LOS SAICOS – O PUNK NASCEU PERUANO

Esse é um caso claro de que a lenda cresceu o suficiente pra que muita gente passasse a atribuir certa verdade. Teria o punk nascido no Peru?

De acordo com o documentário “Saicomanía”, dirigido pelo peruano radicado na Holanda Héctor Chávez, em 2012, com apoio de matérias de gente do porte do The Guardian e da ABC espanhola, sim, o punk nasceu no Peru e nasceu com a banda Los Saicos.

Chávez teve a ideia quando foi a uma loja no centro de Lima a procura de raridades e o vendedor não se fez de rogado ao oferecer um single do Los Saicos por quarenta dólares. Que diabo de banda era aquela que ele nunca havia ouvido falar e cujo single custava tanto?

Foi atrás da história do grupo e descobriu que o Los Saicos era um quarteto nascido em 1964 (chamando-se Los Sádicos), no Distrito de Lince, um dos quarenta e três que formam a Província de Lima, e foi criado por Pancho Guevara, Edwin Flores, Rolando Carpio e César Castrillón.

Nessa busca pela história do grupo, Chávez acabou conseguindo recuperar todos os singles, seis no total – doze canções selvagens, cruas, gritadas, provocativas – lançados pela DIS-Peru (sempre em 45 RPM) num intervalo de apenas doze meses. Após isso, a banda acabou, porque, veja só, os integrantes resolveram terminar a faculdade e trabalhar, afinal esse negócio de música “não dava dinheiro”.

A pressa em sentenciar seu fim fez o Los Saicos encerrar também o que poderia ser uma promissora carreira internacional, já que três décadas depois um cassete de “Democlición” acabou chegando à Espanha e a uma rádio estadunidense, causando espanto e iniciando uma busca pela história daquele grupo.

Veja o trailer de “Saicomanía”:

O vocalista Erwin Flores contou à ABC Espanha que eles “não tinham consciência de estar criando algo novo; a agressividade acho que veio de James Dean e filmes como ‘Juventude Transviada’; achávamos que éramos valentões, e saíamos correndo com os carros de nossos pais pelas ruas de Lima; nossa música seguia essa linha; éramos simplesmente um fenômeno daqueles tempos”.

A matéria é prudente em afirmar que é “sempre um empreendimento arriscado apontar uma data de nascimento pra qualquer gênero, porque, pra alguns, até mesmo os bluesmen dos anos vinte podem ser considerado punks. Mas atendendo a um mínimo rigor conceitual sobre o que entendemos hoje como punk, Los Saicos é a banda mais antiga em que os elementos formais são percebidos de maneira suficiente pra lançar tal declaração, à frente do Ramones e Stooges e MC5 ou grupos com algumas referências proto-punk nos meados dos anos sessenta, como The Worlocks, The Keggs, Humane Society, The Actioneers, The Deviants ou 13th Floor Elevators. Talvez The Sonics e The Trashmen possam abrir um debate, mas ambas as bandas ficam a anos-luz da selvageria do Los Saicos”.

O jornalista e articulista Dean Marsh (colaborador da Rolling Stone) é tido como o cara que cunhou o termo “punk”, ao se referir ao grupo (coincidentemente também latino, mas formado em Michigan, Esteites) Question Mark & The Mysterians (escreve-se ? & The Misterians), em 1971, numa edição da revista Creem. Curiosamente Question Mark & The Mysterian ficou famoso pelo super sucesso nada punk “96 Tears”, que você certamente já ouviu (se não ouviu, ouça aqui).

Mas isso só dá uma ideia de como o Los Saicos estava isolado. Ninguém, além dos próprios peruanos, havia ouvido falar ou sequer escutado uma nota do grupo. Muito menos os ingleses do Sex Pistols ou Malcolm Maclaren – é impossível, pois, dizer que o movimento punk inglês tenha captado alguma influência aqui, ou mesmo os Ramones, em Nova Iorque, anos antes.

Só que a plateia peruana era louca pelo Los Saicos.

A febre começou meio que sem querer, respaldada por um ambiente político e social altamente liberal, segundo Flores: “era tudo divertido, as pessoas nos achavam mais engraçados do que outra coisa, exceto pelos desajustados que nos levaram a sério demais; tudo o que queríamos e conquistar umas garotas e nos divertir, uma banda de rock nos pareceu uma boa saída pra isso”.

