ENTREVISTA: LOW DREAM – HONEY’S IS DEAD?

Enquanto se prepara pra uma série de shows com a Low Dream ainda em 2013, Giulliano Fernandez, líder da banda mais britânica e cabisbaixa que já nasceu no cerrado, lembra como era ser independente e barulhento há 20 anos, sem internet pra superdimensionar popularidade de banda, e ainda assim chegar aos fones de ouvido do maior astro do rock brasileiro.

“Por que esses caras choram tanto?”, perguntava uma resenha de “Between My Dreams And The Real Things”, primeiro álbum da Low Dream, publicada numa uma edição da Vice de alguns anos atrás que homenageava 1994, o ano da criação da revista lá fora. Eu não sei por que eles choravam tanto e se choravam. Mas a resenha era engraçada. E a banda fez um bocado de barulho nos anos 90, chegando a cutucar as orelhas do tal Renato Russo.

Mas no fundo eu entendi o que a resenha quis dizer. Que a melancolia carregada em centenas de tons de cinza do primeiro álbum da banda chegava a incomodar – pro bem ou pro mal. Que havia uma afetação na postura da banda, impressa nas músicas, que às vezes camuflava se o que havia ali era timidez/inadequação adolescente, se era uma posição idiossincrática cabisbaixa e melancólica em resposta ao que a música pop havia se transformado no início dos anos 90 ou se era apenas imitação da atitude blasé das bandas inglesas. Algo como “se o cara do Ride joga o cabelinho pra lá quando cai no olho enquanto canta ‘Twisterella’, e a música é do cacete, por que eu também não?”; ou “se o Kevin Shields parece que está só esperando o cara desligar a câmera no vídeo de ‘Only Shallow’ pra dar um tiro na cabeça, e ele é um gênio, eu também vou nessa”.

Mas aí o tempo passa, as bandas acabam, os negos criam família, emprego, filhos, pança, cabelos brancos, pressão alta, e a gente olha pra trás e lembra que a adolescência consegue ser ao mesmo tempo uma maravilha e um chute no saco. E que esse tipo de atitude, espontânea ou copiada, às vezes serve pra se posicionar, num determinado momento, diante de coisas que ainda não são possíveis de serem decifradas ou pra evitar a aproximação de idiotas. O que nem sempre dá certo.

E se a Low Dream tinha a companhia de outros deprimidos distorcidos nos anos 90, é porque a coisa encontrava eco em alguns cantos do país, porque falava com alguns, que se esbarravam em bares que pareciam banheiros pra ver essa gente branca e cabisbaixa chorar sobre as guitarras e os amplificadores queimados. Tem gente chorando por aí até hoje, e deve ser por isso que a banda topou arriscar uma volta este ano pra algumas apresentações, embora Giulliano Fernandez, guitarra e vocal, garanta não se tratar de um retorno, daqueles pra saudosistas. E chorões.

Textos e entrevista: Filipe Albuquerque – especial pro Floga-se.

Floga-se: Lembro-me que um dos zines da Low Dream trazia uma entrevista em que você dizia que a banda fazia tudo por contra própria, incluindo, claro, o zine. Você terminava a resposta dizendo “isso é ser punk“, numa referência clara ao DIY. Qual a influência do punk na sua busca pela música, antes, durante e depois da Low Dream?

Giulliano Fernandes: Eu gostava não somente do som punk cheio de fúria e atitude, mas também da liberdade artística de fazer o que fosse preciso pra mostrar sua música pro mundo. Este controle quase que total sobre nossa arte nos aproximava dos punks e isso me agradava bastante. Nunca fomos músicos virtuosos e nem os punks eram isso também, ou seja, mais uma ligação. Mas talvez a maior delas fosse o nosso total desinteresse por bandas progressivas dos anos setenta. O punk surgiu exatamente como um reação a tudo aquilo.

F-se: Imagino que a adolescência de vocês foi embalada por muito rock feito em Brasília, mas também pelo que vinha de fora – a chegada de discos gringos em Brasília é uma história recorrente quando se fala do circuito que nasceu aí nos anos 80. O que a turma que veio antes no rock de Brasília ensinou a vocês?

