ATTÖM DË NA FITA COM VITOR BRAUER (LUPE DE LUPE)

Eduardo Henrique Lopes é já passou pelas páginas do Floga-se com seu psicodélico Attöm Dë no EP “Expressar-me É Preciso No Meu Tempo Precioso”, de 2014.

É dele a Attöm Dë TV, canal no YouTube com alguns vídeos produzidos por eles mesmo sobre a cena subterrânea brasileira. Foram, até dezembro de 2015, onze edições de seus vídeos.

Eduardo está ligado intimamente com essa turma, mas com nenhuma turma em especial – ele é um circulante, aberto a ouvir os sons dos outros, a pesquisar, a divulgar. Um entusiasta, certamente. Um músico-fã. Ele produz música e consome música, o que parece óbvio, acredite, é raro.

Daí que ele teve uma ideia pra se aprofundar ainda mais nesse meio, tentando entender como se produz tanto com tão poucos recursos, sem grana, sem acesso a estúdios e profissionais caros. Surgiu a série “Attöm Dë Na Fita Com…”, uma rodada de entrevistas com nomes que Eduardo admira, sobre a parte técnica das gravações desses artistas: como conseguir esse ou aquele efeito, como gravar em casa, baixo, guitarra, bateria, voz, como as bandas gravam com integrantes que moram em outras cidades (isso é mais comum do que se imagina), e por aí vai. São os bastidores do subterrâneo.

“Por volta de abril de 2015, tive um impulso. Estava vendo diversas bandas que admiro gravando seus álbuns em casa, eu também havia gravado um álbum em casa, e resolvi que seria legal ter um lugar onde pudéssemos compartilhar as experiências desse tipo de gravação. Decidi entrevistar os músicos sobre suas técnicas de gravação, equipamentos, estética, influências, entre outras coisas”, diz.

“Dentre as bandas que eu gosto, decidi começar com a Lupe De Lupe, de Minas Gerais, que lançou “Quarup” (2014, ouça aqui), um disco duplo de vinte e uma músicas, e outros trabalhos, todos gravados em casa. Eu simplesmente adoro os timbres do “Quarup” e resolvi abordar o Vitor, vocalista da Lupe, e lhe contar meu devaneio de entrevistá-lo sobre sua faceta de engenheiro de som. Ele curtiu a ideia e topou na hora. Segue abaixo a entrevista que durou três dias de conversa pelo Facebook”.

Essa é só a primeira.

Eduardo Henrique Lopes: Primeiramente, queria que você falasse sobre o quanto o conceito de gravação afeta o conceito do álbum em si.

Vitor Brauer: Pra gente, afeta muito. Digo, a forma da gravação. Não sei pras outras pessoas, mas os nossos discos são produzidos no estúdio e não nos ensaios. É na hora que gravamos aqui em casa que pensamos nas loucuras, nas letras das músicas, nas quebras de ritmos, nas repetições e nos efeitos. A gente grava a bateria da forma mais básica e picada possível, quanto menos orgânica melhor. Eu tento produzir no estilo Burial, sou muito fã dele – apesar dele produzir outro estilo de música – acho que todas as arestas da nossa produção criam um som muito particular que só a gente faz. Desde gravar uma guitarra com um barulho de uma festa de fundo, até gravar uma voz com a tevê ligada ao lado. Ninguém pensaria em fazer esse tipo de coisa num estúdio profissional.

EHL: Faz total sentido com a proposta mais visceral de vocês também. É muito mais entrega, envolvendo suas próprias vidas e situações, do que uma coisa mais fria, seca e tals… Em quais condições foram gravados os três álbuns de vocês? Vocês sentem uma evolução? Os equipamentos melhoraram?

