30 ANOS DE NEVERMIND: COMO O ÁLBUM FOI AVALIADO EM 1991

nirvana

Neste 24 de setembro de 2021, um dos discos mais importantes da história da música pop e jovem completa trinta anos. “Nevermind”, o segundo disco do Nirvana “mudou tudo”, é o que costuma-se afirmar por aí, sem muito criatividade ou medo de errar.

Obras de arte normalmente geram impacto no momento de sua primeira apreciação, mas só mesmo sua maturação, com o tempo, é que se percebe a influência ou a importância. Tem disco que envelhece mal. Tem disco que segue ok e tem disco que melhora com o tempo. Exemplos não faltam. E “Nevermind” é um desses que décadas depois, ainda segue atual, pujante, vibrante, instigante.

Quer dizer, hoje emoldurar o trabalho com esses e outros tantos adjetivos é mole. O problema é o cidadão sentar na frente do computador (ou máquina de escrever, já que 1991) e oferecer suas impressões. Assim como disco será julgado, tais palavras também.

No caso de “Nevermind”, a unanimidade (nem toda é burra, caro Nelson) é algo notável. Todos os grandes veículos caíram de joelhos pra obra, ressaltando como o grupo conseguiu enfrentar a passagem pra uma grande gravadora (a DGC Records) com louvor.

Aqui, separamos algumas críticas originais do disco.

Na New Music Express (NME), Steve Lamacq disse que “o Nirvana faz aqui o que o Sonic Youth fez enfaticamente com ‘Goo’ no ano passado (o trabalho é de junho de 1990) – passando de indie cult pra grande gravadora sem nem mesmo soluçar. Na verdade, assim como os Sonics impressionaram e superaram as expectativas dos céticos, o Nirvana fez um LP que não só é melhor do que qualquer coisa que eles já fizeram antes, mas também será um novo ponto de referência pra futura geração pós-hardcore” (ponto pra Lamacq!).

“Pra começar, isso é uma mudança refrescante em relação à safra recente de grupos – tanto britânicos quanto americanos – que usaram o som Dinosaur Jr / Hüsker Dü como ponto de partida. O Nirvana, em vez disso, baseia-se em suas raízes no grunge Sub Pop, mas também leva pedaços de baixo e guitarras pesadas dos anos 70 e ideologia”, seguiu.

“Enquanto várias bandas grunge americanas parecem contentes em mergulhar em seus respectivos subgêneros de hardcore – embora com algum sucesso e lucidez – o Nirvana optou por sair do underground sem fugir do processo criativo. ‘Nevermind’ é um disco pra pessoas que queriam gostar do Metallica, mas não suportam a falta de melodia; enquanto, por outro lado, leva um pouco do brilho do Pixies com as músicas e dá à ideia um novo músculo. Um choque pro sistema. Faixas como a excelente ‘In Bloom’ e a melhor de todas, ‘Come As You Are’, mostram uma destreza que combina uma tensão e uma vibração descontraída e que funcionam uma na outra pra produzir algumas voltas e reviravoltas legais”.

Lamacq cita “Smells Like Teen Spirit”, o grande sucesso do álbum, recheado de outros sucessos, sem saber o que a música viraria: “‘Come As You Are’ tem algo estranho, enquanto a faixa de abertura (e o próximo single) ‘Smells Like Teen Spirit’ tem uma ‘sensação pegajosa’ inerente à sua estrutura oscilante. Em outras ocasiões, o trio se inclina para um território mais thrashier com a frenética ‘Territorial Pissings’ e o estouro estridente de ‘Breed’. Esta é a progressão natural de seu álbum de estreia ‘Bleach’ (1989), explorando diferentes caminhos. Eles são menos específicos liricamente do que o SY, às vezes irritantemente, mas ainda assim eles produzem esses humores vívidos com ‘Drain You’, ‘Polly’ e o final mais silencioso com ‘Something In The Way'”.

E termina com uma cautela que chega a impressionar: “‘Nevermind’ é o grande disco alternativo americano do outono. Mas, melhor ainda, vai durar até o ano que vem”. A NME deu nota 9, de 10, pro disco (a imagem que abre este arquivo é a mesma da edição da NME).

Na Rolling Stone gringa, Ira Robbins diz que, “apesar da angústia que os fanzines fazem cada vez que um herói do rock indie assina um contrato com uma grande gravadora, as estrelas do pós-punk, de Hüsker Dü a Soundgarden, se juntaram ao mundo corporativo sem degradar sua música. Na maioria das vezes, bandas ambiciosas agarram-se galantemente a seus princípios enquanto mergulham nas profundezas do fracasso comercial. Integridade é um fardo pesado pra quem está tentando escalar os gráficos de vendas”.

