ENTREVISTA: MENT – ACCEPTANCE LETTER (LANÇAMENTO DO VÍDEO)

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Quem tem percorrido o rolê independente de São Paulo nesses últimos anos pode ter notado que Ment é uma das bandas mais ativas por aí. Trazendo uma energia visceral, o quarteto paulista aposta muito num legado independente inaugurado, principalmente, nos anos 1990 pelas bandas que decidiram aplicar a ética do “faça você mesmo” do punk rock em outras vertentes da música alternativa, moldando melodias e letras a partir duma perspectiva da pressão social etc.

A banda – Alexandre Martuscelli (guitarra e voz), Felippe Alencar (guitarra e voz), Willian Gomes (baixo) e Marcelo Müller (bateria) -estreia seu clipe nesse dia 15 de outubro de 2019 e eu troquei uma ideia com o Alexandre sobre o disco que vem por ai, o videoclipe e as perspectivas comunitárias na política conturbada que temos vivenciado.

Este primeiro single segue o conceito de buscar uma característica singular dentro do repertório do Ment, considerando que cada música no álbum de estreia possui um processo de composição diferente, contudo, “Acceptance Letter” foi a única cujo arranjo e letra foram finalizados conjuntamente durante o seu registro, dando a esta uma consistência única que fez com que a banda a escolhesse como primeira amostra do disco.

“Backyard Days”, álbum que conta com produção assinada integralmente pela própria banda e arte por Julia Kaffka, tem lançamento previsto pro início de novembro de 2019.

A direção é de Priscila Bernardes (que também assina a produção, a montagem, com Alexandre Martuscelli, e a fotografia) e da banda. Dia 19 de outubro, a Ment se junta à Carbônicas e Imperial Pilots, pra um show de lançamento do clipe, em São Paulo (veja a página do evento aqui).

Veja o clipe aqui e leia a entrevista abaixo:

Floga-se: Como começou seu relacionamento com as guitar bands dos anos 90 e como você acha que isso ressoa na Ment?

Alexandre Martuscelli: Com as guitar bands, tudo começou mais ou menos em 2005 (ou 2006), quando um amigo meu, primo do vocalista do Street Bulldogs, me arrumou um porta-CD cheio de bandas e coletâneas, eu ainda tava numa fase meio HC melódico, então Hateen da fase do “Dear Life” foi o que me abriu o universo. Nesse mesmo porta-CD, tinha o “Servil”, do Ludovic, que me levou pro Shed, e aí Pindamonhangaba descobriu São Paulo (risos). Wry foi um achado também, enfim! Isso chega ao nosso som mais como um tipo de característica em comum, banda brasileira de rock alternativo que canta em inglês, guitarras altas etc. E outra coisa que tem que ser lembrada é que boa parte dessas bandas ou continuou na ativa, ou se reuniu recentemente e voltou à ativa, tipo Mickey Junkies, Pin Ups… A gente acaba se trombando e frequentando os mesmos rolês, tocando junto.

F-se: Falando nisso, como você acha que tá o rolê pra bandas independentes e novas? Se puder, também, fale um pouco sobre como a ética do faça-você-mesmo é espalhada pela banda.

AM: Olha, eu acho que tá todo mundo construindo um espaço massa, coletivamente, inclusive abrindo seus próprios espaços. É muito difícil chegar em um fim de semana e não ter pelo menos três ou quatro shows de bandas diferentes em diferentes lugares, e que você gostaria de ir. Faça-você-mesmo, hoje em dia, é realidade de todo mundo que toca um som fora daquilo que é vendável no mainstream. A gente tá vivendo uma baixa no rock pra mídia, e isso tem a ver inclusive com os quadros políticos e econômicos. Se você toca rock, em inglês, e opta por não fazer música que toque em rede de fast fashion ou propaganda de banco, esquece. Vai ter que se digladiar com os algoritmos de divulgação das redes sociais por si próprio. No caso do Ment, a gente sentiu a necessidade de gravar, mas ao mesmo tempo o peso da falta de grana. Fazer um full de dez músicas num estúdio que correspondesse ao que a gente queria chegar era bastante inviável, conforme as nossas rendas pessoais. Então, a gente foi ao longo dos últimos dois anos comprando uma interface de áudio aqui, um microfone ali, dividindo por quatro, estudando sobre gravação caseira, fazendo alguns experimentos. Se você pega a demo “Fitzgerald Can’t Be Wrong”, passa pro single “Meerhout, 2013”, e agora pra “Acceptance Letter”, ou o que está por vir no “Backyard Days”, o salto de aprendizado é gritante. O que não conseguimos produzir nós mesmos, a gente procura o contato de amigos próximos, e tenta estar o máximo envolvido. Os dois clipes foram feitos pela Pri (Priscila Bernardes), minha namorada, que já trabalha com audiovisual há uns sete ou oito anos, e sempre teve vontade de filmar bandas, e as artes até então eram nossas aventuras de Photoshop. Pra ilustração do “Backyard Days”, aí não. A gente chamou uma amigona nossa, a Júlia Kaffka, que apoia a gente desde antes de sermos uma banda. Então é bem isso, a gente acaba criando laços quase que familiares entre si e com as pessoas que estão envolvidas. Coisas boas e que confortam.

