DISCOS (POP) PERDIDOS #3: THE SUNDAYS – READING, WRITING AND ARITHMETIC

Um dia, o Sundays chegou a ser chamado de “os Smiths de saias”, referindo-se à vocalista Harriet Wheeler. Não era exatamente isso, mas o equívoco não coloca o grupo tão longe de Morrissey, Marr e companhia.

A banda foi formada no verão de 1987, em Londres, Inglaterra, quando Wheeler conheceu o guitarrista David Gavurin, na Universidade de Bristol. É daqueles encontros pra vida: formados, passaram a viver juntos, como namorados. Mesmo sem nenhuma experiência, a dupla escreveu uma série de canções, até perceber que precisava mesmo era de uma cozinha pra dar corpo a essas criações. Vieram Paul Brindley pro baixo e Patrick Hannan pra bateria. Ambos estudaram na mesma universidade.

Já em 1988, após enviar uma série de fitas demo pra vários clubes de Londres, bastou o primeiro show como The Sundays (um nome aleatório, escolhido por conta de ser o único que os quatro entraram em acordo – era o “melhor dos piores”) pra criar-se um frenesi em torno do quarteto. O boca-a-boca foi grande. Algumas gravadoras independentes começaram uma guerra pra conseguir tê-los no cast. A Rough Trade os arrebatou.

O tempo iria mostrar que a Rough Trade não estava equivocada em se enfiar nessa briga e se esforçar pra ganhá-la. O primeiro single, “Can’t Be Sure” (com “I Kicked a Boy” e “Don’t Tell Your Mother” no lado B), alcançou o topo da parada independente britânica, dando gás à banda.

Vídeo oficial de “Can’t Be Sure”:

Mas havia um problema: a gravadora queria o disco pra aquele ano, só que a banda não tinha músicas escritas o suficiente pra encher nem mesmo um EP. Wheeler e Gavurin não consideravam apropriadas aquelas primeiras criações de quando eram um dupla.

Eis que o Sunday demorou todo o ano de 1989 pra escrever, ensaiar e gravar as canções que viriam a ser o seu disco de estreia, “Reading, Writing And Arithmetic”. Pra produção, foi escolhido Raymond Shulman, um dos integrantes da Gentle Giant e produtor do bem recebido “Life’s Too Good”, a estreia dos islandeses do Sugarcubes, em 1988; e de “Candleland”, o primeiro disco-solo de Ian McCulloch, de 1989.

Eram tempos em que o hype criado pela imprensa durava bons meses e a demora pra se concluir o álbum, desde o lançamento do primeiro single, só aumentou a expectativa pelo trabalho. O disco acabou muito bem recebido, alcançando boas posições nas paradas de sucesso (quarto lugar na Inglaterra), vendendo no total mais de meio milhão de cópias.

Há muitas explicações pro sucesso ter se confirmado. Desde a beleza de Wheeler, uma moreninha de cabelos cuidadosamente desleixados e olhos cristalinos, com sua voz que ganhou elogios superlativos (“um canto oscilante, travesso, e cheio de imprevistos, com flashes perversos da ternura”), até a suavidade das canções, passando por letras irônicas sobre a pouca habilidade de lidar com os relacionamentos amorosos e a juventude, tudo era genuinamente atrativo – e não só pros ingleses, provavelmente os únicos que poderiam compreender aquelas letras repletas de brincadeiras com o próprio país.

“Can’t Be Sure” era uma boa porta de entrada. Wheeler canta suavemente, sem esforço, “And did you know desire’s a terrible thing / The worst that I could find / And though I can’t be sure what I want any more / It will come to me later”, e brinca com a dor, tirando uma com os ingleses: “England my country the home of the free, such miserable weather / But england’s as happy as england can be / Why cry”.

