CAPTAIN SKA E SEU GRITO DE PROTESTO – LIAR, LIAR

“She’s a liar, liar”, canta o refrão da música “Liar Liar”, do Captain SKA, grupo sem a menor relevância, relançada em 25 de maio de 2017, se tornando rapidamente a peça mais vendida do iTunes e da Amazon locais.

Em 2010, quando a canção foi originalmente lançada, pra criticar os cortes sociais do Primeiro Ministro conservador David Cameron, principalmente a tentativa esdrúxula de cobrar pelas matriculas no ensino público britânico, ela chegou ao quarto lugar entre as mais vendidas (primeiro lugar na parada de reggae e em octogésimo novo na parada geral).

Agora, com alterações na letra (a principal foi trocar “he’s a liar” e inserções de discurso de Cameron por “she’s a liar” e inserções de discursos da nova Primeira Ministra, Theresa May), a canção acabou caindo nas graças da oposição e foi usada sem parcimônia nas eleições gerais chamadas por May, em 8 de junho, na intenção de ampliar a maioria do seu partido, o Conservador, e tocar sem questionamentos o malfadado Brexit.

Quem se deu bem nas eleições foi a oposição, liderada por Jeremy Corbyn, levando o Partido Trabalhista a ampliar em trinta cadeiras sua participação no Parlamento, enquanto o partido de May, perdeu treze. O placar final ainda dá maioria a May, mas é uma maioria mais apertada: 317 x 262. May não terá o Brexit tranquilo que imaginava, vai precisar negociar.

“Liar Liar” teve que peso de participação nessa história? É difícil saber, a história é bem recente e as ferramentas atuais são bem mais amplas pra apenas uma música ser decisiva na intenção de voto de alguém. Mas é inegável que a canção (relançada como “Liar Liar GE2017”) incomodou os conservadores. Sem papas na língua, o grupo cola o refrão em imagens de May. Não há cerimônia, nem sutileza. É uma peça de protesto, mas também é uma peça de convencimento.

O Captain Ska não é exatamente um grupo relevante no mercado inglês (ouça mais deles aqui). Formado por músicos freelancers que acompanham em shows bandas como Culture Club, Vampire Weekend, Girls Aloud e Friendly Fires, essas sim relevantes comercialmente, ninguém nem saberia do que se trata, não fosse o fenômeno de “Liar Liar” nas plataformas digitais. Mais do que isso: dia 2 de junho, a canção chegou ao quarto lugar nas paradas de sucesso gerais do Reino Unido, competindo com o grande sucesso do momento, “Despacito”, com Justin Bieber, além de hits de Miley Cyrus, Rita Ora, Ed Sheeran, Ariana Grande e muitos outros.

O fenômeno fica ainda mais acentuado quando se leva em consideração uma particularidade de “Liar Liar” frente aos concorrentes. Enquanto os nomes de sucesso da música pop-jovem carregam toda a grana do merketing das gravadoras, que investem pesado nas propagandas, redes sociais, blogues, televisão e rádio, o Captain Ska não investiu quase nada na promoção de sua peça. Pior, “Liar Liar” foi banida das rádios, com a desculpa de que era propaganda política e sua veiculação podia ferir as leis eleitorais.

Sem rádio, sem grana e militando na desacreditada oposição, “Liar Liar” conseguiu um feito extraordinário de vendas. Pra não ser acusado de “oportunista” ou coisa que o valha, o grupo doou toda a grana conseguida com as vendas até o dia da eleição, em 8 de junho, pra programas sociais.

Ao site Sky News, a banda, que se considera “uma reconhecida voz musical contra a austeridade e as políticas neoliberais”, declarou: “o sucesso da música mostra que as pessoas estão fartas desse governo de ricos pros ricos. A nossa mensagem é que as pessoas têm o poder de mudar a sociedade se agirmos juntos”.

Não dá pra chamá-los de mentirosos.

Veja o vídeo da nova “Liar Liar”:

Aqui, a versão de 2010:

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