ESTARIA A PRODUÇÃO MUSICAL PRESA NUM LOOP DE NOSTALGIA?

Do fetichismo dos sintetizadores vintage da trilha de “Stranger Things”, a série de enorme sucesso da Netflix, ao renascimento do TB-303, da Roland, a produção musical de 2016 parece obcecada com o passado.

Porém, num artigo publicado na Fact Magazine, em dezembro de 2016, o articulista de tecnologia Scott Wilson argumenta que a inovação na tecnologia musical é melhor agora do que tem sido nos últimos tempos.

A seguir, o artigo publicado:

Com a confusão e a angústia de 2016, olhar pro passado fez as coisas parecerem um pouco menos difíceis. Uma das viagens mais agradáveis da nostalgia deste ano foi a série “Stranger Things”, da Netflix, e não apenas porque remetia a um velho filme de Steven Spielberg: a excepcional trilha de Kyle Dixon e Michael Stein pegou a influência das trilhas dos anos 80 e criou algo familiar e estranho, um confortável John Hughes-encontra-John Carpenter feito com sintetizadores analógicos vintage, como o Roland SH-101, Korg Mono/Poly e o ARP Odyssey.

Esses sintetizadores e muitos outros vindos dos anos 1970 e 1980 têm sido cobiçados pelos produtores por conta de seus circuitos analógicos de verdade, na crença de que eles ofereçam um tipo de som que não se consegue com seus parceiros digitais.

Mas são sintetizadores caros pra serem comprados usados, e nos últimos anos, empresas como a Roland, a Korg e a Arturia têm lentamente revisitado e repaginado a tecnologia do passado, com software, hardware que usa emulação digital, e novos sintetizadores analógicos que não esvaziam o bolso do comprador. Qualquer artista inspirado em Dixon e Stein pode fazer sua própria trilha de “Stranger Things” se quiser, e sem ter que gastar fortunas pra comprar os sintetizadores originais.

Em 2016, esse desejo de revisitar o passado parece ter atingido seu auge. Provavelmente, o maior lançamento de hardware no mundo da tecnologia da música este ano foi o TB-03, da Roland, uma réplica do famoso sintetizador lançado em 1982. O TB-303 original, de onde o TB-03 se espelha, é o sintetizador de graves que acidentalmente criou a acid house, e ainda mantém um fascínio entre os produtores de hoje. Emparelhe com uma bateria eletrônica e é muito fácil fazer boa dance music. É divertido, soa ótimo em um sistema de som parrudo, e nos deixa longe da tela do laptop.

Sobre o TB-303, vale ver esse mini-doc:

E aqui uma detalhada resenha sobre o repaginado sintetizador, agora chamado de TB-03:

Mas existe alguma necessidade de um novo 303 em 2016? Ou a réplica da bateria eletrônica de trinta anos que a acompanha?

Nas mãos certas, não há nada de errado com hardware vintage ou réplicas de prateleira. Dixon e Stein a parte, artistas como Aphex Twin e Legowelt continuam a provar que você pode criar música brilhante a partir de ferramentas clássicas. Mas a obsessão de Roland e Korg com o passado não gera muito incentivo pra fazer avançar a tecnologia ou a música eletrônica. Este ano, empresas de software como Native Instruments e Output criaram novos softwares capazes de produzir sons bastante incomuns, mas não receberam tanta atenção quanto a retro-arte da Roland – porque o 303 é colocado em um pedestal por aqueles que cobiçam o som de uma era muito específica.

À primeira vista, parece que estamos presos num loop de nostalgia, mas 2016 foi realmente um dos anos mais interessantes pra tecnologia da música em algum tempo. Fora os sintetizadores, tiveram os controladores que usam MIDI – uma tecnologia de trinta anos que não é tão expressiva quanto um instrumento acústico real. No entanto, este ano se viu uma explosão no número de dispositivos que usam uma tecnologia chamada “expressão polifônica multidimensional” (MPE), que acrescenta dimensões extras de controle pra MIDI e permite que a máquina registre movimentos laterais e verticais, bem como notas-principais – o tipo de controle que você consegue com instrumentos acústicos e de cordas.

