NEW ORDER, “SUBSTANCE 1987”: UMA COLETÂNEA COMO NENHUMA OUTRA

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“O Joy Division não existe mais, e seria tolice enganar as pessoas pra elas acreditarem que existe”, disse o baterista Stephen Morris, sentenciando a linha que separou a banda do falecido Ian Curtis da nascida New Order.

Os deveres vocais caíram pro tímido Bernard Sumner (tal como Curtis), que inicialmente estava relutante em cantar. Ele não tinha sido a escolha óbvia para substituir Ian Curtis, e ele realmente não gostava muito da missão. A bem da verdade, Sumner estava satisfeito em tocar sua guitarra em pé no palco com a cabeça baixa, como um protótipo de shoegazer.

Meio que às pressas (há controvérsias), Gillian Gilbert, namorada de Morris, foi recrutada pra tocar sintetizador como o novo grupo. Ela afirma que foi recrutada porque sabia tocar “Jingle Bells” no piano, um feito mágico pra aqueles meninos que ainda sabiam bem pouco de música. Com uma formação finalizada, Gillian Gilbert, Stephen Morris, Peter Hook e Bernard Sumner podiam colocar o New Order pra rodar, com a intenção clara de fazer algumas das músicas mais acessíveis e ensolaradas do que o passado Joy Division. A história mostrou que deu certo, mas não foi uma ruptura tão rápida. Houve uma certa transição. E essa transição é muito bem exposta na coletânea “Substance”, álbum duplo lançado em 1987 e que se tornou o maior sucesso do New Order.

A princípio, o novo grupo mostrava semelhanças impressionantes com as músicas melancólicas do Joy Division. Seu primeiro single, “Ceremony”, de janeiro de 1981, foi bem recebido, alcançando o trigésimo quarto lugar nas paradas da Inglaterra. Mas foi como roubar no jogo: a música foi composta pelo Joy Division e lançada apenas oito meses do suicídio de Ian Curtis, as pessoas ainda estavam ouvindo consternadas o Joy Division – e não se importavam com o New Order.

O segundo single da carreira e o primeiro de fato escrito pelo New Order foi “Procession”, de setembro de 1981, que acabou limado da primeira versão de “Substance”, o primeiro indicativo do que viria a ser a banda. E, então, “Everything’s Gone Green”, o terceiro single e originalmente lado B de “Procession” mostrava mais sobre o que viria a ser essa potência das pistas e de vendas, mas ainda era soturno o suficiente pra se ligar ao Joy Division.

Bernard Sumner disse certa vez que “o Joy Division criou grandes esforços de música negra, neogótica”. As letras massacrantes e o uivo de barítono de Curtis definiram o mítico grupo. Mas sob a superfície, havia um mundo inteiro de sintetizadores, batidas dançantes inspiradas na disco music e linhas de baixo envolventes se formando que logo definiriam o que seria uma marca registrada do New Order. “Everything’s Gone Green” é exatamente isso, assim como “Temptation” é o despertar da fera, uma música implorando pelos remixes e pelas pistas, rendendo frescor até hoje.

As letras foram um tanto sacrificadas em prol do encaixe poético nas batidas. Em 1983, a Rolling Stone escreveu: “como paisagens organizadas em cores escuras, a música do New Order permanece mais humor do que melodia. Ambas as bandas tinham a incrível capacidade de fazer um ouvinte querer chorar e dançar em um único momento musical”.

Quando “Substance” foi lançado, o New Order já não era uma banda iniciante. Já havia lançado quatro discos e já havia definido sua carreira. Um desses discos, o enorme sucesso “Brotherhood”, de 1986 trazia alguns dos seus hits mais lembrados, “Bizarre Love Triangle”. Mas esses discos escondiam algo que o New Order tinha de melhor e que estavam em singles lançados ao longo do tempo, como a inigualável “Blue Monday”, até hoje o single mais vendido da carreira deles (e da gravadora Factory) – leia mais aqui.

