FLOEMA – FERRUGEM

Não lembro-me exatamente quem me mostrou “Ferrugem”, o disco de estreia do FLOEMA, projeto de Guilherme Boldrin. Mas esse alguém merece minhas considerações por tê-lo feito – e fico mais feliz ainda por não ter demorado tanto tempo entre o lançamento do trabalho de estreia e o encanto nos meus ouvidos.

“Ferrugem”, um disco de seis músicas, que perfazem trinta e dois minutos, foi lançado no Bandcamp do projeto em 25 de março de 2013. Mesmo com a velocidade de informação dos dias de hoje, nunca é tarde.

É um disco muito bom pra uma esteia, é preciso que se diga. Mas a curiosidade sempre fala mais alto, e era preciso saber quem estava por trás dessa bela peça. O Facebook nos ajuda nessas horas e logo cheguei ao Guilherme Boldrim que assina o trabalho.

“Mexo com programação de música eletrônica faz uns anos. Na verdade, eu tava aprendendo o básico de mexer em programa e tal depois de ter feito algumas músicas esparsas e juntado tudo num EP. Resolvi fazer um trabalho mais conciso. O resultado foi o ‘Ferrugem’, que tem uma certa temática sobre processos imperceptíveis, coisas em escala micro, meios-termos entre as coisas… Os nomes das músicas talvez deixem transparecer isso, como ‘Corredor’ ou ‘Natimorto'”, diz Boldrin, num longo papo que tive com ele no chat da rede social e que você lê abaixo, numa forma de entrevista.

Floga-se: Pra começar, por que Floema?
Guilherme Boldrin: A ideia inicial era colocar um termo que desse uma sensação de orgânico, que é uma espécie de paradoxo com (o fato de) ser um projeto totalmente eletrônico. O principal é que eu gosto de como soa, é uma palavra fluída, essas coisas todas são o que passa pela minha cabeça quando faço as coisas, mas não espero que quem ouça pense exatamente nisso.

F-se: A curiosidade é óbvia, mas nesse caso me admirou o termo botânico num projeto eletrônico (N.E.: floema é o tecido das plantas vasculares encarregado de levar a seiva elaborada pelo caule até à raiz e aos órgãos de reserva).
GB: (ri) Então, pode-se dizer que deu certo minha intenção. Eu faço uma série dessas associações. Por exemplo, a ideia de que existe ferro no sangue e do álbum chamar “Ferrugem”, é algo que ficou na minha cabeça quando fazia o álbum, como se fosse possível que esse ferro enferrujasse no sangue. Uma conexão entre homem e máquina talvez. Mas isso tudo funcionando mais como uma estética por trás.

F-se: Esse é o seu primeiro trabalho autoral?
GB: Lancei um EP com algumas músicas que fiz nesse processo de aprendizado e se chama “Silêncio Carpido”, mas era mais uma coisa pra amigos, porque não era conciso e nem trabalhado como esse novo. Bom, tecnicamente esse eu considero o meu primeiro disco. Tem algumas músicas que gosto do anterior.

F-se: O Floema é só você? Como foi feito esse disco?
GB: O Floema sou só eu e meu computador, basicamente. Um amigo próximo, o Guilherme Ubeda, fez a arte da capa, que é baseada numa fotografia dele. De resto, ele é feito basicamente através de sintetizadores encontrados na Internet, e programados no computador. A maioria eu fiz questão de usar sintetizadores gratuitos, tem uma bela comunidade online de pessoas fazendo plugins vst, gravando fontes de wav com os próprios instrumentos etc. Eu usei muitos desses. Não tem samplers no disco. Mas usei também alguns sintetizadores nativos do Fuity Loops, como o DirectWave, que tem instrumentos gratuitos como esse violoncelo que tem em algumas faixas. A minha ideia era fazer algo quase artesanal, tenho um notebook comum e queria usar o que tinha à mão. Se você pega algumas coisas nativas do programa, que geralmente são mal vistas pelos produtores, e coloca efeitos e trabalha o som, eles podem ficar bem legais.

F-se: Fez o disco em quanto tempo?
GB: Olha, demorei em média um ano pra terminar tudo. Foi durante o ano de 2012, mas às vezes ficava um mês sem mexer e, então, voltava e fazia uma música inteira em um dia. Tem músicas, inclusive, que comecei naquela época e que até hoje não estão prontas. A demora se deu às vezes por simples problemas de inspiração, outras vezes eu tava muito ocupado com as coisas da faculdade… Tô no último ano da faculdade de Ciências Sociais, indo pra área de Antropologia. Faço UFSCAR, em São Carlos (interior de São Paulo)

F-se: De onde você é?
GB: Nasci em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. Minha família ainda mora lá, tô em São Carlos pra fazer a faculdade.

F-se: O que será do Floema após esse disco? Shows, é possível?
GB: Olha, a minha ideia ao fazer o álbum era bem despretenciosa, não pensei em shows, mesmo porque no momento tô só com um violão e o notebook, não tenho o tipo de equipamentos que um show de eletrônico necessita. Na verdade, não saberia usar a maiora deles. É meio que um projeto pra headfones (risos).

F-se: Você é músico formal?
GB: (risos) Então, na verdade, tudo o que estudei oficialmente de música foram uns meses de aula de violão. Toco violão faz uns doze anos, mas é mais por conta própria. Tenho algumas músicas acústicas, com letra e tal, mas ainda só rascunhos.

F-se: Qual a maior influência você enxerga no seu disco? Porque tem um rol enorme…
GB: A maior? É complicado… Eu não saberia dizer uma única, porém posso listar algumas… Aphex Twin, um pouco de Miles Davis talvez, Massive Attack… Até um pouco de Sun O))), talvez… Brian Eno…

F-se: Você acha que conseguiu colocar tudo isso nas músicas?
GB: Eu não saberia dizer, porque acho que a influência é mais inconsciente na verdade. Quando eu fazia uma música, tentava pintar uma atmosfera, cores etc. Porém, posso dizer que me é claro que essas influências ajudaram a formar um fundo estético por onde partir, então acho que de certa forma dá pra encontrar um pouco dessas coisas lá.

F-se: E como tá sendo a recepção do disco?
GB: As opiniões que recebi foram positivas no geral. Porém, não consegui ainda tirar o disco do meu círculo de conhecidos. Posso dizer que poucas pessoas ouviram, mas os que me deram alguma opinião, em geral, foi de maneira positiva. Eu cheguei a mandar pra alguns blogues, mas nenhum deles aceitou ainda, a maioria internacionais mesmo, de ambient, por exemplo.

F-se: Pensa em lancar um próximo disco?
GB: Ah, penso que sim, mas não tão logo, não comecei a trabalhar em nada ainda. Eu precisaria ter mais uma onda de ânimo e inspiração, é um processo um tanto trabalhoso.

F-se: É basicamente inspiração ou você compõe? Digo, você faz no improviso ou pensa na canção antes?
GB: Um misto dos dois. A música surge normalmente mais como uma ideia de atmosfera e estética do que ideias musicais. Muita coisa surge no improviso, mas “Piscis”, por exemplo, compus a harmonia principal no violão e não se parece em nada com algo feito no violão, mas já compus no violão imaginando como seria…

F-se: É realmente diferente…
GB: Fico feliz que tenha gostado! Espero continuar, sim, mas é preciso um pouco de tempo e espaço pra eu conseguir partir pra próxima. É bom poder chegar às pessoas que realmente curtem esse tipo de música.

Ouça o disco na íntegra:

1. Plúmbeo
2. Erosão
3. Corredor
4. Quasar
5. Natimorto
6. Piscis

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