HELLO WORLD CHOIR – SHAGARA

Há sempre esperança pra humanidade. Sem isso, é provável que não haja mais nada. Mas esperança é algo muito pouco palpável, de modo que é na base de exemplos que moram as expectativas. Ou o que dizer pra crianças de áreas em constante conflito e instabilidade social, a quê elas teriam que se apegar?

Maria Sideri é Ph.D. em Antropologia, com pesquisas na área de gênero, política, educação e representação cultural de identidade pela Universidade do Genebra, na Suíça. Ela soube ajudar a traduzir “esperança” a algumas dessas crianças.

No Centro Comunitário Tadamon, em Maadi, um distrito ao sul do Cairo, no Egito, ela juntou sete mulheres, com idades entre onze a vinte e sete anos, além de uma voluntária egípcia e duas cantoras locais, pra formar o Hello World Choir. Era 2015.

O Tadamon é um conselho multicultural de refugiadas egípcias, que foi formado por voluntariado pra workshops semanais onde as mulheres podem se expressar através da música e linguagem corporal.

Sideri, com um pouco de experiência no cinema e na música, juntou quatro composições e foi com as mulheres pra um estúdio. As gravações se deram durante o verão de 2017, seguido de uma longa sessão de mixagem. Ela mesma escreveu todas as canções (e fez a letra de “Hello World”), com letras de Nour Mustafa Mussa (“Little Dream”), Eman Abed El Waged (“Wake Up”) e Hello World Choir (“Shagara”) – a abertura da faixa-título é uma canção sudanesa tradicional.

Sideri também tocou guitarra, teclados e fez os vocais principais. Sete músicos e músicas locais tocam os outros instrumentos, que vão desde baixo, teclados, guitarras tradicionais até congas, flautas, oud, gambri, bongôs e outros instrumentos não usuais na música pop.

Porque “Shagara” é basicamente um EP de música pop. Mas uma música pop que ganha vida a partir das vozes e atuação de jovens mulheres sudanesas refugiadas ou renegadas.

“Através da composição da música e dos textos com o coro, surgiu um espaço de capacitação pra um coletivo de mulheres jovens. Ao compartilhar nossa experiência pessoal, encontramos estratégias pra desafiar a presença do feminino; fazendo-nos visíveis a partir dos bairros escondidos de Hadayek, em Maadi”, ela escreve.

“‘Shagara’ se localiza em um momento contemporâneo de fluxo social e político, e emana esperanças de emancipação feminina”, ela completa.

O Hello World Choir é Entesar Μamoun Amer, Dalia Mamoun Amer, Eva Gabriel Wanadil Malik, Sabah Gabriel Wanadil Malik, Awadya Sabet Wasil Jendo, Mahraeal Zakria Potros, Samar Jon Agok, Eman Abed El Waged Abed El Kareem, Abeer Joseph Samuel e Sara Ali Dafaalla Maragan. Suas belas vozes apresentam quatro canções singelas e de fácil aceitação/compreensão.

Ela descreve os motivos que levaram a criar o coral: “As meninas com quem tenho trabalhado vêm da Etiópia, do Iêmen e na maior parte do Sudão do Sul e têm entre dez e dezesseis anos (depois, ela ampliou). A maioria delas entende o inglês e algumas falam muito bem. Pras meninas que falam apenas árabe, as outras meninas traduzem. Esta troca é uma parte muito importante do projeto, de modo que também estou aprendendo árabe através das músicas que estamos traduzindo. Tenho decidido trabalhar apenas com as meninas, pois o problema da integração das mulheres refugiadas e a desigualdade de direitos é muito maior que a dos homens. A incapacidade de obter licenças de trabalho significa que os refugiados adultos no Egito, mesmo aqueles mais estudados, só têm acesso a oportunidades de emprego na economia informal. Esta é uma situação especialmente difícil pras mulheres, especialmente as mães solteiras, que tendem a receber menos pagamentos pelo trabalho do que os homens e são obrigadas a trabalhar em empregos onde podem ser particularmente sujeitas a abusos. Há muitos casos em que as mulheres, incapazes de sustentar suas famílias, ficam tentadas a retornar aos seus países de origem, apesar dos enormes riscos de fazê-lo. A falta de acesso à educação pública também retira das crianças refugiadas a possibilidade de completar seus estudos, o que, em por sua vez, ameaça sua capacidade de participar da economia formal, mesmo no caso de serem reassentados. A única opção disponível pros refugiados que desejam garantir que seus filhos recebem uma educação formal está nas escolas privadas. Essas escolas são muitas vezes muito onerosas pras famílias de refugiados, especialmente porque os pais refugiados não têm direito ao trabalho”.

O quadro terrível se assemelha muito às muitas regiões de descaso no próprio Brasil, que a despeito dos esforços dos últimos governos, não conseguiu diminuir substancialmente a desigualdade, que volta agora a crescer (após o golpe parlamentar de 2016).

Seja no Brasil ou no Egito, seja no Sudão ou no Iêmen, há pouca esperança pros renegados. A música pode ser algo palpável pra aliviar a dor. Melhor ainda se for uma música tão bonita quanto essa do Hello World Choir.

O EP “Shagara” (que quer dizer “árvore” em árabe) foi lançado no dia 2 de janeiro de 2018, diretamente no Bandcamp. A compra do disco (custa quatro libras) remete o dinheiro pro Tadamon continuar seu trabalho de inclusão.

1. Shagara
2. Wake Up
3. Hello World
4. Little Dream

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Um comentário

  1. Hello ! I am happy to discover your article on the Choir Hello World. Could you please provide a translation for me in english? I Would love to know what you are writing and my portugeuse are not great 😉 Thank you so much for supporting our project.

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