GF: Essas bandas de Brasília, principalmente a Legião, nos mostraram onde procurar música e conseguir música interessante. Viver em Brasília é diferente de viver em outras cidades. Estas bandas que você se refere sofreram uma forte influência do punk rock, sonoramente até bem mais que a gente, já que fomos mais influenciados pelo que surgiu depois, nos anos 80, o chamado pós-punk.

F-se: A crítica comum que atingiu bandas da sua geração (e algumas dos anos 80) era a de que havia um desejo exagerado de não apenas soar, mas de adotar uma “identidade” muito ligada a uma parte da cultura pop inglesa e americana. De certo modo, é como se jogassem sobre essas bandas um peso, uma obrigação de incluírem na estética adotada algum elemento nacional. Isso passou ao largo de vocês – até porque havia e sempre houve, desde o rock progressivo brasileiro dos anos 70, passando pelo punk etc. – muito porque havia público pra isso. Você acha que isso, em um determinado momento, com o seu amadurecimento, o dos outros integrantes, a chegada da idade, gera um certo aborrecimento? A ideia da Magnética trazia algo desse possível aborrecimento com a necessidade (se a gente pensar em uma certa cobrança ou identificação dos fãs de vocês) de soarem e se comportarem com algo mais ligado a cenas internacionais? Pergunto isso pq até hoje vocês são chamados como a banda mais inglesa que já surgiu no Brasil…

GF: É verdade. Havia uma reação de alguns críticos ao fato de algumas bandas terem esta postura “gringa”. Sempre achamos isso tudo uma grande besteira. Nós não éramos ingleses ou norte-americanos e nem queríamos ser nada disso. Pelo contrário, sempre amamos a realidade de sermos brasileiros. Ninguém queria morar na Inglaterra ou nos EUA e falar inglês o tempo todo. Mas esses críticos acreditavam que estávamos traindo nossa cultura pelo simples fato de gostarmos de rock (veja que a palavra é em inglês) e porque nós fazíamos exatamente o rock feito na Inglaterra ou nos EUA. Ironicamente eles gostaram do rock feito naqueles países, mas talvez fosse pecado fazer o mesmo rock aqui. Mas isso nunca tirou nosso sono ou nos preocupou. Já o projeto paralelo Magnética surgiu depois que a Low Dream já tinha conquistado seu espaço. Na realidade, antes da Low Dream eu montei algumas outras bandas e algumas delas faziam rock cantado em português. Em uma das últimas entrevistas do Renato Russo, ele declarou que gostava muito da Low Dream, mas que as letras eram tão “sintéticas” que a banda poderia cantar em português. Disse também que a Legião tentava fazer algo parecido com nosso som e não conseguia. Isso foi um grande elogio pra gente. Digamos que eu atendi ao pedido dele e fiz o projeto paralelo. Recentemente colocamos na web um link com as três músicas que gravamos em um CD demo em 1997 pra que todos pudessem ouvir este trabalho, que ficou esquecido durante anos. O resultado mostra um amadurecimento sonoro incrível. Isso também era notado em algumas novas músicas da Low Dream que nunca chegaram a ser gravadas.

“My Dear Ocean” (demotape):

“I Never Had Sugar Dreams” (demotape):

F-se: Quando te surgiu a ideia da Low Dream? O que se transformou na Low Dream surgiu pra você quando e como? A banda era um projeto seu? Como foi transformar isso em algo que pudesse ser executado ao vivo e registrado em demo e depois em CD?

GF: Minha ligação com música sempre foi muito forte desde criança. Eu montei milhares de bandas imaginárias até que elas começaram a se transformar em realidade na minha adolescência. Eu via alguém com “cara” de roqueiro na rua e imediatamente eu me aproximava e queria saber que tipo de música ele ouvia. Dependendo da resposta, o “cara” virava meu amigo e em seguida integrante da minha banda. Isso aconteceu milhares de vezes. Fiz grandes amigos e inimigos também, já que eles podiam ser expulsos da “banda” caso alguma hora eles falassem que gostavam de Led Zeppelin, de hard rock ou progressivo. Em determinado momento eu montei as peças certas do quebra-cabeças e tudo começou a funcionar como eu acreditava ser o certo. O nome Low Dream estava guardado para isso. Foi no final de 1991, em plano surgimento do chamado grunge, que pra mim não passava de um revival punk com doses fortes de hard rock.

