KOVTUN – ANDROGINÓFORO

“Androginóforo” é o terceiro disco cheio do Kovtun, que é, na verdade, Raphael Mandra, residente de Ribeirão Preto, interior de São Paulo.

Ou, mais do que isso, ele é o sol pelo qual giram vários astros da música torta brasileira. Coloque todos os exageros entre aspas, mas é inevitável fazer mais uma hipérbole: “Androginóforo” é como um “Duets” (manja o Sinatra?) da música torta brasileira.

Conversei com ele rapidamente sobre esse que (já) é um dos discos mais impressionantes de 2015, lançado em 10 de fevereiro pela Sinewave, a melhor maternidade dos sons tortos brasileiros.

Raphael conta como juntou esses nomes todos num só projeto e revela um nome que poderia deixar o projeto ainda mais interessante (mas que infelizmente, por falta de tempo, não foi possível rolar).

Ao final, cometeu um belo disco pra quem aprecia música torta. Ou música, sem rótulos, no enfrentamento dos problemas diários: “sem dúvida, a música é uma válvula de escape perfeita”.

Floga-se: Você juntou meio que um “dream team” do noise nesse disco, não? Você tinha um tema pensado pra cada um?

Raphael Mandra: Fui selecionando entre meus amigos, fui convidando e pra minha surpresa eles foram aceitando. De certo modo eu tinha um tema pra cada um, antes de iniciar a produção de uma música eu pensava no artista/amigo que ia enviar, pensava num tipo de som que combinaria com cada um. A contribuição foi de uma maneira até simples. Primeiro eu entrava em contato, se a resposta fosse “sim”, já produzia o som e enviava, e o artista me retornava com seus traços. Se eu achasse necessário, adicionava mais algum som e assim foi se fazendo o “frankenstein” (risos)… Deu mais trampo no sentido de produção e com problemas externos que eu estava passando do que com os convidados… Tiveram algumas músicas que não encaixavam alguns sons, como a contribuição com o Amnese, mas no fim deu certo.

F-se: Teve alguém que disse “não”?

RM: Que eu me lembre o único a dizer “não” foi o Jair Naves, mas ele foi muito gente boa, explicou que estava no processo do novo álbum dele e que uma próxima participaria, muito gente fina ele.

F-se: Jair Naves seria uma escolha meio inusitada, não? Porque todos ali seguem uma ligação com o noise

RM: De certo modo sim, mas ele faria um contraponto interessante. Mas você percebe que há o Gustavo Jobim, por exemplo, que tá mais ligado ao clássico; há o Amnese, que é post-rock; o Umbilichaos que é metal; há uma variedade grande de estilos… Mas na sua maioria é dark ambient e noise, sim…

F-se: Sim, percebo, mas entendo também vejo que são, digamos, “estilos-irmãos”, bem ligados ao noise

RM: Sim, isso deu uma coesão interessante ao álbum e foi meio natural, porque eu gosto de uma vibe mais barulhenta mesmo.

F-se: É exagero dizer que por conta desses duetos é o seu disco mais ousado? Digo, deixa de ser um disco só Kovtun pra ser algo como um “Duets” do Sinatra pro noise (risos)…

RM: Sim, essa ousadia foi buscada. No início, estava fazendo um álbum no estilo do anterior “Sleepwalking Land” (2014), mas percebi que ficaria mais do mesmo, então comecei do zero e tive o insight de chamar os amigos. Percebo como um álbum em grupo. Assim como fazemos na faculdade trabalho em grupo e geralmente sai melhor, acredito que um álbum em grupo tem uma grande chance de sair melhor, aquele velho clichê da “união faz a força”, sem duvidas foi uma experiência única fazer um álbum dessa forma. Poderia, sim, ser considerado um álbum de duetos, assim como poderia ser duplo também, pela longa duração, mas prefiro pensar em uma obra única, como um longa-metragem.

F-se: Você compôs e juntou tudo em casa, no computador?

RM: Eu costumo dizer que toco tudo, baixo, guitarra, bateria, cuíca (risos)… Mas toco sem nunca ter tido nenhuma aula, é tudo na intuição. Já os programas que uso devo muito ao Fernando, dono do Plano B, na Lapa do Rio de janeiro. Há alguns anos, ele me deu uns DVDs com inúmeros programas e tento aproveitar o máximo desses programas. Tudo sai muito na intuição e acho isso essencial no meu trabalho.

F-se: Por que esse título?

