DRAMÓN – CÉUS

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Dramón é Renan Vasconcelos. O músico hoje morando em São Paulo acaba de lançar seu segundo disco cheio, “Céus” (escrito “C É U S”), em 16 de agosto de 2022, pela Figa Music e Mystery Circles. O primeiro foi “Áspero”, de 2021 (vá aqui), mas ele tem também uma boa sacola de EPs que vem lançando desde 2018.

“Céus” é incrivelmente enigmático e tentador. Suas faixas moldadas em ambiências eletrônicas deixam o ouvinte flutuando em algum pensamento que não estava necessariamente querendo ter. É uma viagem. É um sonho. É um passeio. É um encontro consigo mesmo, sem a chatice de autoajuda que isso possa parecer.

Calmo e ciente do pouco alcance que sua música terá, pois não tem qualquer apelo comercial pra dias em que o jovem parece querer apenas algo menos de trinta segundos de rebolantes notas pro TikTok, Renan mergulha ainda mais no que poderia ser considerado “experimental”.

Ele não concorda exatamente com o termo. “Meu processo é experimental, mas o resultado final não acho tanto porque eu manipulo muito até chegar nele”, disse, em conversa exclusiva com o Floga-se. “É pq no universo do experimental tem muito improviso, noise, e outros códigos que eu não uso tanto. É que me comparando ao Mauricio Takara, por exemplo, eu não tenho coragem de falar que sou experimental. O cara constrói um instrumento através de pedaços de skates velhos e fica batucando por vinte minutos nele…”.

Renan sabe o que fala. Ele é músico e produtor “80% autodidata”. Ele toca guitarra desde os 13 anos, e já participou de alguns projetos antes de assinar como Dramón. Um deles é um bastante conhecido aqui da casa, o Avec Silenzi, trio de post-rock do Rio de Janeiro, que fez parte do elenco da sempre atenta Sinewave – o próprio Dramón lançou seu primeiro EP, “Ansiedade Morte”, em 2018, pelo selo (vá aqui).

Renan é designer gráfico de formação e trabalha com animação, o que o permite realizar seus trabalhos musicais por conta própria, sem precisar se preocupar que isso vá dar algum cascalho ou não. “A parte de produção musical eu iniciei bastante cru. Minha discografia como Dramón é a minha evolução como produtor”, conta.

Mais recentemente, Renan foi guitarrista do Saudade, projeto de Petrópolis, do qual não faz mais parte – o projeto de Saulo von Seehausen lançou “Bem Vindo, Amanhecer”, o segundo disco, neste junho de 2022 (ouça aqui).

Por incrível que pareça, Renan se atentou ao eletrônico e todas as possibilidades a partir daí por outro impulso. “Entre 2011 e 2017, eu tive um bar/hamburgueria em Búzios, que inicialmente rolavam uns shows e depois que foi dando problema com a vizinhança por causa do barulho, comecei a investir mais em DJs, pois era mais fácil de controlar o volume. Nessa época, comecei a sair do rock e a me antenar na musica eletrônica, e consequentemente na musica experimental. A musica eletrônica tem tantas possibilidades que fica facilmente experimental”, revela.

Toda essa trajetória foi acumulando criações influenciadas por muita gente que pode ser lida como “lugar-comum”. “Minha influencias passam por vários lugares. A começar pelas bandas dos anos 80 que meus pais curtiam quando eu era novo, como Tears For Fears, The Police, U2 etc., passando pelas bandas de rock da adolescência, como Rage Againt The Machine, Deftones, Radiohead, e chegando na fase adulta com coisas mais experimentais e/ou eletrônicas, como Massive Attack, por exemplo”.

“Mas, honestamente, eu não penso muito nisso quando estou produzindo ou compondo. Essas coisas podem ser até fagulhas, mas a partir do momento em que eu acho algum som que me interesse, eu começo a seguir os caminhos que ele mesmo vai me mostrando. Acho que nessa hora essas influências aparecem de formas bem ocultas. Sempre associam o meu som a muitos outros artistas que não necessariamente me influenciaram diretamente”, conta.

Renan, inclusive, revela uma associação direta pra faixa “Ao Meio”, uma construção que soa como uma trilha de algum filme atual no melancólico oeste estadunidense, como algo que um diretor esperto, como Quentin Tarantino, poderia usar numa trilha, mas levando tudo a sério. É nesta mixtape aqui, o que faz muito mais sentido e revela como funciona a mente criativa do Dramón, ao fazer “Céus”.