F-se: Na sua entrevista ao blogue Na Lista você conta o início da Low Dream, suas referências vindas do punk, os primeiros passos da banda em Brasília e algumas rusgas entre os grupos locais. Como o contexto de Brasília no fim dos anos 80 e durante os primeiros anos da década de 90 ajudaram a formar o caráter da banda, sobretudo o desejo de manter aberto um canal de comunicação com os fãs?

GF: Bem, ser totalmente independente – ou “indiependente” – exigia um certo sacrifício pessoal também. Nós vivíamos – e ainda vivemos – isolados no interior do Brasil. Uma capital que nem todos os brasileiros conhecem de fato. Como tínhamos um som diferenciado de quase tudo que era feito no Brasil na época, tínhamos também fãs diferenciados e eles mereciam uma atenção diferenciada e autêntica. O tal do it yourself (DIY) era mais real aqui do que em muitas bandas que se diziam “indies” e dependiam em tudo de uma grande gravadora. Fato é que nunca gostamos deste título de “banda mais inglesa do Brasil”. Isso pra gente sempre foi uma piada arrogante. Queríamos apenas fazer nossa música e levar pro maior número de pessoas que tivesse interesse em ouvir e gostar. Infelizmente, alguns obstáculos de estrutura da época impediram que fosse da forma como imaginamos. Mas realizamos muitas coisas e ficamos felizes com o resultado. Acreditamos que fizemos nossa parte e muitas pessoas entenderam o recado. Hoje em dia este canal com os fãs pode ser chamado de rede social. A Low Dream existiu em um tempo que não havia nada disso, então era preciso criar algum tipo de canal de comunicação e isso foi feito.


Foto feita exclusivamente para matéria do jornal Correio Braziliense, no parque Nicolândia, em Brasília – 1995 (fonte: arquivo da banda no Facebook)

F-se: Como foram as gravações das demos? Como era lidar com estúdio naquela época, com – imagino – engenheiros de som e técnicos que nem sempre entendiam o som de vocês?

GF: Inicialmente isso foi um pesadelo. Criar em estúdio e ao vivo uma sonoridade compatível com a estrutura das bandas que gostávamos era incrivelmente difícil. Os produtores e técnicos de som achavam que nós éramos ETs. Foi algo muito complexo que fomos aprendendo a lidar com o passar do tempo. Mas nós apanhamos e brigamos muito pra aprender. Em alguns momentos chagamos a deixar os estúdios de gravação ou abandonar os shows na metade tamanha era a falta de estrutura mínima pra que pudéssemos mostrar nossa música. Ironicamente, a banda “terminou” exatamente quando estava fazendo os melhores shows e sabendo usar melhor os recursos dos estúdios.

F-se: Imagino que vocês enfrentassem dificuldades técnicas pra conseguir construir o som de vocês, tanto em estúdio quanto ao vivo. Como faziam pra inserir no álbum distorções, reverb, camadas etc.? Havia equipamento suficiente ou contaram com improvisos? E ao vivo? Havia muita tensão entre a banda e os responsáveis pelo som das casas onde tocavam? Como resolviam esse tipo de questão?

GF: Sempre houve muita tensão neste aspecto técnico. Entrávamos no palco sempre com a dúvida de que iria dar tudo certo. Era sempre uma surpresa. Acabou isso ficando até divertido. Muitas vezes brincávamos entre a gente sobre a situação. Era extremamente difícil conseguir o nosso equipamento naquele época. Tinha a questão financeira e também a parte de não encontrar facilmente no Brasil o tipo de equipamento desejado. Mas aos poucos fomos montando nosso setup de estúdio e palco. Fomos improvisando formas de tocar e gravar nosso som até chegar a um resultado que nos agradava. Hoje em dia vejo o guitarrista do Jô Soares usando uma Fender Jaguar… Naquela época falar nesta guitarra sempre causava espanto nos vendedores de loja ou até mesmo em outros músicos.

F-se: Você consegue se lembrar de como foram as gravações da demo “Dreamland” e do primeiro álbum? Como era o clima entre vocês na época? Quais as expectativas que vocês depositavam na demo (“Treasure” rolava no lado B da MTV) e depois no álbum, com o suporte da Rock-it?