F-se: Quando eu li suas letras eu achei muito, muito literárias. Como tá envolvido o mundo de ser provavelmente um grande leitor com questões tão sérias como você trás?

AM: Bom, boa parte das letras trata de situações pessoais, sejam elas vividas, imaginadas, certas doses de nostalgia, também a compreensão e a busca de como lidar com situações adversas, mesmo que a adversidade seja nosso próprio psicológico e a capacidade de autossabotagem. Claro que isso é o contexto particular e micro de nossas relações sociais. No macro, o mundo anda bem esquisito, né? Parece que a gente tá cada vez mais próximo de uma crise, ou até que a gente já tá nela, mas como a situação vai piorando lenta e paulatinamente, a gente só se dá conta (ou só vai se dar conta) quando o estrago for realmente catastrófico. Então, no fim das contas, a gente luta contra isso mesmo. A gente tá empobrecendo, tendo menos trabalho disponível, aluguel começando a ficar inviável pra muita gente, falta de perspectiva, geral com endividamento. E é essa a nossa geração, nosso contexto diário. As letras se direcionam naturalmente a isso

F-se: Como foi o processo de gravação do próximo disco? Vocês tinham algo em mente ou foi “vamos ver o que acontece”?

AM: A gente foi deixando rolar. As composições estavam em amadurecimento, tínhamos aprendido um pouco mais sobre gravação DIY, e estávamos convencidos de que tinha que ser um full, deixa essa de EP pra lá, tem que ser um full. E aí a gente foi tateando em como trabalhar produção. E fomos fazendo como achávamos que seria. Tudo no quintal da avó do Marcelo. Teve uma tarde que o Marcelo virou pra mim e disse “não to satisfeito com o timbre da sua guitarra”. A gente pegou e regravou tudo até ficar bom pro nosso gosto.

F-se: Como foi abrir pro Mineral? Tipo, como vocês estavam meia hora antes de piar no palco?

AM: Foi uma sensação muito louca, a gente chegou lá no auge da empolgação, meio descrente do rolê que a gente ia participar. Acho que a ficha não caiu ainda, pra mim. O voo dos caras atrasou um pouco, e aí o Marcelo foi chamado pra acertar o som da bateria. Depois eles chegaram, vimos a passagem de som, troquei uma ideia com o Gabriel (Wiley, baterista do Mineral) sobre os protestos sobre o clima e a segunda-feira apocalíptica pós-dia do fogo. Meia hora antes de tocar, a gente tava lá montando nosso setup. Eu tava com a ansiedade em mais de 8000, mas aí a hora que a gente começou, a coisa mudou de figura! Tinha gente cantando nossas músicas, rolou uma invasão de palco. Foi sem dúvidas um dos nossos melhores shows e mais memoráveis.

F-se: Como quem viu o show, eu achei tudo muito incrível! Como você acha que essa sensação de comunidade é importante nestes dias tão difíceis politicamente?

AM: É confortante saber que não se está sozinho, e que sempre vai ter gente com quem se possa contar, e que você pode fazer parte de algo e ter seu espaço. Vi o (jornalista) Glenn Greenwald dizer uma vez que a coragem é construída coletivamente, e pra mim, a motivação pra encarar esses tempos de cabeça erguida, é por si só um exercício de coragem. Apesar da gente não ser uma banda de temática política explícita, não há razão de se ausentar ou tomar uma postura isenta. Tá todo mundo sendo afetado negativamente de alguma forma, e se calar sobre isso foge do que eu tomo pra mim como ético.

F-se: Fala pra gente como rolou a ideia do clipe, por favor.

AM: O Marcelo tinha uma ideia de juntar uns amigos nossos e pedir um vídeo de cada um deles cantando um trecho da música. E a gente tinha quase batido o martelo disso. Eis que o PUP lança aquela obra-prima chamada “Free At Last” (veja aqui). Mas a gente viu que a ideia já era, ou a gente adaptava. A gente também não tinha terminado de gravar o álbum e nem decidido que música seria. E aí veio a ideia da performance aleatória, o fundo verde, e a coisa evoluiu pra uma festa na casa da Pri com um monte de gente fazendo maluquice ou sendo orientada pra isso (risos). A gente só descobriu como ia ser o clipe quando ele acabou.

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