A Factory, como se sabe, não era um exemplo de gestão e vivia devendo, na pindura, mesmo vendendo milhões de cópias. Então, eles fizeram “Substance 1987”. Criada como uma compilação no melhor estilo “Best Of”, acabou, como de praxe da Factory e do New Order, saindo do padrão e incluiu as versões mais longas, de doze polegadas, de seus singles, todos os lados-B coletados e até um single recém-gravado, e foi lançado no novo formato de CD de reprodução mais longa.

Foi uma aula de mestre em reimaginar sua própria música. O New Order não queria fazer uma coletânea “preguiçosa”. Eles meteram a mão na massa e remixaram “Blue Monday”, “Perfect Kiss”, “Shellshock”, “Bizarre Love Triangle”, fizeram uma nova versão de “Confusion”, adicionaram uma dúzia de b-sides como bônus e gravaram a nova música, “True Faith”. Era como um disco novo e “Substance 1987” foi visto e é visto até hoje como um álbum e não uma coletânea.

Como escreveu Tom Edwards, no site Dig!, em 2020, “a maioria das bandas estaria sentada em pelo menos uma década de material antes de considerar uma compilação retrospectiva, mas a maioria das bandas não é New Order. Pra promover a coleção, eles estipularam a regra dos doze polegadas, desenhada pelo colaborador frequente – e criador de suas capas– Peter Saville. O apelo único dos singles do New Order durante esse período foi sua imprevisibilidade. As versões de 7″ de seus singles geralmente apresentavam diferentes mixagens ou gravações das versões de 12″, e os singles às vezes não eram apresentados em nenhum de seus álbuns de estúdio. Esse nível de variedade é uma parte fundamental do apelo do New Order, tornando-os uma das poucas bandas onde você terá uma versão preferida de cada um de seus singles” e não uma mera reprodução-espelho caça-níquel.

A lista de faixas do lançamento original em vinil duplo da coletânea lista os singles de 12″ na ordem cronológica em que foram lançados pela Factory. Foram sete versões diferentes em 12″: “Ceremony”, “Temptation”, “Blue Monday”, “Thieves Like Us”, “The Perfect Kiss”, “Bizarre Love Triangle” e “True Faith”.

No caso de “The Perfect Kiss”, a versão do 12″ não só é diferente e mais longa, como indubitavelmente melhor, completada e agraciada com “o melhor videoclipe de todos os tempos” (segundo a gente mesmo, ok), dirigido por ninguém menos do que Jonathan Demme – vale ler este longo artigo sobre o vídeo.

Edwards ainda lembra que “o impacto dos singles de 12″ do New Order foi de longo alcance, principalmente na cultura club do Reino Unido. No entanto, sua influência não foi sentida apenas na pista de dança, mas se espalhou por toda a cena musical local de Manchester”. O icônico clube Haçienda foi financiado e apoiado ao longo de sua história pelo o que o New Order ganhava para sua gravadora igualmente icônica, Factory Records – eis uma dos motivos pra Factory viver no vermelho.

De fato, nenhuma banda é como o New Order. E nenhuma coletânea é como essa coletânea, com capacidade de sobreviver com imensa relevância a outras tantas décadas.

Substance 1987

Disco 1
01. Ceremony
02. Everything’s Gone Green
03. Temptation
04. Blue Monday
05. Confusion
06. Thieves Like Us
07. The Perfect Kiss
08. Sub-culture
09. Shellshock
10. State Of The Nation
11. Bizarre Love Triangle
12. True Faith

Disco 2
01. In A Lonely Place (lado B original de “Ceremony”)
02. Procession (um lado A)
03. Cries And Whispers (ou “Mesh”) (lado B de “Everything’s Gone Green”)
04. Hurt (lado b de “Temptation”)
05. The Beach (lado b de “Blue Monday”)
06. Confusion Instrumental (lado b de “Confusion”)
07. Lonesome Tonight (lado b de “Thieves Like Us”)
08. Murder (um lado A)
09. Thieves Like Us Instrumental (lado b de “Murder”)
10. Kiss Of Death (lado b de “The Perfect Kiss”)
11. Shame Of The Nation (lado b de “State Of The Nation”)
12. 1963″ (lado b de “True Faith”)

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