GF: Não lembro de quase nada da gravação da demo. Sei apenas que as músicas foram gravadas em sessões separadas. Gravamos e mixamos uma música de cada vez, em dias diferentes. Acho que o clima era dos melhores naquela época. Queríamos apenas fazer nossa música. Não havia preocupação com mais nada. A música “Treasure”, que esta na primeira demo, se destacou bastante e acabamos fazendo um elogiado videoclipe que passou muito na MTV, que havia acabado de chegar ao Brasil. Isso fez nossa música chegar aos grandes centros e chamar a atenção. O primeiro álbum, como disse antes, teve uma parte boa, mas também a fase traumática. Lembro bem das gravações e dos momentos de tensão. Claro que se você for ouvir o primeiro disco hoje, vai notar que havia algo estranho naquele momento. Há grandes músicas naquele disco, mas nem todas, são fáceis de encontrar. Mas isso tudo foi resolvido.

Ouça “Treasure” (demotape):

F-se: Ainda sobre o som ao vivo, não havia, no começo dos anos 90, essa quantidade de pedais à disposição, pelo menos nas lojas brasileiras. Me lembro que uma vez você me disse, em carta, que um dos pedais preferidos e fundamentais pro som da banda era uma versão original do Bigmuff, fabricado na Rússia. Como era a busca de vocês por equipamentos – acho que você foi um dos primeiros guitarristas de banda shoegaze/noisepop a usar uma Jazzmaster)?

GF: Sim. Era complicado conseguir os equipamentos naquela época. No Brasil só se encontrava algum modelo de guitarra mais comum como uma Stratocaster ou Telecaster. Consegui comprar uma Fender Jazzmaster nos EUA e aquilo fez muita diferença no nosso som. Também consegui pedais mais raros que podiam sustentar nossa sonoridade. Dependíamos da boa vontade de amigos e familiares que fossem viajar pros EUA e pra Europa pra trazer este equipamento. Sem contar o pagamento de altos impostos pra se entrar com este material no Brasil. Hoje em dia estes equipamentos podem ser encontrados facilmente em lojas brasileiras e mais ainda na Internet. Isso era inimaginável na época.

Vídeo de “From The Ocean Inside Your Bewitched Eyes”:

F-se: Você já disse que o “Between My Dreams And The Real Things” saiu um ano depois da data que deveria ter sido lançado por problemas com a Rock-it (material gráfico, certo?). Vocês tiveram suporte do selo pra sair em turnê ou tudo foi bancado por vocês ou pelos lugares que os convidavam pra tocar? Como foi esse período de divulgação do disco?

GF: Não, nós não tivemos suporte algum do selo. Nosso disco saiu com um ano de atraso e quando praticamente já tínhamos desistido dele. Estávamos fazendo nossos shows e trabalhando em novas músicas quando o primeiro disco saiu. Ele foi enviado para lojas e supermercados que não tinham a mínima ideia do que se tratava. Fomos abandonados por todos, menos pelos nossos amigos e por nossos fãs. Isso fez com que a gente continuasse buscando fazer nossos shows e nossas músicas, independente de qualquer outra coisa.

F-se: Lembro-me de vocês no Juntatribo, não me recordo se em 93 ou 94. Lembro ainda que as meninas do Drivellers, da Midsummer Madness, cujo som estava mais alinhado com o que vocês faziam do que com as demais bandas do festival, enfrentou problemas com o público, talvez mais interessado nas bandas de HC. Como foi pra vocês a experiência do Juntatribo? O festival foi o primeiro passo de afirmação de um subterrâneo da música pop no país, e mesmo não tendo passado das duas edições (não me lembro se houve uma terceira), foi o início de alguma coisa, de que havia possibilidade de se seguir independente, ainda que isso custasse bancar os próprios custos… O que o festival sinalizou pra vocês naquele período?

GF: Participamos das duas edições do Juntatribo. Foi um festival histórico. Talvez mais a primeira edição… Era uma época muito complicada pro rock no Brasil ao mesmo tempo que havia um ressurgimento deste rock. Mas foi muito importante. Fomos lá mostrar nosso som e apesar deste público mais interessado no hardcore, acredito que foi algo positivo. Tinha muita gente ali interessada também em outros sons que não fossem hardcore. É natural que em um festival se tenha as preferências. Saímos do palco com a sensação de dever cumprido. Fomos os estranhos no ninho, mas era legal sermos diferenciados de todo o resto. Fazer parte do comum nunca foi nosso objetivo.

