A CRÍTICA MAIS DURA QUE O RADIOHEAD RECEBEU NO INÍCIO DE CARREIRA

Desde que mudou seu nome de On A Friday pra Radiohead, no começo da dácada de 1990, o Radiohead sempre esteve no radar das maiores publicações inglesas, a Melody Maker e a New Musical Express, além da BBC.

Antes disso, o grupo estava na atenção de publicações menores, como a Curfew (que agora se chama Nightshift), uma revista de Oxford, que publicou sua primeira matéria sobre um show da banda em dezembro de 1991.

“Enquanto a música do On A Friday é animada, cativante e intensa e facilmente boa o suficiente pra se sustentar, o que torna o grupo muito melhor é a voz do cantor Tom. Ele é possuidor daquela coisa rara e especial: uma voz naturalmente musical. Quantas bandas você viu arruinadas por um cantor ruim ou chato? Eu perdi a conta há muitos anos. Tom não apenas entrega suas letras; ele usa sua voz pra interagir com os outros instrumentos, quase como se fosse um deles. Isso muitas vezes dificulta a compreensão das palavras”, escreve o autor do artigo (não identificado na revista, mas que foi depois reconhecido como escrito por Ronan Munro, o criador da Curfew).

“On A Friday, longe de ser um cantor e sua banda de apoio, é um coletivo de cinco pessoas, cada uma com uma forte contribuição pra música da banda. Todos carimbam suas influências e gostos individuais na música e isso significa que o produto final não soa como qualquer outro. Tom, Phil (bateria), Colin (baixo), Ed (guitarra) e John (guitarra e teclas) encontram um terreno comum em bandas como Buzzcocks, REM, Fall e Peter Paul & Mary (isso poderia ser o fim) mas pra além disso eles passam por algo entre o Curve, o Bootsy Collins e o techno“, segue.

O texto, considerado a primeira entrevista com a banda (com Thom Yorke e Colin Grenwood), termina perguntando: “eles estão prontos pra ter sucesso?”. A resposta de Thom (grafado como Tom): “as pessoas às vezes dizem que levamos as coisas muito a sério, mas é a única maneira de você chegar a algum lugar. Não vamos nos sentar e esperar e sermos felizes se algo aparecer. Somos ambiciosos. Você tem que ser”.

Não demorou muito. Em fevereiro de 1992, a Melody Maker falou do On A Friday pela primeira vez. E começou dando um baita conselho: “Nome terrível. Bom pra banda de pub, talvez, mas inadequado pra incrível intensidade deles. On A Friday vai entre o desespero calmo e o enlouquecido. (…) Eles optaram pelo princípio rock-como-catarse, exorcizando demônios a uma alta velocidade e evitando qualquer coisa que se aproximasse da frivolidade (…) um exemplo perfeito de seus encantos maníacos-mas-melódicos, e uma indicação de grande autoconfiança. ‘Promissor’ parece ser um eufemismo”.

O primeiro EP, “Drill”, saiu em maio de 1992. Parece que a banda ouviu o conselho e o EP já saiu com o novo nome, tirado de uma canção do Talking Heads, “Radio Head” (ouça aqui). O Radiohead, porém, deve muito ao On A Friday. Foi com o nome original que a banda assinou seu contrato de seis discos com a Parlophone/EMI, graças a um encontro sortudo com Keith Wozencroft, representante da gravadora, na loja de discos onde Colin trabalhava – o baixista não pensou duas vezes ao entregar em mãos a fita demo do seu grupo.

O salto não foi tão rápido, mas o lançamento de “Creep” foi a virada de chave. A banda realmente chamou atenção a partir daí – inclusive de Israel e Marrocos, lugares por onde passou em 1993 graças ao single. Mas no final de 1992, quando a banda excursionava pelo Reino Unido, junto com a Kingmaker, parecia não ser unanimidade.

Um show em especial, naquela longa turnê, que aconteceu em 13 de novembro, no Inslinton Powerhaus, em Londres, recebeu uma dura crítica na mesma New Music Express que vinha dando uma generosa e afável atenção ao quinteto.

Escrita por Keith Cameron, a crítica ficou famosa por ser a mais azeda que a banda recebeu e que, segundo o biógrafo Mac Randall, foi crucial pros brios do Radiohead.

Foram poucas e diretas linhas: “O Radiohead não tem raiva. Apesar de muita carranca, grunhindo e, geralmente, se esgoelando, chega o final de uma música, Thom Yorke parece um pouco triste por ficar tão irritado e diz ‘obrigado’. Este é o homem que interpreta o bastardo iconoclasta, zomba ‘I’m a creep’ e então agradece a todos nós por nos incomodarmos em aparecer (…). No entanto, Thom, carismático de um jeito meio feio, é a única coisa vagamente interessante no Radiohead, uma banda que toca um power pop tímido e um pouco barulhento e, errrr, é isso. Afetado por demais – olhe, tentar não ofender demais nunca fez bem a ninguém – os cinco golpearam ferozmente em seu pequeno set (mas não muito), vagamente dissonante (oh, mas cuidado, não muito alto), moderninho (mas, ei, estamos olhando pro futuro) e mal podemos imaginar um momento decente nos quarenta minutos de show. O single ‘Creep’ é a melhor coisa, mas depois, visto que é copiado de ‘The Air That I Breathe’, dos Hollies, é muito bom que seja. Estranhamente, outra do Radiohead, ‘Faithless The Wonder Boy’ (eca!), Também espelha de perto um clássico de sacarina dos anos passados, The Everly Brothers ‘Crying In The Rain’. Apenas não tão bom”.

E encerra com a facada final: “Se eu fosse do tipo A&R (profissional de relações com artistas de uma gravadora), eu diria algo extremamente grosseiro como ‘esqueça a banda, dê ao cantor um contrato’. Como as coisas estão, no entanto, o Radiohead é uma desculpa patética pra um grupo de rock’n’roll”.

“Uma desculpa patética pra um grupo de rock”. Anos depois, em 2000, já pro Guardian, Cameron continuou não se encantando com o Radiohead, mas especificamente a resenha pra NME, uma das bíblias pra músicos, indústria e fãs, à época, rendeu um atrito entre o semanário e o grupo, que ficou um longo período sem atender a publicação.

Enquanto as linhas de Cameron se apresentaram tão rudimentares e pretensiosas quanto infantis, a reação do grupo foi rancorosa e um tanto desproporcional. O melindre persistiu inclusive quando o Radiohead já usufruía de um prestígio comercial e uma base de fãs mais parruda. A objetividade e ambição da banda não se abalaram com uma crítica – talvez a única e certamente a mais dura da sua carreira, num momento inicial, quando o abalo pode causar mais desconforto e dúvidas – até porque o grupo sempre teve a imprensa inglesa a seu favor. Uma imprensa constantemente em busca da próxima grande novidade de fato terá dificuldades em criticar.

A provável lista de músicas daquele show, que infelizmente não tem áudio disponível que comprove as palavras de Cameron, é essa:

1. Prove Yourself
2. I Can’t
3. Creep
4. Stop Whispering
5. Blow Out
6. Nothing Touches Me

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