VB: São quatro lançamentos. O “Sal Grosso” foi gravado no mesmo esquema do “Recreio”, no estúdio de amigos aqui em Belo Horizonte – e foi produzido por um amigo chamado Cido. Hoje, eu acho que ele só toca numa banda que chama Menage. Depois do “Sal Grosso”, a gente percebeu que seria melhor a gente mesmo gravar e produzir, porque a gente perdia muito tempo e dinheiro discutindo sobre como a música deveria soar e como a gente queria o som. Coisas que são difíceis de serem ditas às vezes, quem grava sabe o que a gente tá falando. Então, fazer você mesmo é uma coisa mais fácil, às vezes, mas também às vezes é bom ter outras opiniões pra você melhorar o seu som. A partir daí, a gente começou a gravar as baterias no estúdio Casa Antiga/Giffoni e gravar o resto aqui em casa. Mas não abrimos mão de um dia gravar em outros lugares ou pessoas. Depende do que a gente quer no momento, mesmo. A gente aprendeu muito com o Cido, eu não sabia nada de gravação quando cheguei em BH, nem imaginava gravar as coisas eu mesmo. Os equipamentos têm melhorado e a qualidade também. Mas a gente tá mais preocupado com o nosso som do que com a qualidade da gravação. Não que as coisas sejam opostas ou contrárias. Mas não é o nosso foco a qualidade da gravação. Se uma música soar melhor gravada num celular a gente vai gravar ela no celular.

EHL: Então, é como que se não importasse onde vocês estão gravando e nem com quais equipamentos, desde que vocês tenham controle e consigam gravar o que querem?

VB: Acho que depende da música mesmo. Algumas músicas pedem um som mais polido; outras, não.

F-se: Se rolasse como aconteceu com Lê Almeida, de a Deck querer gravar um disco do cara e ele dizer não, por que o método de gravação faz tão parte do som dele, que ele não abre mão, vocês fariam o mesmo?

VB: Não sei. Teríamos de assinar um contrato no qual teríamos controle total do som. Se não ficasse do jeito que a gente gosta poderia sair e fazer em outro lugar com outras pessoas. Não temos problemas em tentar alguma coisa nova ou diferente do que a gente faz. Eu particularmente não gosto de nenhum som de nenhum disco lançado pela Deck. Acho o som de todos os discos muito parecidos. É o mesmo que digo sempre, o som da música brasileira sempre caminha junto, tudo parece o mesmo, o mesmo som de bateria, o mesmo som de guitarra etc. Se você ouvir o disco da Bárbara Eugênia e ouvir o disco, sei lá, do Otto, eles são bem parecidos em questão de sonoridade e timbres. É isso que a gente não quer.

EHL: É como se a Deck estivesse pros discos como a Globo Filmes está pro cinema… Aí, é tipo chamar o Goddard pra dirigir um filme deles.

VB: Pode ser. Não sei como funciona esses troços no mundo do cinema (risos).

EHL: Engraçado que a nossa referência de gravadora que “abraçou” o rock nacional é a Deck: Pitty, Cachorro Grande, Dead Fish, entre outros… (pausa) Fale sobre a estação de gravação de vocês. É um quarto, uma sala? Quais equipamentos de gravação possuem? Tem isolamento acústico?

VB: Pode ser em qualquer lugar, uma sala, um quarto ou um quintal. Depende se a gente precisa de isolamento acústico ou algo assim. Mas nada profissional. Os equipamentos que a gente usa são bem básicos. Hoje estamos com a Fast Track Pro da M-audio. De microfones usamos só o SM-57 e um condenser AT2020 (que nem é nosso, é de um amigo). A gente grava no Reaper, que é o programa mais básico do mundo e que se você fuçar ali você consegue tudo que você quer. Caixa de guitarra a gente usa qualquer uma que pudermos colocar as mãos.

EHL: Vocês tem exatamente o mesmo equipamento que eu! O bom e barato. Adoro os timbres de guitarra que vocês conseguem. Aí, é interessante saber que não é tipo “ó o puta amp valvulado e tal”. Mas as guitarras de vocês são de qualidade pelo que vi em fotos. Quais vocês usam?

VB: No “Quarup” usamos a Fender Strato americana do Gustavo e duas minhas, a SG (que eu comprei do Jonathan, da Quase Coadjuvante) que parece ser uma versão mais podre da tradicional da Gibson, e a minha Giannini Supersonic de 2001, se não me engano. Não tem muito segredo as guitarras também não, o que dá o tom é o que você toca, os efeitos, como você mixa tudo. Novamente, volta ao Burial, o esquema é gravar uma coisa simples e enfiar efeito e mixagem não tradicional pra ela virar outra coisa.

EHL: Ainda em relação às guitarra, vocês passaram a usar muito mais chorus nelas neste último disco. De onde veio essa influência, que chorus vocês usam, plugin ou pedal?