MPE não é exatamente uma novidade: nos últimos anos tivemos o LinnStrument, da Roger Linn, e o ROLI Seaboard RISE, controladores tipo teclado que podem ser acariciados, alisados e pressionados pra criar sons diferentes.

Uma demonstração do LinnStrument (veja especialmente a partir do terceiro minuto do vídeo):

Keith McMillen Instruments e a francesa Joué anunciaram exemplos mais acessíveis desta nova onda de controladores por toque, com o projeto modular da Joué, que permite aos artistas construir algo que se parece com um instrumento de cordas ou piano, com elementos de um mixer. Os dias de controladores MIDI compostos de drum pads e botões parecem estar contados.

A ideia de controladores modulares foi outra grande tendência em 2016. “Modular” foi anteriormente uma palavra mais associada com sintetizadores, mas este ano startups como a Specialwaves, aplicando o conceito de controladores, permite aos artistas criar uma solução que melhor lhes convier. O melhor controlador sob-medida deste ano foi indiscutivelmente o Maschine Jam, da Native Instruments, mas a capacidade de construir seu próprio instrumento como o Lego parece ser a próxima tendência.

A empresa londrina ROLI levou o conceito modular pras massas com Blocks, um sistema de controle modular que dispensa botões e faders pra ser quase totalmente controlado por um sistema de toque. O sistema foi construído pra ser usado com o seu iOS e pretende ser o mais amigável possível pra iniciantes – muito longe da caixa cinza antiquada do TB-03 da Roland.

Uma amostra do Maschine Jam:

Esse vídeo dá uma ideia da capacidade do BLOCKS:

Se esses novos controladores vão se tornar algo mais do que brinquedinhos, o tempo dirá. Não importa se você está usando um sintetizador de trinta anos de idade ou um controlador modular touchscreen rodando com um iPhone – se é difícil de configurar ou difícil de aprender, então é improvável que você fará música com ele.

Talvez seja por isso que instrumentos como o TB-303 continuem a ressoar, porque só precisam ser ligados e conectados a fones de ouvido ou alto-falantes pra trabalhar. A tecnologia da música pode ter olhado pra trás com seus lançamentos mais bacanas em 2016, mas se esse foco na nostalgia encoraja os curiosos recém-chegados a fazer música, há espaço mais do que suficiente pras novas inovações.

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Comentários

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3 comentários

  1. Acho que vocês nunca ouviram meu projeto de música eletrônica, por mais que eu envie pra vcs, simplesmente ignoram, ai é fácil taxar de isso ou aquilo os produtores de modo generalista e fechar os ouvidos para os periféricos que remam contra a maré…

    Não vou botar link não basta pesquisar no goolge, o nome é Aparelhagem Malk Espanca, sou produtor e não utilizo TB-303

  2. Nunca recebemos qualquer e-mail seu ou desse projeto – não que possamos nos recordar, até porque, por semana, recebemos algo em torno de duzentos, trezentos e-mails sugerindo pautas e afins. E, no caso do artigo, não “taxamos” nada, tanto que o título é uma pergunta. É uma abertura de discussão, não é uma determinação, não é uma afirmação. Além do mais, o autor do texto original (em inglês) tomou cuidado e não generalizar, mas apenas criou uma abertura pra discutir algumas novidades do setor, que ele julga interessante pra produção da música eletrônica. Não usar o TB-303 não faz o projeto ser melhor ou pior. O artigo nem pensa em ser tão leviano. Cada artista utiliza os hardwares e meios que achar melhor pra sua arte.

  3. Claro que não fará ele melhor ou pior. Já dizia o MC Marcinho 😉

    Mas se o texto não é original, não tem o que discutir, se “falta originalidade” na utilização de equipamentos, falta mais originalidade ainda nos blogues brasileiros, que muitas vezes só traduzem textos estrangeiros.

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