Mas os maiores sucessos do disco foram “Here’s Where The Story Ends” e “You’re Not The Only One I Know”. A primeira, uma dolorida constatação do arrependimento: “It’s that little souvenir of a terrible year / Which makes my eyes feel sore / Oh, I never should have said the books that you read / Were all I loved you for”.

A segunda é um desabafo cheio de rancor de quem não quer dar o braço a torcer, baseado em violões e na voz de Wheeler. É uma balada pra arrepiar até os corações mais frios.

Vídeo de “Here’s Where The Story Ends”:

Ouça “You’re Not The Only One I Know”:

Porém, é em “Hideous Town” que o Sundays consegue reunir todas as suas qualidades, com uma melodia simples, fácil de gravar, a voz de Wheeler alternando, e uma letra matadora, irônica até o talo, atirando pra todos os lados, em vários ícones ingleses e, claro, na juventude (“minha juventude sem esperança é tão grosseira / e, oh, eu queria entrar pra história”): “Don’t ask me why, don’t ask me why / I’ll join the army, the salvation army but it didn’t help / Don’t ask me why, don’t ask me why / I joined the army, but it drove me barmy and it didn’t help / Hideous towns make me throw up / I went to the circus, piccadilly circus, it was very strange / Don’t ask me why, cos I don’t know why”.

Ouça “Hideous Town”:

Outras canções do disco são igualmente tocantes e contestadoras (suavemente contestadoras), como “I Kicked A Boy”, “A Certain Someone” e “Joy”. É um disco pop perfeito do começo ao fim – e com o perdão desse argumento reducionista, mas é que as qualidades do álbum se repetem em cada faixa.

A pena é que Wheeler e Gavurin não tinham exatamente na música as suas prioridades. Após “Reading, Writing And Arithmetic”, a banda se viu diante da falência da Rough Trade e passou pra Parlophone Records.

“Blind”, o segundo disco, saiu em outubro 1992, e apesar do sucesso ter sido idêntico em termos de vendagem ao disco de estreia, o Sunday demorou outros cinco anos pra fazer o terceiro disco, “Static And Silence” (de onde saiu o single de maior sucesso comercial da banda, “Summertime”). O motivo: Wheeler e Gavurin se casaram e tiveram o primeiro filho em 1995, enquanto, paralelamente, montavam seu próprio estúdio em casa. O segundo filho viria em 1999. Mas aí, “Static And Silence” já era o último disco do Sundays, mesmo que ninguém até o momento se desse conta disso. Wheeler havia decidido cuidar das crianças.

A banda, oficialmente, não acabou. Só parou.

Garuvin disse, certa vez ao Boston Globe: “Se minha carreira desapareceu porque não estávamos na esteira do rock’n’roll e não fomos rápidos o suficiente pra manter nossos produtos no mercado, é uma pena. E que assim seja. Nós não estamos preparados pra sacrificar o que é importante pra nós musicalmente só para manter o que esperam de nós. Não estávamos dispostos a correr e nos envolver em situações estúpidas apenas ara manter uma carreira ativa”.

Até nisso o Sundays parece ter acertado: se retirou do cenário na hora certa – embora no fundo, no fundo, ninguém quisesse que esse domingo acabasse.

The Sundays é:
Harriet Wheeler (vocal)
David Gavurin (guitarra)
Paul Brindley (baixo)
Patrick Hannan (bateria)

Álbum – Reading, Writing And Arithmetic
Lançamento – 15 de janeiro de 1990 (Inglaterra) e 17 de abril de 1990 (EUA)
Gravadora – Rough Trade e DGC Records (só EUA)
Tempo total – 38 minutos e 21 segundos
Produção – Raymond Shulman e The Sundays

01. Skin & Bones
02. Here’s Where The Story Ends
03. Can’t Be Sure
04. I Won
05. Hideous Towns
06. You’re Not The Only One I Know
07. A Certain Someone
08. I Kicked A Boy
09. My Finest Hour
10. Joy

Leia mais:

Comentários

comentários

Um comentário

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.