VB: O Gustavo cresceu sendo fã de Legião Urbana, Smiths e George Harrison. Todos somos fãs, mas ele é fanático de verdade. Então tá aí explicado o chorus e até alguns solos com slide. Ele usa o Super Chorus da Boss, o CH-1, que ele deve ter comprado tem quinze anos. Nunca mudou. A gente às vezes usa uns plugins, mas nem sei quais são.

EHL: Entendi. Chorus é algo que até pouco tempo atrás era um efeito meio datado dos anos 80 e 90 (tipo Stone Temple Pilots e tal). E agora com Mac Demarco usando e abusando do efeito, ele voltou a ser atual. Acho que com vocês fica bem atual também. E em relação a baixo, vocês microfonam ou gravam em linha?

VB: Gravamos em linha porque não temos microfone bom pra gravar o baixo mesmo, nem temos amplificador de baixo pra falar a verdade. E como geralmente é a gente mesmo que grava os baixos, e não o Renan (que está em Pelotas), então a gente nem liga muito não, grava em linha e tora o grave ou bota uma timbragem mais aguda se preferirmos etc.

EHL: E as partes vocais do Renan, como funciona ele estando tão longe?

VB: Ele grava em um estúdio profissional lá em Pelotas mesmo. As músicas que ele compõe ele grava com um violão tosco da casa dele, voz e violão, e manda pra gente. Aí, gravamos tudo aqui depois de conversar com ele o que ele acha e tal. Quando mandamos pra ele a versão final do instrumental, ele grava a voz.

EHL: Na musica “Eu Já Venci”, tem aquele bumbo marcado como principal condutor, como foi feita a gravação e mixagem? Fale um pouco sobre a gravação da bateria no álbum.

VB: A gente grava a bateria no estúdio Giffoni, um estúdio profissional, e vem tudo separadinho aqui pra gente. Mas como o estúdio é caro, a gente grava a música parte por parte. Então quase nunca sai uma música toda num take só. Ainda mais uma música igual “Eu Já Venci”, que é o caso da gente praticamente ter feito ela toda aqui em casa, editando, fazendo o caralho. Porque a gente achou que tinha de ter um tempo a mais aqui, um tempo a menos ali, e uma parte pesada onde não tem etc. A mixagem foi básica, tivemos de deixar o bumbo mais alto e o baixo mais alto também. E as guitarras acabaram segurando os médios e agudos. E a música ficou bem comprimida assim: quando só tem a bateria, ela fica bem alta, quando aparece as outras coisas, a bateria fica mais baixa. Isso é uma coisa que a gente não gosta muito, mas o Cícero, o nosso baterista, ele é muito fã dessas compressões a la Estados Unidos, e a gente achou legal deixar desse jeito. Geralmente a gente abaixa a bateria quando só tem ela, ou abaixa a guitarra quando só tem ela, pra dar uma dinâmica pro som, mas em algumas músicas a gente liga o foda-se e deixa tudo alto mesmo. Ainda mais em uma música que tinha de ser escrota e potente igual “Eu Já Venci”.

EHL: No “Distância”, rola muito essa dinâmica do “foda-se, deixa tudo alto mesmo”, que eu acho foda. Eu costumo fazer isso também. Porque como gravo tudo sozinho e sou cabaço, gosto de tudo que gravo, deixo tudo alto. E no final das contas o vocal fica apagado no meio de tudo.

VB: Pois é, esse esquema da voz a gente aprendeu uma manha recentemente. O Sérgio, do estúdio Giffoni, falou com a gente que se der uma limpada em cada instrumento por volta do 500hz ali, sei lá, a voz encaixa certinho na mix e não precisa de você torar ela e tudo mais. Fizemos e deu certo, a maioria das músicas do “Quarup” dá pra ouvir a voz tranquilamente, tirando as que a gente deixou ela no meio de propósito. Então algumas coisas são só falta de técnica, às vezes, e outras são por escolha mesmo.

EHL: Qual compressor vocês usam na mix?

VB: O compressor que a gente usa é qualquer um do pacote do Waves mesmo, o CLA2A é bom. Compressor faz tudo a mesma coisa.

EHL: “Jurupari” é uma faixa praticamente instrumental com participação do Cadu Tenório. Como surgiu a música, ela sempre teve a intensão da participação do Cadu?