Vídeo de “Precious Love”:

F-se: Vi vocês em SP duas vezes – abrindo para o Pin Ups no Aeroanta, ainda na época do “Between…”, e depois, já na fase quarteto, do “Reaching For Ballons”, no casarão da Paulista. Como era rodar pelo país naquele período? Em quais capitais vocês encontravam maior receptividade pro som que faziam, bandas afins e público interessado, e quais eram mais difíceis?

GF: Hum… Aquele show no Aeroanta foi muito legal, talvez um dos melhores nossos em São Paulo. Havia uma energia e uma expectativa com a banda muito boa. Estávamos muito nervosos porque era um show maior do que estávamos acostumados. Mas tudo deu certo. Também lembro deste show no casarão da Paulista. Eu havia tocado com a banda em Curitiba no dia anterior e fiquei por lá mais um tempo. Os outros integrantes da banda foram antes pra São Paulo. Eu quase não consegui chegar pro show. Todos já estavam no palco quando eu cheguei pra montar meu equipamento. As turnês eram cansativas, mas divertidas. Tocávamos mais em São Paulo e Paraná, incluindo aí as capitais e cidades do interior. Não sei dizer o que foi mais difícil. Algumas vezes parecia que seria mais complicado, mas dava tudo certo e todos curtiam muito. Uma vez tocamos em Foz do Iguaçu e tínhamos a certeza que o show seria um fracasso, mas não foi… Muito pelo contrário, foi muito animado. Talvez os shows no Rio fossem os mais complexos… Talvez fosse natural as pessoas curtirem mais a praia do que qualquer som de banda brasileira “querendo” ser inglesa. Mas mesmo estes shows deram certo.

F-se: Você comentou uma vez, em uma entrevista, que a entrada do segundo guitarrista não foi das mais fáceis. Houve dificuldade na transição do formato trio para quarteto? Quais os principais problemas vividos nesse período?

GF: Houve um problema de adaptação, o que foi perfeitamente natural. Antes do Luís Eduardo entrar, a gente já havia testado outras possibilidades também com outros guitarristas. Fomos um quarteto com a participação de uma garota por um tempo. Mas este formato só foi funcionar mesmo com a entrada do Luís, apesar das dificuldades iniciais de adaptação. Ele foi nosso roadie de palco por um breve período, então aprendeu rápido o funcionamento de todo o nosso esquema.

F-se: “Reaching For Ballons” traz outra abordagem, mais pop, menos etérea, sem perder a identidade da Low Dream. O que levou à mudança do som?

GF: Acredito que foi justamente o fato de dividir as partes de cada um dentro da construção das músicas em estúdio e ao vivo. Mas foi maravilhoso quando tudo se encaixou e pude ser mais vocalista do que guitarrista ao vivo. Confiar em outro músico pra fazer uma parte que eu estava acostumado a fazer dentro da estrutura da música não era algo fácil. Foi muito gratificante quando tudo deu certo e ele se adaptou perfeitamente.

“What We Feel”:

“Ultra Violet”:

F-se: Em algum momento, com um som mais “palatável”, você imaginou que a barreira do idioma pudesse cair e a Low Dream, junto de outras bandas da época, Wry, Pin Ups, Second Come, pudessem chegar a outro patamar, com maior reconhecimento da crítica e quem sabe até alguma sinalização de gravadoras? Ou isso ficou pra quando você decidiu criar a Magnética?

GF: Não achamos que era mais pop. Achamos que as músicas estavam mais elaborado e direto. Era um amadurecimento natural. Nos tornamos melhores músicos e também mais experientes com certeza. Apanhamos muito pra aprender certas manhas de estúdio e também pra execução das músicas nos shows ao vivo. Muita gente que dizia que ao vivo a Low Dream era uma banda menos interessante teve que rever a opinião depois de “Reaching For Balloons”. Fizemos as músicas durante turnês, então elas foram exaustivamente testadas ao vivo antes de serem gravadas em disco. Foram pensadas nas formas de execução delas ao vivo e em estúdio, mas em ambas as situações elas precisavam estar funcionando muito bem.