RM: É engraçado, eu queria um título que não remetesse a nada muito concreto, então peguei um livro sobre nomes científicos de plantas e árvores e achei esses nomes lá, do álbum e das músicas e em uma conversa com o Aldo Hanel (autor da coluna “Viagens Orientais”, aqui no Floga-se) comentei isso com ele e lembro que rimos disso. Acabei achando interessante (risos). A intenção é ficar algo vago, as sensações serem compreendidas apenas pelos sons, e futuramente com algumas imagens sem muito conceito. Eu fiz edições de imagens pra cada música e vou soltar aos poucos esses vídeos. A intenção é complicar e descomplicar, meio aquela frase do chacrinha: “vim pra confundir, não pra explicar” (risos).

F-se: O tema com Iactalea me parece a mais inusitada… Tem noise e uma leveza acústica ao mesmo tempo. Quem é Iactalea?

RM: Iactalea é um duo, mas neste caso foi somente o João Mendes, que é um cara muito criativo, com diversos projetos musicais, inclusive um comigo, que chama A Season In Heaven. Lançamos um EP e estamos conversando pra um long play logo, logo…

F-se: Confesso que não conheço alguns nomes ali… E pesquisei e também não achei eles por aí na Internet. O disco tem essa intenção de apresentar esse nomes também?

RM: Com certeza, sim. Por exemplo, tem um projeto do Erick Cruxen e da Muriel Curi, que são do Labirinto, chamado Angustia e que está meio que debutando no álbum. Isso é fantástico. Por outro lado, tem o Dosanjos, que foi um projeto-relâmpago que tive com o Fernando Sá, que cometeu suicídio alguns meses depois de lançarmos nosso primeiro álbum. Tem outros grupos que estão ligados ao selo que fundei, o AD Eternum, então a intenção também é chamar a atenção pra esses novos nomes. O João Mendes mesmo é um cara super criativo que tem um futuro certo na música; o mesmo com o Cássio Figueiredo, só pra citar alguns.

F-se: Imagina-se tocando esse disco ao vivo com alguns desses parceiros?

RM: Pode acontecer, sim. o meu maior problema em tocar ao vivo é meu problema com tempo, pois trabalho em um emprego formal e acabei de me graduar em Arquitetura, provavelmente farei uma pós-graduação, então o tempo torna um obstáculo. Mas se surgisse uma oportunidade em feriados, enfim, que desse, sem dúvida. Costumo dizer que tenho até uma capa preta estilo Sunn O))) separada pra tocar ao vivo (risos)…

F-se: Quanto tempo demorou entre você ter a ideia dos duetos e o disco efetivamente ficar pronto e ser lançado na Sinewave?

RM: Comecei com a ideia em junho de 2014. Na época, estava lançando o projeto com o Fernando Dosanjos, que já vinha se arrastando por anos, por conta dos problemas dele. A primeira música surgiu naturalmente desse projeto e por estar no último ano de faculdade, acabei me envolvendo demais nos projetos musicais. Mas, no final, consegui dar conta de tudo, mesmo que prejudicando minha psiqué (risos). No final, estava esgotado por me dividir entre a música e o TCC. Demorou uns oito meses, mais ou menos. Sem dúvida, a música era uma válvula de escape perfeita.

F-se: Como você acha que o disco vai ser recebido? É o mais acessível

RM: Nós sabemos que música underground no Brasil é sempre restrito a nichos. Mas dentro de nichos tem bastante gente. Eu espero humildemente que seja bem recebido, acho que não é tão agressivo ao ouvido de pessoas abertas, então espero que quem goste de um som torto aprecie. Mas não penso que é um disco pra todos, meio aquela frase do Ecce Homo: “um disco pra todos e pra ninguém”. Sem dúvidas é o mais acessível, porque o primeiro soou meio que uma apologia ao suicídio e a intenção era ser algo meio antropológico, meio que tentar entender o que é impossível. Já o segundo foi um álbum pra limpar alma, calmo e reflexivo. Este é bem mais coeso e com uma vibe enérgica, algo meio explosivo, justamente pelas contribuições. Estou gostando bastante dele.

Pra baixar de graça, vá direto à Sinewave. Ou escute na íntegra o trabalho aqui:

01. Andróforo Ginóforo (com Gustavo Jobim)
02. Noctuidae Latus (com Cadu Tenório)
03. Rhoeo Coleus (com Cássio Figueiredo)
04. Diabrotica Agrotis (com Übermensch)
05. Balaenoptera Physalus (com Amnese)
06. Tricomas Avicenia (com Iactalea)
07. Conoderus Planatus [Asterion] (com Angustia)
08. Estaminódio Isostêmone (com Godpussy)
09. Sinântera Sicônio (com Nihilistgod)
10. Helianthus Hybridum (com Arsenic Milkshake)
11. Ócrea Dística (com Dosanjos)
12. Musídio Coleóptilo [h404] (com Genocídio Póstumo)
13. Metribuzin Ametryn (com Theoria)
14. Epitrix Phyrdenus (com Umbilichaos)

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