“Liderado pelo cantor e guitarrista Kurt Cobain”, ele ressalta de forma curiosa, afinal Cobain ainda não era o mega astro, “o Nirvana é o último bônus underground pra testar a tolerância do mainstream pra música alternativa. Dado o pequeno canto do gosto do público que o rock agora comanda, a versão da verdade do trio do estado de Washington é provavelmente tão confiável quanto a de qualquer um. Uma mistura dinâmica de acordes vibrantes, energia maníaca e restrição sônica, o Nirvana ergue estruturas melódicas robustas – hard rock pra cantar junto, conforme definido por grupos como Replacements, Pixies e Sonic Youth -, mas depois os ataca com gritos frenéticos e estragos na guitarra. Quando Cobain muda sua voz versátil de uma carícia tranquila pra uma fúria crua, o controle decisivo do baixista Chris Novoselic e do baterista Dave Grohl é tudo o que mantém as músicas funcionando dentro do caos. Se o Nirvana não é nada totalmente novo, ‘Nevermind’ possui as canções, caráter e espírito confiante pra ser muito mais do que uma reformulação dos sucessos de alta octanagem das rádios universitárias”.

Robbins, aqui, acerta na vei: “a estreia indistinta do ‘Nirvana’ em 1989, ‘Bleach’, contou com rifes de metal aquecidos dos anos setenta, mas o violento ‘Nevermind’ ostenta um coração pop adrenalizado e material incomparavelmente superior, capturado com clareza estrondosa pelo coprodutor Butch Vig”.

“Com erros ocasionais (e presumivelmente intencionais), a maioria das músicas – como ‘On A Plain’, ‘Come As You Are’ e ‘Territorial Pissings’ – exemplificam a habilidade da banda em inscrever sutileza em rock denso e barulhento. Nos extremos estilísticos do álbum, ‘Something In The Way” flutua com uma nuvem translúcida de violão e violoncelo, enquanto ‘Breed’ e ‘Stay Away’ correm a toda velocidade, o último terminando em um estrondo de fusão incrível. Muitas vezes, bandas underground esbanjam sua coragem em discos que não estão prontos pra fazer e, em seguida, gastam sua energia e inspiração com uma turnê difícil. ‘Nevermind’ encontra o Nirvana em uma encruzilhada – guerreiros da garagem fragmentados voltando seus olhos pra uma terra de gigantes”, encerrou.

Com poucas palavras (o espaço na revista era curto), a Spin notou que, “depois de um excelente almoço em um dia ensolarado de Nova York,’Nevermind’ está explodindo a caixinha na minha mesa e o departamento financeiro aqui nos adoráveis escritórios da SPIN provavelmente está enlouquecendo”, sem identificação do autor.

“Mas e daí? Esqueça o novo exagero duplo do Guns N ‘Roses (referindo-se a ‘Use Your Illusion’, lançado no mesmo ano, mas sete dias antes). Esqueça ‘Roll The Bones’, do Rush (lançado vinte dias antes). O Nirvana construiu este pra testar sua velocidade – velocidade com V maiúsculo – e com certeza é divertido. Um pouco punk, um pouco metal, um pouco country, um pouco rock’n’roll. O que mais você quer? ‘Nevermind’ tem um ataque de rock tradicional em ‘Territorial Pissings’, e uma bela harmônica ‘On A Plain’ e uma música muito legal chamada ‘Breed'”, afirmou.

A revista acertou pra posteridade: “de qualquer forma, eu juro que você vai cantarolar todas as músicas pelo resto da sua vida – ou pelo menos até que seu CD-fita-álbum se esgote”. De fato.

Karen Schoemer, do New York Times, chamou o Nirvana de a “banda que trata da apatia”.

“Há muitas coisas com as quais os membros do Nirvana não se importam. ‘Sunday morning is every day for all I care’, entoa o guitarrista e vocalista Kurt Cobain em ‘Lithium’, uma canção sobre um homem que se senta sozinho em seu quarto depois que sua namorada o rejeita. Cobain fecha ‘Smells Like Teen Spirit’, um estudo de apatia geracional, com a frase: ‘I found it hard, it’s hard to find, oh well, whatever, never mind’. ‘Breed’, uma canção que parece ser sobre a dificuldade de se constituir uma família, começa com as palavras ‘I don’t care’ afirmadas seis vezes, pra dar ênfase”, ela observou.