F-se: Você sempre se declarou um fã da Legião Urbana. Como foi receber o contato da Rock-it, do Dado, pra lançar o primeiro disco? Como foram as tratativas pra que o disco fosse lançado?

GF: A Legião Urbana explodiu nacionalmente quando eu era um adolescente. Sempre tive muito orgulho da banda ser de Brasília porque eu entendia muito bem o que eles tinham vivido aqui. De certa forma, nós sentimos as mesmas coisas, embora em épocas diferentes. Foi uma grande honra ser convidado pra lançar um disco pela Rock-it. Foi a partir disso que nosso primeiro disco chegou aos ouvidos do Renato Russo, que pra nós sempre foi um grande artista do rock nacional. Eu tive que ir ao Rio assinar o contrato na casa do Dado Villalobos e aquilo era algo fantástico. Foi um momento muito feliz da nossa história. Infelizmente o disco demorou muito pra sair porque tivemos os mais diversos tipos de problemas burocráticos e também na parte gráfica. Eram problemas que estavam além do nosso controle, então trouxeram uma fase de muita confusão e sofrimento pra gente. Acredito que superamos isso somente após o lançamento do nosso segundo disco, que foi por nossa própria gravadora. Isso foi nossa independência total do sistema.

“Balloon Head”:

F-se: A Magnetica era pra ser uma ideia paralela à Low Dream ou era algo que substituiria a banda? Acho que você chegou a dizer que a entrevista em que o Renato Russo dizia que vocês poderiam cantar em português levou você a pensar na Magnética, é isso? Quais eram as suas expectativas com o trabalho?

GF: Não. Absolutamente. Não houve esse pensamento em nenhum momento. Como eu disse antes, a Magnética era um projeto paralelo. Foram outros motivos que me levaram a tornar realidade esta segunda banda. Talvez por questões de idioma e, claro, por não sofrer com o preconceito dos puristas/nacionalistas da época, a Magnética se tornasse maior que a Low Dream e esta se tornasse o projeto paralelo. Mas isso jamais saberemos. O fato é que a Low Dream foi longe demais e alcançou coisas que eu nem imaginava conseguir com aquele tipo de som naquela época. Mas teve gente que foi mais além alguns anos depois. Aquela banda Cansei De Ser Sexy deu uma porrada na cara dos nacionalistas/puristas… Eu não gosto do som, mas eles têm um grande mérito de ter feito isso. Hoje em dia ninguém critica o fato de uma banda cantar em inglês no Brasil. Acho que aqueles críticos da época devem ter se aposentado ou morrido. O fato é que não fazem falta alguma. De qualquer forma, nunca perdemos nosso sono por causa deles.

F-se: Você chegou a ter algum contato com o Renato Russo? Se sim, como foi?

GF: Não. Fui a shows da Legião aqui e no Rio. Mas nunca conversamos. Eu era amigo de um roadie dele que sempre me falava que ele gostava bastante da Low Dream, mas eu achava que ele estava mentindo até ler algumas entrevistas do Renato em que ele realmente elogiava bastante a minha banda.

Vocês chegaram a fazer alguma apresentação com a Magnética?

GF:– Não. Fizemos algumas músicas e gravamos uma demo. Mas a Low Dream acabou antes mesmo que essas músicas fossem mostradas pro mundo, então ficaram esquecidas. Nem chegamos a ter um repertório mínimo para um show da Magnetica.

F-se: Você disse na entrevista do Nome na Lista que em determinado momento você disse aos companheiros da Low Dream que não queria mais subir num palco pra tocar esse tipo de música, não queria mais sair do palco “deprimido”. O que te deprimia naquele momento: as condições inadequadas das casas noturnas que recebiam esse tipo de som? A falta de público? O não reconhecimento da crítica…

GF: Acredito que foi tudo isso junto. Eu estava cansado. Nos transformamos em pesos pra nossas famílias. Há um momento em que se você se propõe a se sustentar da sua arte e sua família aceita isso, então é preciso realmente ganhar dinheiro suficiente pra pagar suas contas e viver com dignidade. Mas isso ficou complicado a partir do momento que nosso som não era pop ou comercial o bastante pra gerar renda no Brasil. A carga emocional das nossas músicas já era algo pesado. Digamos que melancolia era matéria-prima pra belas letras e melodias, mas havia um preço a se pagar por isso. Em determinado momento isso se tornou pesado demais pra ser carregado e eu decidi que deveríamos silenciar nossas guitarras. Foi uma decisão dolorosa e extremamente difícil, mas foi necessária. Criamos outras possibilidades para nossas vidas.