“Eu gosto de muitas coisas que não necessariamente eu vejo no meu som, como José Gonzáles e Tommy Guerrero, por exemplo. São artistas que eu escuto ou já escutei bastante, mas eu fico mais atento a imaginar o processo criativo deles do que a estética do som em si”, diz.

Aliás, a própria escolha do nome do projeto, Dramón, veio de uma maneira um tanto aleatória: “achei esse nome no dicionário espanhol quando ainda morava em Petrópolis. ‘Dramón’ significa ‘dramático’ ou segundo esse dicionário em específico, ‘dramalhão’. Eu usava o nome ‘Dramón y Draft’ lá atrás, nas primeiras experimentações que fazia. Depois, minha vida musical ficou mais voltada pra bandas. Quando avec silenzi acabou e comecei esse projeto, retomei o nome. Que pra mim se encaixa perfeitamente. Eu acho que o que faço é super dramático mesmo”.

“Céus” não é o primeiro lançamento de Dramón no ano. Em março, ele lançou o EP “Performar Selvagem”, que entrou na lista de discos nacionais pra ouvir na íntegra no primeiro semestre aqui do Floga-se (veja a lista completa aqui).

“Acho que os dois discos são substancialmente bem diferentes entre si. O ‘C É U S’ é bem mais pessoal”, segue Renan. “São sensações de melancolia, saudade, e referências a coisas e lugares pessoais. As sensações e lugares que o ‘Performar Selvagem’ trás não são sobre mim, são mais gerais sobre o mundo. Um cara escreveu um mini review no Bandcamp que achei muito pertinente: ‘uma adição digna ao compêndio de paisagens escuras, ou ao cenário sônico de nossa mentalidade coletiva contemporânea'”.

No texto oficial que apresenta “Céus”, ele começa dizendo que “nada (ou quase nada) é tão especial como o céu e tudo o que vemos nele. A possibilidade de observá-lo daqui de baixo e interpretar seus humores faz dele um dos principais guardiões dos mistérios desse mundo”.

“Particularmente, acho o céu fascinante. Nada relacionado a deus nisso. Mas eu me amarro em ficar vendo imagens ao vivo da NASA, ou as cenas da exploração espacial do anos 1960. Acho incrível observar o céu de telescópio e ver sei lá, Júpiter ou Saturno”, conta. “Em relação à existência, não entro muito no mérito. A única coisa que sei sobre isso são as coisas que já vivi, e elas não necessariamente fazem sentido pros outros”.

Eis, então, que o papo adentrou por um caminho bastante curioso. O próprio Renan repensou sua observação sobre o disco: “falei sobre esse lance do espaço e tal porque tava achando que era sobre isso. Mas acho que a resposta no âmbito pessoal é mais simples. Pra mim, olhar pro céu num fim de tarde por exemplo, ou ver uma paisagem com o céu bonito, é sempre um momento de conforto. Como no poema, eu estou imaginando um desespero (no caso, de um suicida), eu dou essa importância através dessa minha ótica de conforto ao céu (que é o que a gente vê quando olha pra cima), e aos céus (que em português significa um lugar lúdico e exclamativo)”.

Ele segue: “no texto tem ‘no plural, transforma-se em um lugar sagrado pra onde confidenciamos nossos medos, desejos e buscamos respostas’. Acho que na nossa cultura popular de grande parte da população cristã (e eu recebi educação religiosa cristã, mas sou descrente e não praticante), esse céus é muito presente”. E conclui: “acho que o disco tem um viés mais pessoal. As palavras, imagens e referências eu busquei nas minhas vivências. Já no EP essas palavras, imagens e principalmente as sensações que as musicas passam são mais coletivas”.

“Céus” começa com um belo poema escrito pelo próprio Renan, com declamação dramática e irretocável de Andréa Barana: “Um céu negro e suas promessas / ‘Você não vem?’ / Ele convida / Mostrando suas garras / Na desgraça de nossos lamentos / Rezamos para não sentir sua presença voraz / Mundo miserável de céus negros e tanta pobreza / Pedimos que nos deixe em paz”. Pra então entrar o trio de canções “Ouro Cinza Da Terra”, “Convalescente” e a já citada “Ao Meio”. É como se o Röyksopp (do início da carreira), o Moby e Ennio Morricone se juntassem em um céu de inspiração pra acalmar o ouvinte. Mas não é suficiente pra chegar a tantos ouvidos. O céu, infelizmente, não é o limite.