Foi um estouro abrupto. O Los Saicos jamais tiveram que passar pela trilha usual de tocar em inferninhos, lançar singles por conta própria e torcer pra serem descobertos. Ele foram logo pra parte de serem descobertos. Herry Flores, irmão de Erwin, tinha um amigo que era um DJ bem popular à época. O DJ resolveu escalá-los meio na surdina no Festival da Cadeia de Comentaristas de Discos do Peru, onde a indústria musical local festejava os melhores do ano em cada categoria.

A banda tocou o primeiro single, “Come On”, e Erwin lembra como foi: “ao terminar, caiu sobre o teatro um silêncio tal como se o manto gelado da morte houvesse descido; achamos que tínhamos feito uma cagada geral; mas, de pronto, a plateia inteira se pôs de pé, gritando e aplaudindo; saímos dali com contratos de discos e televisão”.

E, note abaixo, “Come On” nem é a mais agressiva das canções…

De repente, todo domingo de manhã, lá estava o Los Saicos na tevê peruana, alcance nacional, colocando a moçada pra dançar. Os shows, por conta dessa projeção, eram lotados, histeria nível beatlemania, verdadeiros heróis da juventude sessentista peruana.

Gravaram os seis singles, durante esse tempo, que durou um ano: “Come On” e “Ana” (1965), “Demolición” / “Lonely Star” (1965), “Camisa De fuerza” / “Cementerio” (1965), “Te Amo” / “Fugitivo De Alcatraz” (1965), “Salvaje” / “El Entierro De Los Gatos” (1965) e, por fim, “Besando A Otra” / “Intensamente” (1966). Lá se vão cinquenta anos.

Quando a banda inflou os egos e resolveu debandar pra trabalhar e estudar, a febre continuou, nas rádios e nas reprises de televisão. Os quatro, principalmente Erwin, viraram ídolos. E o fim precoce só fez reforçar a construção do mito.

Em 1969, tentaram se reunir, mas não deu certo. Eles já eram mais velhos e responsáveis, a rebeldia juvenil não colava e outras bandas, como Los Doltons, apareceram na cola, pra dividir a atenção do público.

No final dos anos 1990, quando algumas fitas cruzaram o oceano em direção à Espanha e, consequentemente, à Inglaterra, o mundo se deu conta da preciosidade peruana.

Em 1999, a coletânea com as doze músicas do grupo, “Wild Teen-Punk From Peru 1965”, foi lançada pela Electro Harmonix. A essa altura, porém, a fama do grupo já havia atingido de forma implacável nomes importantes da música anglo-saxã.

Iggy Pop virou fã. John Holmstrom, fundador da revista Punk Magazine, no embrionário movimento que levou tal nome e projetou o Sex Pistols no final dos 1970, admite no documentário que no Los Saicos está o embrião do punk. E Lux Interior, vocalista e fundador do Cramps (cujo som se aproxima bastante da garageira do Los Saicos), afirmou que os peruanos tinham “a melhor banda do mundo”.

Três deles ainda estão vivos, com exceção de Rolando Carpio, morto em 2006. Agora como trio, voltaram a se reunir no novo século e fez shows lotados (uma apresentação em 2011 esgotou as vendas em vinte minutos).

Em 2006, a Repsychled Records lançou “Saicos”, com, além das doze canções, versões instrumentais e alternativas, todas resgatadas das masters originais.

No YouTube a coletânea de 1999 está disponível na íntegra. Ouça abaixo:

Quando do lançamento dos primeiros trailers do documentário de Chávez, em 2011, uma série de matérias surgiu pra lembrar da “primeira banda punk” da história – principalmente reforçando sua procedência. A Vice fez esse vídeo, com a chamada: “quem inventou o punk rock? Foram os Ramones em Nova Iorque? Foram os Sex Pistols na Inglaterra? FALSO! Foram Los Saicos no Peru” (veja o vídeo aqui).

A história é exótica demais pra mídia europeia deixar pra lá. Custa menos de três euros assistir o filme de Chávez aqui.

A editora Zona De Obras compilou a enciclopédia “Diccionario De Punk Y Hardcore. España y Latinoamérica”, em 2011, com muitas outras histórias e outras bandas desconhecidas do grande público. O livro é uma pérola que você precisa ir atrás.

No distrito de Lince, uma placa lembra o pioneirismo do Los Saicos. Um monumento oficial pra aquela que é a banda de rock mais importante da história do país.

Se é a “primeira banda punk”, fica talvez a critério do ouvinte decidir se ela é de fato punk. Mas ouvindo sua obra, não há como não se curvar diante desses caras que estavam bem a frente de seu tempo.

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