ENGRENAGEM #1: COIL – SCATOLOGY

Óbvio que “industrial” não é novidade pra ninguém, embora muitos tenham uma ideia confusa sobre o termo. A banda que escolhi pra inaugurar essa coluna foi uma das mais influentes nesse meio, principalmente no que diz respeito ao post-industrial (bandas que vieram numa “segunda leva”, a partir dos 80s, e mesclaram outros gêneros à ideia inicialmente concebida), supracitada por nomes que popularizaram a alcunha para o grande publico (embora sejam apenas influenciados por) como Nine Inch Nails, Ministry, Marilyn Manson etc…

Como rótulos nunca ajudaram muito, exceto para organizar suas prateleiras, vamos ao que mais interessa:

O Coil foi formado por dois integrantes do Psychic TV: John Balance, com sua incrível e penetrante voz, e nada menos que Peter Christopherson (Sleazy), um dos membros do Throbbing Gristle (grupo precursor do que veio a ser chamado industrial, e mais tarde de “early industrial”) e fundador da Industrial Records, que vale a pena ser garimpada. No cast encontram-se Cabaret Voltaire, Monte Cazazza, entre outros nomes que são no mínimo curiosos.

Veja “Catalan”, do Psychic TV:

“Scatalogy”, de 1984, foi o primeiro disco cheio do Coil. Veio logo após “How To Destroy Angels”, o EP de estréia, de onde, como se sabe, Trent Reznor retirou a alcunha de seu novo projeto.

O escolhi como primeira indicação desta coluna Engrenagem porque foi meu contato mais marcante com a banda – embora não tenha sido o primeiro.

Uma breve introdução ao disco

Após o agouro épico tecido pelo tema de “Ubu Noir”, uma construção sonora de certa forma “dadaísta” (assim como muitas outras faixas do disco), feita a partir de vários sons gravados separadamente e muito bem montados e que gruda na cabeça como se fosse possivel dar ritmo e melodia a uma sucessão de unhas arrastando-se em quadros negros, John Balance vem dar as boas vindas com um grito que antecede a emblemática frase “Anything will be alright / If you come out in the night”, que ao meu ver convida o ouvinte a abrir a mente e mergulhar sem medo na atmosfera que já começou a ser construída a hostis marteladas.

Ouça “Ubu Noir”:

“The only thing to fear is fear itself…” é a frase que encerra “Panic”, para começar “At The Heart Of It All”: um lamento instrumental de beleza ímpar, com agudos de arrepiar a dorsal. Na seqüência, temos a arrastada e penetrante “Tenderness Of Wolves”, com letra e participação de Gavin Friday (outro bom a ser garimpado).

No decorrer do disco, percebemos que os trejeitos noise do industrial casam perfeitamente com o dark ambient, num frenesi hipnótico acompanhado de beats sempre pontuais e pesados.

Ouça “Tenderness Of Wolves”:

Os vocais de John Balance, quando presentes, fazem o complemento perfeito à atmosfera pesada, que é muito bem construída com o auxilio dos samplers sabiamente implementados, desde barulhos de serras e ferragens (que por vezes são os próprios beats), a choros infantis e vozes que surgem do nada, criando uma atmosfera caótica e sombria com pequenos lampejos dançantes (influência do post-punk). São os casos de “Panic” ou “The Spoiler”. Hinos arrastados, como “Solar Lodge”, são instigantes e facilmente cantados a plenos pulmões.

“Scatology” conta com a “direção” participativa e inventiva do produtor James George Thirlwell (Clint Ruin ou Foetus, depende da ocasião), que já trabalhou com grandes nomes e possui um acervo de trabalhos que também vale a pena ser garimpado.

É um disco repleto de detalhes, para ser ouvido com a devida atenção. No meio de letras que passeiam por medo, sexo, obsessões, psicoses e afins – bem presentes na bagunça que é a cabeça do homem moderno -, não duvide de que encontrará boas sensações, mesmo que seja apenas o alivio proporcionado por um bom desabafo.

