ÁCIDAS: UM CORAÇÃO PARTIDO, UM ÁLBUM, UMA LIÇÃO

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Meu coração prega as piores peças. Depois de anos, décadas, em relacionamentos, e depois do último, que foi minha derrocada, resolvi nunca mais me apaixonar, nunca mais permitir me apaixonar. Com o passar dos anos, achei que tinha controle sobre isso. A permissão. Porque é exatamente isso que fazemos: permitirmos que nosso coração aceite a paixão de e por outra pessoa.

Sem isso, sem chance de cair nessa armadilha. É a história do quando-um-não-quer-dois-não-brigam (troque “brigam” por se “apaixonam”). Eu estava nessa, determinado a nunca mais abrir meu coração. Mas todo mundo sabe, não é bem assim que funciona, não é uma questão de controle. De repente, lá está você sonhando com a pessoa, desejando estar com a pessoa, querendo ter a pessoa ao lado, conversar com ela, transar com ela, ficar junto, passar um tempo com ela.

Pode demorar, mas você vai esbarrar com alguém que flexibilize suas intenções. Você não queria e, então, passa a pensar na possibilidade. Logo, passa permitir. Não demora e está envolvido.

Comigo aconteceu assim e aconteceu muito rápido.

Lembro que conheci a moça em um bar. Não um bar-balada, mas um bar vazio, onde se senta inadvertidamente pra tomar uma birita qualquer e deixar o tempo passar. Não houve paquera, não houve troca de olhares. Apenas uma conversa corriqueira, mas que foi nos aproximando. Nada aconteceu nesse dia. Nada. Nem trocamos telefone, nem contato, só os primeiros nomes. Nem sobrenome.

Uma semana depois, estou com amigos no mesmo bar e lá aparece ela, mas de passagem, sem pousar. Trocamos de novo meia dúzia de palavras protocolares. Nada de telefone, nada de contatos. Ela disse que namorava e, claro, respeitei.

Mas eis que a tecnologia nos surpreende. Uma rede social nos aproximou. Surgiu a carinha dela lá, como indicação de pessoas que talvez eu conhecesse. Mas como, se não tínhamos amigos em comum, nem trocado telefone? Pois ela curtia um bocado de coisas que eu curtia e o aplicativo nos “apresentou”. Daí, adicionei-a. Ela de pronto atendeu a solicitação. E passamos a conversar pelo bate-papo do aplicativo. Logo, trocamos telefone e estávamos no Whatsapp. Logo ficaríamos dias e dias conversando, sem parar, nos divertindo só em conversar.

Até que resolvemos no encontrar. Marcamos um dia. Encontro. Beijo imediato. E transamos a noite inteira, até meio-dia. Uma noite irretocável, soberba, sublime. “Que mulher!”, pensei. Ela também se mostrou empolgada. Pronto, já havia passado a pensar na possibilidade: “por que não?”.

É nossa hora que tudo pode degringolar. Porque com o “por que não?”, vêm as expectativas, as vontades, os planos e desejos, por mais pueris que sejam, como “só queria ver a moça de novo”. Mas não é assim que funciona. Ela tem uma vida pregressa. Eu tenho uma vida pregressa. E nessa vida há compromissos. E passa dia, entra dia, nada de dar certo de se encontrar.

Dou uma sugestão, ela não pode. O trabalho dela a drena. O meu trabalho me drena. O tempo é um tanto inimigo, ele passa e vai nos deixando mais longe. Nossas conversas pelo Whatsapp ainda acontecem, são divertidas, mas não sinto a mesma volúpia. A gente sente algumas coisas quando começa a permitir sentir algo por outra pessoa.

Chega um final de semana e ela vai viajar. As mensagens cessam. Eu tento e tenho certa frieza como resposta. Então, numa noite, a questiono quando poderei vê-la novamente e ela responde: “estou namorando, não posso”.

Foi como receber uma facada no coração, aquele que deveria está lacrado, com uma armadura. Ora, santa ignorância, por quê? “Por que caí nessa?”, fiquei me mortificando. Doeu, ora bolas, ô se doeu. Ela até tentou me ligar pra explicar e não atendi, explicar pra quê e o quê? Ela que fosse tentar ser feliz, respondi.

Nessa trama adolescente e débil, boba, comum e previsível, me senti como um idiota e escrevo como processo de descompressão. Às vezes, agradeço a ela mentalmente pelas duas, três semanas de companhia virtual maravilhosa que ela me proporcionou. Por um tempo, me senti mais vivo e pulsante do que com o coração fechado. Outras horas agradeço pela magnífica noite, a única noite que tivemos. Tento guardar essas coisas boas. Mas outras horas, fico rancoroso e não quero nem saber que ela passou por mim, porque sei que ela me usou pra poder ficar com quem ela queria ficar.

Que bobagem a minha, esse terrível pensamento infantil de que só você é que controla a sua vida. As pessoas te usam, como você as usa.

Ainda estou aqui com o coração mancando, com esparadrapos pendurados. Ainda espero que, sei lá, um dia, ela me chame no Whatsapp. Pra quê, não faço ideia.

Mas, ok, to vivo e torcendo aqui pra nunca mais cair nessa armadilha, porque tenho nítido na minha cabeça de que é uma aposta cada vez com menos possibilidades de eu não me machucar. Porém, como já deu pra eu mesmo perceber, não sou eu quem controla isso. É um drama que vou ter que carregar.

Resta tentar lembrar dela com o máximo de carinho possível, por mais que eu saiba que ela não foi nada honesta comigo. Daí, quando os pensamentos que jogam contra ela aparecem, lembro da nossa noite. E nessas lembranças, pesquisei, pesquisei, pesquisei e finalmente descobri um dos discos que ela colocou no telefone dela pra rolar enquanto, por breves horas, parecíamos num casal perfeito.

Lembrei porque a moça cantava na primeira música “How many times will you break my heart?”, como se eu pressentisse algo. Era uma daquelas canções deliciosas, tipicamente country-pop, dessas que os Estados Unidos produzem às toneladas todos os anos e que logo esquecemos, mas que adoramos.

A moça em questão é Esther Rose, lá de New Orleans, em seu terceiro disco “How Many Times”, lançado agora em 2021. A faixa-título (premonitória, no meu caso) é a que mais me chamou a atenção.

Ela fez o disco depois do fim de um longo relacionamento, uma decepção e, como é de praxe nessas situação, transformou tudo em arte, pra espiar a dor. Como faço aqui: escrevo pra diminuir a pressão. E pra ver se aprendo: quantas vezes mais vou passar por isso?

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