“Mais importante, o grupo não liga para as fórmulas ou convenções típicas do rock”, ela ressaltou, pra em seguida dizer que “‘Nevermind’ está acima de uma categorização fácil. Seus ritmos acelerados e rifes poderosos de três acordes vêm do punk, mas as guitarras densas e fortes são tão pesadas quanto metal; Cobain tem um rosnado ameaçador que poderia competir com os caras mais ferozes do metal, mas quando as músicas ficam mais leves, ele mostra uma voz que é adequada ao pop melódico. Às vezes, o Nirvana abre uma balada inserindo um refrão punk em grande escala ou constrói uma música com violão, baixo e sem percussão, exceto alguns batimentos de prato bem sincronizados. As canções parecem seguir um propósito interno próprio”.

“Com ‘Nevermind’, o Nirvana certamente teve sucesso em gravar um bom disco. Existem texturas intrigantes, mudanças de humor, fragmentos instrumentais e jogos de palavras inventivos suficientes pra fornecer horas de entretenimento. ‘Lounge Act’ termina com um acorde de guitarra estendido que de repente se distorce e perde a forma como um giz de cera derretendo em um radiador. ‘On a Plain’ termina com um fade-out, mas suas harmonias deliciosas de três acordes permanecem no volume máximo por alguns segundos extras. ‘Polly’, uma canção lenta e perturbadora sobre uma mulher tentando escapar de um estuprador, apresenta pouco mais do que o toque seco de um violão”.

“Como resultado, ‘Nevermind’ é mais sofisticado e cuidadosamente produzido do que qualquer coisa que bandas como Dinosaur Jr. e Mudhoney já tenham oferecido”. A resenha encerra-se com uma corajosa declaração de Novoselic: “sexismo é tão ruim quanto racismo. E somos totalmente esquerdistas. Vamos exigir a socialização da indústria da música. Os discos serão gratuitos pra todos”. Bom, hoje sabemos que isso até chegou perto de acontecer com o MP3, mas logo a indústria tratou de dar um jeito, certo, Spotify e Deezer?

A Entertainment Weekly saiu com uma resenha curta é bastante objetiva: “o problema com o rock atual das rádios universitárias é que a maioria das chamadas bandas alternativas deseja desesperadamente soar normal. Em seu segundo álbum, ‘Nevermind’, e seu primeiro pra uma grande gravadora, o trio de Seattle, Nirvana, nunca considerou essa ideia. Todos os personagens das canções do cantor e guitarrista Kurt Cobain parecem vagamente patológicos e alheios a isso. A estranha ideia de Cobain de uma canção de amor, ‘Come As You Are’, tem um refrão com ‘E eu juro que não tenho uma arma’, como se isso fosse reconfortante; em outras canções, ele murmura versos como ‘os animais que prendi tornaram-se meus animais de estimação'”.

A publicação se equivoca apenas no final: “o Nirvana pode não ter a chance de vender tantos discos quanto o Guns N ‘Roses, mas não conte a Cobain; você nunca sabe como ele vai reagir”. Bom, “Nevermind” deixou qualquer lançamento naquele ano pra trás.

A hoje cultuada revista Bizz, o farol brasileiro sobre música, chegou atrasada na onda. A resenha sobre “Nevermind” foi publicada apenas em março de 1992, quando a banda já havia vendido milhões de cópias do disco, o que orienta bem as impressões antes de escrever.

Mas a revista abre a resenha assinada por André Forastieri com uma citação de Bruce Pavitt, dono da Sub Pop, incluída na edição de junho de 1990, um ano e três meses antes: “esses caras vão nos enriquecer”.

“Mas as vendas que se danem”, começava. “A questão fundamental é, como sempre: vale a pena desembolsar aquela suada bufunfa pra comprar ‘Nevermind’?. Se você gosta de Pixies ou Damned ou Stooges ou Kinks/Who ou Gang Of Four fase ‘Entertainment’ ou Mudhoney ou rock de garagem sessentista ou qualquer tipo de rock áspero, puto e sem polimento, vale. Principalmente se você gosta de punk californiano politizado, vale a pena. Vale vale vale. Compre três, dê um pro seu amor e outro pro seu melhor amigo”.

Forastieri seguiu com uma segunda questão: “que significa a velocidade warp com que o Nirvana saiu dos cafundós do estado de Washingtom pros corações, as mentes e os toca-discos do público americano, quiçá mundial? Significa que punk’s not dead, oba! Quinze anos depois, os espertos da nova geração assumiram o punk como sua melhor representação musical. É, o Nirvana é punk, sim, punk paca – ainda que seu vocalista-letrista-guitarrista Kurt Cobain, 24, seja muito novo pra ter curtido punk na época”.