F-se: Li um comentário pouco depois que a banda acabou de que você tinha vendido os equipamentos. Se isso de fato aconteceu, foi uma espécie de libertação do que pode ter sido pra você uma amarra durante um tempo? Digo isso pensando no que você disse no Nome na Lista, quando não queria mais subir num palco pra tocar esse tipo de som, sair deprimido etc…

GF: Não. Eu vendi meu equipamento porque eu estava sem dinheiro mesmo. Não teria feito isso se não estivesse precisando. Não vou romantizar o que não existe. Foi pura necessidade.

F-se: Vocês ensaiam uma possível volta. O que leva vocês a se juntarem novamente pra tocar as músicas dos discos já lançados? Qual a sensação que isso te traz hoje?

GF: Não encaramos essa possibilidade de shows como uma volta da banda. Se isso acontecer mesmo, serão apenas alguns shows. Vivemos outra realidade hoje e não dependemos de cachês de shows da Low Dream, então estas apresentações servem apenas pra nossa diversão e a alegria de algumas pessoas que gostavam do nosso trabalho. Mas a questão logística pra esses shows ainda é muito complexa. Nós não brigamos no final da banda em 1997. Todos os integrantes são amigos e mantém contato até hoje, mas um mora em São Paulo. Pra que esses shows se tornem realidade vamos ter que criar um parêntese nas nossas vidas pessoais pra realização de ensaios. Sem contar que vamos ter que emprestar e comprar muitos equipamentos, pois não temos mais quase nada daquela época. Está me parecendo que a sensação vai ser muito boa. Estamos empolgados com essa possibilidade.

F-se: Você consegue identificar o significado da Low Dream no universo independente? Vê algum tipo de pioneirismo, numa época pré-Internet, no fato de terem estabelecido uma rede de contato com os fãs via correio?

GF: O que posso dizer? Tenho muito orgulho do que fizemos. Acho que fomos pioneiros em muitos aspectos. Mas houve um trabalho exaustivo feito por diversas bandas em épocas diferentes. Não é mérito somente nosso.

LOW DREAM
Cidade: Brasília (DF)
Ano: 1991-1998

Giulliano Fernandes (vocais/guitarras)
Luis Eduardo (guitarras)
Samuel Lobo (baixo)
Giovanni Fernandes (bateria)

DISCOGRAFIA
“Between My Dreams And The Real Things”
Ano: 1994
Selo: Rock-it

01. Lose My Dreams (In A Deep Blue Sky)
02. Chasing A Butterfly
03. My Garden
04. Sugar Drops (Song For A Fairy)
05. Only A Finest Breeze
06. I Never Had Sugar Dreams
07. Precious Love
08. Watching Caroline’s Dream
09. Treasure
10. Candy

“Reaching For Balloons”
Ano: 1996
Selo: independente

01. From The Ocean Inside Your Bewitched Eyes
02. A Sky Between Us
03. These Little Things Touch Me Everytime
04. Rocket Ride
05. Shine
06. Me And My Friend Rain
07. Balloon Head
08. Trois Millions D’Etoiles
09. Acid Trip Smile
10. What We Feel
11. Ultra Violet

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Comentários

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12 comentários

  1. Entrevista foda! Se rolarem mesmo esses shows, vou certo, sou grande fã da banda.

    Uma dúvida: Pq o show da Low Dream não aparece nas gravações do JuntaTribo II, de 1994? Tenho o video do festival, com quase 4h de gravações, mas eles não aparecem… Gostaria de ver alguns registros da época.

  2. Peraí que já estou subindo via WeTransfer, mas apenas os CDs 1 e 2, por causa do limite. Amanhã vai o CD 3. Assim que estiver pronto, passo o link, já está em 80%

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