“Eu tenho noção que meu trabalho não atinge tantas pessoas comparado ao trabalho de amigos e outros músicos mais próximos. Tenho noção que o Dramón é algo bem hermético, e que muita gente, ainda mais com a efemeridade característica dos nossos dias e do consumo de música, não tem paciência ou não consegue se conectar muito”, ele pensa. “Não dá pra dizer que não me preocupo (em como as pessoas vão receber a música). Acho que tudo mundo espera uma validação do seu trabalho, e isso vem em grandessíssima parte do feedback das pessoas. O que eu NÃO faço é produzir pensando em atingir determinado publico, ou pra bombar em algum lugar, mesmo que dentro do (universo) experimental-alternativo. Eu sou muito purista em relação a isso. Não tiro meu sustento da música, então não preciso me submeter a isso. Faço mesmo só o que me agrada e quando acho que devo”.

“Conforme você vai crescendo, e as responsabilidades aumentando, o tempo disponível ficando mais escasso, você pode ser engolido por um mar de frustrações. Eu fui engolido por uma onda dessas e fiquei dois anos completamente alheio a tocar e produzir, e comecei a me sentir extremamente miserável por ter sucumbido a essas frustrações”, ele conta, ao falar sobre como é difícil produzir sem uma resposta do público. “Hoje, eu sempre me dedico a identificar e a desconstruir em mim essas armadilhas. Pra mim, tá óbvio que não sou um compositor dotado como é o Tim Bernardes em que tu parece sair de forma tão leve, mas tento dar atenção ao que tenho de positivo e não ficar me comparando com ninguém, apesar de as vezes isso ser inevitável”.

“A gente tem que se cuidar muito pra não cair nas armadilhas das frustrações, porque elas são reais e até mesmo necessárias!”, conclui.

Mas Renan tenta traduzir o esforço fora do estúdio. Ele toca ao vivo e vale a pena a experiência – acompanhe o Instagram dele pra ficar por dentro das datas.

Ao vivo, segundo ele, “tem sido outra história”. Renan entende que a resposta do ao vivo tem sido “até mais legal que a dos discos”.

“Acho que as pessoas têm ficado um pouco surpresas com o que faço ao vivo. A resposta tem sido muito boa mesmo. Não consigo muito dizer que tipo de público vai aos shows. Lá no rio toquei uma data em conjunto com o Gabriel Ventura que era do Ventre e filei um pouco do publico dele. Aqui em SP, tenho tentado me aproximar dessa cena mais experimental, apesar de não ser tão experimental assim”, diz.

Dramón entende que esse descolamento do que a grande massa quer ouvir e o que ele quer produzir resulta de um ato, de um cenário, de uma consequência política. “Eu acho que o dado político tem mais a ver com isso do que com o ‘produto’ final propriamente ou com o seu posicionamento eleitoral, que na verdade é o lance mais despolitizado da arte hoje em dia”.

“Tem mais a ver com o quanto você tem que se desdobrar pra fazer o trabalho, e esses níveis de desdobramento são socialmente variáveis. Eu pude estudar e me formar na faculdade, isso me deu uma profissão e uma estabilidade financeira pra que eu possa viver minha vida e ainda investir no projeto musical, que não é minha fonte de renda. Imagina uma pessoa que não tem muitos recursos financeiros e materiais querer se dedicar a fazer um gênero musical que não tem quase nenhum retorno financeiro como é o experimental”, reflete. “As dificuldades ou facilidades que a falta ou o incentivo de políticas moldam os recursos que por sua vez moldam a arte. Se você consegue pagar um valor de aluguel, ok, você tem mais tempo, energia, e dinheiro sobrando pra se dedicar a sua carreira. São Paulo tá começando a ficar caro igual o RJ ficou. A ver como isso impacta na produção artística ao longo dos próximos anos. Mas já dá pra observar um certo engessamento dos processos e dos discursos”.

As sete faixas do disco foram escritas, produzidas, executas e mixadas pelo próprio Renan Vasconcelos, com exceção de “Céu Negro E Suas Promessas”, que foi produzida por Pedro Serapicos, e “Ao Meio”, que foi composta junto com Bruno Weilemann.

1. Um Céu Negro E Suas Promessas
2. Ouro Cinza Da Terra
3. Convalescente
4. Ao Meio
5. Deserto Lá Fora
6. Comunhão Dos Santos
7. O Tempo Abaixo Dos Céus

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