VB: A participação do Cadu foi meio que uma sorte. Eu tinha essa idéia pra música, mas não tinha a capacidade pra fazer uns barulhos que o Cadu faz com o VICTIM!, por exemplo. Aí, eu meio que dei a sorte de conversar com ele uns dias antes dele ir gravar uma coisa dele num estúdio do Rio. Aí, pedi pra ele gravar uma barulheira pra gente. Acho que ele não imaginava que ia ser desse jeito a música. Mas a gente ficou muito feliz de ter o nome dele e a barulheira dele em “Jurupari”. Queríamos uma coisa infernal pra começar a segunda metade do disco. E foi perfeito.

EHL: E, fora os vocais, o que tem de instrumental de vocês nessa musica?

VB: Umas três guitarras, baixo, e a bateria de “Fogo-Fátuo” mais lenta e ao contrário.

EHL: O tempo todo ou só depois daquela parte que você fala?

VB: A bateria vem só depois

EHL: Fora o Burial vocês tem outra referência de gravação?

VB: Acho que produção mesmo, não. Eu tento sempre chegar no som de gente que eu gosto de ouvir, desde black metal tipo Krallice, até um Spoon, que é muito pop. Não sei, acho que depende de cada música. O Burial é o meu guia mais em questão de fazer texturas com pouca coisa, de criar uma ambientação própria.

EHL: E o lance de gravar em casa quem foi que te iniciou… Como teve esse estalo de “vamos gravar em casa”? Teve algum artista como referência? Hoje em dia temos vários artistas “grandes” que gravam em casa: Dinosaur Jr, Ariel Pink, Mac Demarco. Grande parte dos artistas de black metal sempre gravaram em casa…

VB: Não sei quando veio esse estalo. Mas eu acho que o Ariel Pink é o grande marco e o grande gênio de gravações em casa. Eu acho que o Burial foi o maior por causa de software pra gravações e equipamentos. Porque tipo, é muito fácil gravar em casa quando se tem muita coisa, feito o Dinosaur Jr ou o Ariel Pink. Agora, quando se tem um computador ruim e nenhuma mesa nem porra nenhuma, aí fica complicado. Tem de saber os seus limites, não sei como o Mac Demarco gravou e quais equipamentos que ele usou, mas sem dúvida ele masterizou em outro lugar, essas coisas. Gente igual o Burial realmente faz tudo em casa mesmo, ou essa é a impressão que eu tenho. E tem todo um conceito sobre gravar em casa, né? O som é diferente de quando se grava em um estúdio profissional e tudo mais. Ao mesmo tempo que é bem limitado. É ilimitado no sentido de que se pode fazer absolutamente qualquer coisa dentro de um computador. Muita gente não faz umas coisas loucas por achar que sairiam toscas usando um plugin que finge um efeito analógico, mas nem sempre é assim. O ouvido, afinal, é o maior dos instrumentos.

EHL: No final, o ouvido é tudo mesmo. O Mac tem um equipamento legal em casa, gravador de rolo e tal. E realmente sua master é feita em estúdio grande. E a master e mix de vocês, como é o processo, fazem todos juntos? Que softwares usam?

VB: Tudo junto. Tudo no Reaper. Fazemos a master com compressão e equalizadores normais do T-Racks.

EHL: Como vocês fizeram aquele efeito no começo de “SP (Pais Solteiros)”? Desde a primeira vez que ouvi, até hoje esse efeito me surpreende.

VB: Eu deixei tudo mais devagar, em outro bpm e fiz com que o programa não compensasse a velocidade. Fora isso eu arrastei todas as faixas uma faixa pra cima, então o bumbo ficou no lugar da caixa, a caixa no lugar do chimbal, e assim em diante.

EHL: Que doideira. Eu acho que fica muito legal, aquele peso lento do início, e de repente fica tudo agudo. É uma sensação divertida pros ouvidos. Vocês chegam a gravar uma prévia das músicas antes de gravá-las de fato, ou vai tudo direto?

VB: Gravamos uma versão voz e violão, sim. Só pra gente ter uma ideia.

EHL: E, pra finalizar, vocês já têm ideia de como serão as próximas gravações da Lupe De Lupe? Tem algo que vocês gostariam de tentar, alguém que gostariam de convidar pra uma gravação?

VB: Vamos ver se esse ano gravamos com o Danilo (Sevali), da Hierofante Púrpura, com o gravador de fita dele. Mas não sabemos ainda o que vamos gravar com ele.

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