Posterior ao lançamento original, veio um relançamento em 1988 incluindo sua versão – pra mim a melhor de todas – de “Tainted Love”, de Ed Cobb, gravada pela primeira vez por Gloria Jones, em 1964. Ela foi originalmente lançada no single “Panic”/”Tainted Love”, de 1985, que foi pioneiro em ter suas vendas revertidas para a causa da AIDS. Uma versão arrastada, interpretada com aparente agonia e que, pra mim, deixa a versão popularizada por Marilyn Manson em meados dos anos 2000 no chinelo.

Veja “Tainted Love”, na versão do Coil:

Um pouco mais sobre o Coil

Quando descobri o Coil, logo me interessei por sua atmosfera enigmática. Não fora apenas pela estranheza que seus projetos anteriores já me causavam. Uma banda de poucas apresentações ao vivo – contam-se nos dedos, pelo que sei – mas de muitos discos e palavras, como dá pra conferir em algumas entrevistas facilmente encontradas na Internet. Uma banda sempre em movimento e com postura engajada.

Christopherson já me despertava interesse, antes mesmo de conhecer seus trabalhos com música, anos atrás, quando eu ainda era criança. Os trabalhos da Hipgnosis já me deixavam fascinado.

Com o tempo, o Coil passou a adentrar outros terrenos. No terceiro disco, “Love’s Secret Domain” (sim, LSD), fica mais marcante ainda a fusão do acid house com o industrial. Fez trilhas sonoras para trabalhos interessantes, como por exemplo para o primeiro “Hellraiser” e para alguns filmes do diretor inglês Derek Jarman. Lançou discos bem voltados para o drone, que são nomeados como se fossem outros projetos, embora sejam do Coil. São eles: “Time Machines”, “ELpH” e “Black Light District”.

A série de dois discos “Musick To Play In The Dark” também é bem interessante porque marca a divisão, segundo o próprio John Balance, entre a fase “Solar group” e a fase “Moon musick”.

Outro fato interessante eram os métodos curiosos de composição aos quais a banda se submetia. Alguns hoje em dia não muito inovadores, como ingestão de váriadas substâncias alucinógenas, a outros menos comuns, como privação do sono e dizem até que, de alguma forma, métodos de sonho lúcido, entre outras coisas.

Como ultima e triste informação, fica a de que nenhum dos dois membros do Coil continua entre nós. Ano passado Christopherson faleceu dormindo, segundo o que foi noticiado, e John Balance faleceu em 2004, após cair do segundo andar de sua casa. Mas como podemos ouvir, sua obra vive.

LP
Lado A
1. Ubu Noir
2. Panic
3. At The Heart Of It All
4. Tenderness Of Wolves
5. The Spoiler
6. Clap

Lado B
1. Solar Lodge
2. The Sewage Worker’s Birthday Party
3. Godhead=Deathead
4. Cathedral In Flames

CD
01. Ubu Noir
02. Panic
03. At The Heart Of It All
04. Tenderness Of Wolves
05. The Spoiler
06. Clap
07. Restless Day
08. Aqua Regis
09. Solar Lodge
10. The S.W.B.P.
11. Godhead=Deathead
12. Cathedral In Flames
13. Tainted Love (Ed Cobb)

Data da lançamento (EUA): 1984
Gravadora: Force & Form
Produtor: Coil
Tempo total (do CD): 55 minutos e 04 segundos

A coluna Engrenagem, por Cadu Tenório, é o espaço para o autor indicar um album/banda que flerte ou mergulhe no experimentalismo ou em gêneros menos difundidos, que soe informativa o suficiente para que o ouvinte/leitor possa ter uma noção maior do conceito ou “movimento” especifico. Um breve destrinche da banda/disco com suas possiveis influencias e vontades pincelando um curriculum de participantes e envolvidos. Sem esquecer de acrescer uma pitada de sensações e percepções pessoais.

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