DREAMDECAY – YÚ

O quarteto de Seattle DREAMDECAY lança em 3 de março de 2017, via Iron Lung Records, um dos discos mais barulhentos (até aqui) do ano. Não que fosse novidade, já que em 2013, na estreia, mandou pra praça o bom “N V N V N V” (ouça aqui, que saiu pelo mesmo selo), com boas doses de insanidade.

O lance é que “Yú”, o segundo disco de fato e direito, consegue momentos realmente ensurdecedores, balanceados com momentos “apenas” sombrios – “F.R.A.N.K.” é o melhor exemplo.

“Yú” é um título curioso: mistura de “you” e “tú” (“você” em inglês e espanhol, respectivamente), um traço marcante da banda, que trafega pelas duas culturas, talvez porque metade dos integrantes tenha ascendência latina – o grupo é formado por Alex Gaziano, Justin Gallego, Jason Clackley e Jon Schied, e foi criado em 2011, por Gallego.

“O disco simboliza a experiência de estar preso entre duas culturas, lutando pra achar alguma legitimidade”, diz a banda sobre “Yú”.

Mas a luta é maior quando se ouve músicas que procuram se equilibrar entre as guitarras e os gritos de um Cramps, de uma leva pós-punk-gótica oitentista subterrânea e, mais recentemente, de bandas que trabalham muito bem o kraut e o punk, como os chilenos do Follaköid e os ingleses do Hookworms, e a sujeira garageira de um The People’s Temple. De alguma maneira, o Dreamdecay não parece atirar pra todo lado e se mostra uniforme e destruidor na mesma medida.

Destruição, aliás, que “Yú” caracteriza muito bem. Enquanto “N V N V N V” tinha peças macabras (e pesadas e ruidosas) como “NVEEDLE”, “Yú” é mais direto. Se o primeiro disco era um terror mais como “um filme B tentando ser ‘expressionismo alemão'”; o segundo disco é um “Massacre Da Serra Elétrica”, sem pudor algum de espirrar sangue e tripas na cara da audiência, mas ao mesmo tempo tendo a elegância suficiente pra ser “cult”, com o mesmo peso de escracho pra ser desprezado.

Ouça na íntegra:

“Yú” começa com a faixa-título já ligada na velocidade máxima. Barulho, ecos, sujeira, pra importunar os vizinhos – poderia ser a trilha preferida de Leatherface. Daí, quando a “No Answer” começa, você parece estar diante do Cramps tentando tocar algum metal desajustado. Não há lógica e não há respiro: o Dreamdecay quer só arrancar sua pele.

“Mirror” e “Bass Jam” até tentam se acalmar – a serra elétrica parece estar descansando – mas é bom não se iludir. Elas são mais soturnas e cavernosas, mas a carnificina come solta também por aqui. “Joy” é ironicamente um “kraut-punk”, por assim dizer (impossível de ser um deleite aos ouvidos não versados) e “Ian” dá três minutos de sossego ao ouvinte perseguido pelos fatais dentes de aço da máquina que trucida, e então se torna grandiosa.

“Witness : Allow” é fantasmagórica e “ARC” fecha em alta rotação esse trabalho estupendo.

O que mais surpreende na banda é a total falta de vontade de agradar qualquer base mínima de algum estilo específico. Quer tocar alto, com o quanto de distorção e barulho que puder e sem aliviar pra ninguém.

Nesse segundo disco, talvez o Dreamdecay tenha nascido pro mundo, a partir de duas culturas/idiomas dominantes e de uma sociedade alucinada por não-compreensão e desacordos. Ninguém se entende e a música de “Yú” é justamente baseada na falta de diálogo, nos ruídos e no atrito. O diacho é que essa mesma sociedade não pode viver assim pra sempre: antes do fim do embate ela precisa existir, sobreviver, levar algum tipo de vida “normal”. Com barulho ou sem barulho, no atrito e nas calmarias, na guerra e na paz, é assim que vive-se nos dias de “Yú”, um título que carrega justamente a esperança de sintonia e confluência.

Se o mundo permitir essa paz, talvez bandas como o Dreamdecay se tornem dispensáveis. Por ora, é o som que traduz a nossa carnificina cotidiana.

1. Yú
2. No Answer
3. Mirror
4. Bass Jam
5. Joy
6. Ian
7. F.R.A.N.K.
8. Witness : Allow
9. ARC

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