APNEA + BRAMIR – CINZA

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Nonagésimo-nono lançamento da Mansarda Records, “Cinza” une o Apnea (André Flores) e o Bramir (Diego Dias) numa boa amostra do que o DNA do selo – “sessão única, improvisada, sem retakes, overdubs ou edições/adições posteriores” – e do mundo acinzentado que estamos vivendo.

“Pois estamos sempre sem sorte aqui. É assim mesmo que as coisas são – por exemplo no inverno. Os lados dos prédios, os telhados, os galhos das árvores ficam cinza. Ruas, calçadas, rostos, sentimentos – eles são cinza. A fala é cinza, e a grama, onde aparece. Todo flanco e frente, todo topo é cinza. Tudo é cinza: cabelo, olhos, vidro da janela, os anúncios dos ambulantes e os cartazes dos anunciantes, lábios, dentes, postes e placas de metal – são cinza, bastante cinza. Os carros são cinza. As botas, os sapatos, os ternos, os chapéus, as luvas são cinza. Os cavalos, os carneiros e as vacas, os gatos mortos na estrada, esquilos idem, andorinhas, pombos e pombas, todos são cinza, tudo é cinza e todo mundo que mora aqui não tem sorte” – trecho retirado de “No Coração Do Coração Do País E Outras Histórias”, de William Howard Gass (1993), como cenário pra obra.

Os sintetizadores, pianos e gravações de campo constroem as cinco faixas que vão de um pessimismo desgastado até um otimismo ainda não construído. Um crescendo a partir da primeira faixa, “Subliminar Negativo”, densa e provocadora, até a quilométrica e desgastante faixa final, “Necropolítica”, é a forma da dupla dizer que tá tudo uma merda, mas a tranquilidade da sonoridade nos dá esperança.

“Todo mundo que mora aqui não tem sorte” não é exatamente uma verdade. Há uns pouco porcento que têm mais sorte do que todo o resto, se podemos chamar de “sorte” a insistente narrativa falha de meritocracias e afins. Só que o mundo continua cinza e cada vez mais sombrio, nem com todo conhecimento e ciência acumulados em tantos séculos. O ser humano rasga o aprendizado por preguiça do próprio aprendizado. E na ignorância não há quase cores.

Nesse espectro, os sintetizadores e pianos de “Cinza” apresentam quase uma sinfonia lúgubre da sociedade desmanchada pela sua própria preguiça e demais pecados. Entretanto, na linha fina entre apontar o dedo à ferida e cuidar pra que ela não se alastre, a dupla olha pro tal “otimismo ainda não construído”: os ruídos não dão as caras, não há nada desmanchando, nada se destruindo. Há esperança: com o passar do tempo, a única coisa que se destrói é a própria cultura da ignorância, pelo menos é o que desejamos.

A gravação (e a master, por Diego Dias) se deu no Estúdio Marquise 51, em Porto Alegre, dia 1º de outubro de 2019. O lançamento da Mansarda é de 15 de outubro de 2019. Pra baixar gratuitamente, é só clicar aqui.

1. Subliminar Negativo
2. Grauetag
3. Catedral Do Lamento Popular
4. Klavierklash
5. Necropolítica

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