“E punk não só na avalanche animalesca de distorção e hormônios que jorra dos instrumentos. As letras também são violentíssimas, negras, radicais mesmo (sem escorregar pro niilismo burro que impera no underground americano). Falam de amor, sexo, preconceito, inteligência; estado das coisas e do sentido da vida. Confirma ‘Smells Like Teen Spirit’, sobre a apatia teen. Mas a melhor é ‘Breed’. É, segundo Cobain, sobre ‘ser de classe média, casar jovem, ter filhos, assistir TV toda noite – e detestar tudo isso’. O escritor encerra com uma frase de efeito que tem pouco efeito hoje em dia: “a década de 90 já tem seus Dead Kennedys – e, desta vez, eles estão no topo das paradas”.

O Estado de S.Paulo, da mesma maneira, fez uma matéria sobre o fenômeno apenas dois meses depois, em dezembro, com o título “Nirvana inaugura nova era pro rock”, de autoria de Marcel Plasse. Não era, entretanto, uma resenha.

“A banda foi apressadamente rotulada de novo metal, reação sintomática de uma imprensa descrente em rock. Mas Nirvana é tão headbanger quanto os Sex Pistols soariam tocando Led Zeppelin. Não há uma única passagem trash em ‘Nevermind’, mas ao menos um hardcore clássico, ‘Territorial Pissings’. Eles próprios descrevem sua música como Black Flagg (grafado assim mesmo) fazendo cover de ‘My Sharona’, hit new wave de The Knack. Na verdade, o elo perdido chama-se Hüsker Dü. O extinto trio de Minneapolis, que nos 80 inventou o hardcore melódico, é pai e tio de todo o atual underground americano, de Pixies a Dinosaur Jr”, escreveu.

Na comparação com o disco anterior, “Bleach”, Plasse diz que “‘Nevermind’ é outra história”: “Kurt Cobain sola o mínimo possível, jogando distorção de suas guitarras no último volume, enquanto Chris Novoselic demonstra ser um maníaco no baixo, acompanhando o pique do baterista Dave Grohl, o sexto martelador a se juntar à dupla. Uma rápida audição é capaz de fazer o ouvinte sair chutando o ar com vontade de mandar tudo pra 1977 de novo”.

Em outra passagem, ele segue a mesma linha do New York Times: “Cobain fala sobre a geração da apatia. Esta geração”.

Em 14 de dezembro de 1991, André Barcinski escreveu pra Folha com o jogo já jogado também – embora ele, especificamente, com seu livro “Barulho”, publicado em 1992, tenha visto tudo isso de bem perto (na capa, Cobain).

Seu texto pra Folha saiu quando o disco já havia vendo mais de um milhão e duzentas mil cópias: “o Nirvana foi subitamente elevado à categoria de superbanda. Crítica e público americano estão babando até agora. O sucesso é mais do que merecido: ‘Nevermind’ é o melhor disco do ano”.

“O que mais impressiona do LP é a sua capacidade de agradar a todos os públicos, sem apelar pra fórmulas fáceis. ‘Nevermind’ tem a dose certa de peso pra encher de alegria de fãs do Metallica, tem pitadas de hardrock, que caem como uma luva no gosto de fãs de Guns N’ Roses, e tem baladas que podem entrar na programação de qualquer rádio. ‘Smells Like Teen Spirit’ é uma das mais bem-feitas colagens pop em muitos anos, uma canção que mistura agressividade, refrão fácil e que pega no ouvido à primeira audição”, escreveu.

E acertou numa previsão que pouca gente arriscou: “outra qualidade do LP é ter vários candidatos a hit. Além de ‘Smells Like Teen Spirit’, o disco tem outras cinco ou seis que facilmente poderiam se tornar sucesso, como ‘In Bloom’, ‘Come As You Are’, ‘Breed’ e ‘Stay Away’. ‘Nevermind’ é um disco que se ouve sem pular uma faixa, das pauladas, como ‘Territorial Pissings’, às baladas, como ‘Polly'”.

Por fim, Barcinski, mais uma vez, acertou na antecipação da importância história do álbum: “‘Nevermind’ é um daqueles discos fenomenais, que só aparecem de tempos em tempos. Em 1990, os Cramps e Iggy Pop fizeram discos perfeitos (na ordem, ‘Stay Sick’ e ‘Brick My Brick’). Em 1991, foi a vez do Nirvana”.

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