se separando e que Cobain planejava submeter-se a uma reabilitação de drogas”.

Uma atitude de Gary Smith, o eletricista, dá a medida de como funciona a cabeça das pessoas diante de um fato espetaculoso como esse: antes de ligar pras autoridades, ele ligou pra uma rádio local e deu a notícia. Se tivesse em mãos um celular moderno como os de hoje, sabe-se lá o que poderia fazer, quais imagens teríamos hoje.

O vídeo da MTV tem cerca de trinta minutos e desenrola uma cobertura padrão em casos como esse:

A mesma Folha de São Paulo foi noticiar a morte do músico na edição de sábado, 9 de abril, no caderno “Cotidiano”. “Líder do Nirvana se mata aos 27”, dizia o título, seguido por “Kurt Cobain foi achado morto ontem com um tiro na cabeça e uma nota com a frase ‘eu te amo'”. O jornal ainda ressaltou uma frase da mãe do artista: “agora ele vai se juntar ao clube dos estúpidos”, referindo-se a Jimi Hendrix e Jim Morrison.

O Estado de São Paulo trouxe na capa, com certo destaque, a informação: “Guitarrista do Nirvana, Kurt Cobain, se mata”. No caderno “Geral”, página 13, matéria de meia página: “Líder do grupo Nirvana se suicida em Seattle”. A foto mostra o corpo sendo retirado da casa.

O Jornal do Brasil também colocou a notícia na capa, numa pequena nota na mesma coluna da previsão do tempo: “Líder do Nirvana se mata com tiro”. No caderno “Internacional”, ao lado da matéria sobre a queda do primeiro-ministro japonês, Morihiro Hosokawa, por corrupção, e, curiosamente, ao lado de uma nota sobre o suicídio de um “fiel assessor” de (François) Mitterrand (presidente francês à época), lá estava a foto de um sorridente Kurt Cobain fumando um cigarro, com o mesmo título seco usado na capa daquela edição.

A rádio 89FM e a Brasil 2000, ambas de São Paulo, noticiaram o fato assim:

Havia pouquíssima informação naqueles dias 8, 9 e 10 de abril. Era um final de semana. O Brasil enfrentava uma hiperinflação (os últimos meses de hiperinflação – só no mês de março chegou a 42,68% e o acumulado de abril de 1993 a abril de 1994 era de 3.828,49%), havia a expectativa de mais uma Copa do Mundo e uma nova eleição pra presidente, a segunda após a redemocratização e a primeira após o fiasco de Fernando Collor. Em outras palavras, assuntos bem mais importantes estavam na mesa.

Mas Kurt Cobain era um ídolo da juventude, especialmente num país que havia acabado de abraçar a marca MTV e os grandes festivais. O próprio Nirvana foi comemorado na sua (desastrosa e já clássica) apresentação no Hollywood Rock (veja mais aqui) de 1993. De repente, um jovem anti-capitalista, viciado e completo porra-louca estava na Rede Globo, ao vivo, completamente chapado, cuspindo na câmera e mostrando seu órgão genital. Não era algo que se presenciava sempre.

Com a morte de Cobain, os jornais da Rede Globo, a maior emissora do país, a mesma que manipulara a eleição pra Collor vencer Lula em 1989, que atuara sem escrúpulos na instauração da ditadura militar de 1964-1985, dedicou três minutos pra falar do suicídio de Cobain e o impacto do Nirvana.

Dez anos depois, o “Fantástico”, um dos principais programas-família da emissora, recordou como foi a passagem da banda pelo Brasil:

A relação com as drogas e a depressão, que João Gordo e Alê Briganti, ficam claras quando o Jornal da Tarde da emissora SIC, de Portugal, anunciou a morte:

As capas das duas maiores publicações de música jovem inglesas, a New Music Express e a Melody Maker, foram bem respeitosas:

A capa do The Daily World, o principal jornal de Aberdeen, cidade natal de Cobain, estampou a manchete “o dia em que música morreu”. A Rolling Stone seguiu o padrão que sempre utiliza quando morre uma celebridade marcante da música (e que também foi utilizada pelas dois semanários ingleses), assim como a Kerrang!, a Spin e tantas outras publicações:

Fora do universo da música, o suicídio do cantor teve grande repercussão também. A Newsweek questiona “por que as pessoas se matam?”. A Entertainment Weekly coloca uma foto angelical de Cobain e uma chamada mais sensacionalista. Já a Time pareceu não se importar muito com a falta de sensibilidade daquelas armas na cara do fumante e apenas uma tira transversal anunciando o “legado do poeta do punk”:

Quando a morte dele fez vinte anos, o G1 (da mesma Globo) lembrou de algo inusitado: “Sem saber da morte de Kurt, Nirvana cancelou show no Lolla há 20 anos – Banda estrelaria evento; desistência foi noticiada em 6 de abril de 1994. Kurt morreu dia 5 e corpo foi achado dia 8; Lolla SP (de 2014) deve ter homenagens”.

A abertura da matéria diz que “o cancelamento do show do Nirvana no Lollapalooza 1994, nos EUA, foi a última notícia relevante sobre o Nirvana antes da descoberta do corpo de Kurt Cobain em Seattle, no dia 8 de abril. Exames póstumos indicaram que ele se matou no dia 5 de abril, há exatos 20 anos. Ele havia fugido de uma clínica de reabilitação e estava sozinho em casa. Enquanto a tragédia não era descoberta, o jornal ‘Los Angeles Times’ noticiou, no dia 6 de abril, a desistência da banda de ir ao festival. Segundo a ‘Billboard’, o Lolla confirmou o cancelamento no dia 7. Só um dia depois o corpo foi achado. Até então, ninguém sabia que Kurt estava morto. Nos anos 90, o festival era uma turnê pelos EUA. O evento ficou associado ao grunge, mas o Nirvana, mais conhecido nome do estilo, acabou nunca participando. Em agosto de 1994, durante o Lollapalooza na Filadélfia, a viúva, Courtney Love, cantou com os Smashing Pumpkins e pediu um minuto de silêncio por Kurt. Antes, cantou ‘Miss World’ e mudou o último verso: ‘Por quê você tinha que morrer?'”.

Parecia “inevitável”, porém. “Última música da banda fala de suicídio”, estampa a matéria interna da Folha de São Paulo de 9 de abril de 1994. “A canção ‘I Hate Myself And I Want To Die’ era o título inicial do quarto disco do Nirvana, ‘In Utero'”.

O sucesso não fazia parte do roteiro de Kurt Coobain: “não entendo essa gente querendo me pegar, me olhar, me assistir o tempo todo. Eu estou de saco cheio. Vou mudar de profissão, não vou aguentar isso a vida inteira”, ele disse em entrevista ao jornal, em 16 de janeiro de 1993.

Naquele dia 5 de abril ele fez exatamente o que sugere a canção de Neil Young citada em sua carta suicida e que indicou durante tanto tempo: “é melhor queimar do que se apagar aos poucos”.

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