O METAL EXTREMO AUSTRALIANO

Há uns oito anos, pelo menos, eu tenho ouvido muitas bandas australianas de metal extremo. O que vem a seguir não é, nem tenta ser, um aprofundamento em algum gênero específico ou análise técnico-temática do que rola pela Austrália, mas dialogar – num fluxo de consciência mais ou menos livre (sempre com a ajuda do enorme banco de dados da Internet, é claro) – sobre bandas e discos que acho que têm uma contribuição importante pro desenvolvimento do metal por lá.

Quem ouvir “ION” (o mais novo lançamento da banda de metal extremo australiana, Portal) vai ser assaltado por rifes técnicos e caóticos, embrenhados na atmosfera opressiva de todo o disco. O flerte com o metal de vanguarda, os instrumentos dissonantes, as letras ocultistas e crípticas desordenam qualquer mente sã. Toda essa apoteose, que parece mais com o fim do mundo, comandada pelos vocais do misterioso The Curator e pelo magistral trabalho de guitarra do Horror Illogium, é a afirmação de um local onde bandas vêm há muito tempo construindo algo importante e notável.

Em 2013, a mesma banda lançou “Vexovoid” (ouça aqui). Embora possam existir comparações óbvias com bandas como Deathspell Omega, ficou bem claro que a banda cravava sua própria espécie bizarra de produzir os discos, como se fosse um subterrâneo inundado de dissonâncias improváveis e repetições exaustivas interrompidas por quebras bruscas de tempo. Voltando um pouco mais, em 2011, o Woods Of Desolation lançou o belo “Torn Beyond Reason” (ouça aqui), como uma extensão oposta da abordagem do Portal. São maneiras distintas de criar uma ambiência: “Torn Beyond Reason” é lento se comparado aos trabalhos do Portal, quase épico (apesar da pouca duração) e em todas as canções são apresentadas intersecções frias, cobertas por gritos crus que se dissolvem numa tristeza onipresente.

Optando por uma abordagem distinta de ambas as bandas, o Deströyer 666 voltou de sete anos de hiato de lançamentos em estúdio pra lançar “Wildfire”. Claramente pautado na velha escola de black/thrash metal, o disco é energético, agressivo e empolgante e certamente exige menos atenção do ouvinte do que os lançamentos citados anteriormente. Se o Portal lança o inferno extremamente malicioso na terra, o Deströyer 666 mostra um inferno que bate no ouvinte a todo instante, sendo menos elaborado tecnicamente, mas mantendo a frieza praticamente imóvel que parece habitar naquelas bandas.

Maximizando a frieza e quase parando o tempo com sua repetição exaustiva extremamente lenta, O Inverloch debutou com “Distance | Collapsed” (ouça aqui), incitando um ritualismo fúnebre que emerge o ouvinte em uma agonia da qual só é despertado no surgimento dos blast beats (que são relativamente raros no death doom metal).

Poucas bandas no mundo desafiam tanto o ouvinte quanto o Portal e o Plasmodium (cuja estreia, “Entheognosis”, que você ouve aqui, também é de 2016, o que faz o ano em questão ser, definitivamente, um marco na cena australiana). Ambas as bandas parecem destruir e reconstruir cânones instrumentais do metal enquanto distribuem de maneira caótica as abordagens do gênero, trazendo à memória grandes bandas de death/black metal e conseguindo fazer o ouvinte mais atento questionar-se: “que diabos é isso?”.

Antes de tudo isso, em 2010, o StarGazer batizou a década com o abstrato “A Great Work Of Ages / A Work Of Great Ages” (ouça aqui). Embora tão inaudível quanto os discos do Portal, o caráter mais progressivo pode agradar aos fãs do death metal técnico do começo dos anos 90. Eles mesmos surgindo em meados daquela década, incorporam os elementos indigestos estimulados pelo Portal (que eu tenho certeza que os influenciou, mesmo sendo mais novos) de uma maneira técnica, ressoando também de maneira extrema e meio podre, mas levando a sonoridade pra uma relação que incita outras reações.

Em meio a tanta feiura, vale sempre ressaltar os trabalhos do Woods Of Desolation que, embora ainda dotados de uma melancolia e tristeza inquietantes, passionalmente acrescentam elementos de post-rock na tentativa de captar a frieza da qual eles parecem ser reféns.

Ainda mais fúnebre e épico que o Inveloch, em 2011 o Mournful Congregation lançou “The Book Of Kings” (ouça aqui), um disco extremamente exigente e que demanda muito do ouvinte. São setenta e seis minutos divididos em quatro faixas, íntimas e depressivas a ponto de eu ter me afastado várias vezes antes de conseguir ouvir por completo. Em 2011, eu não estava exatamente acostumado com tal coisa e só recentemente, quando eu reouvi o disco, pude admirar a banda com esse lançamento extremamente desgastante em termos físicos.

Apesar de ser muito mais variado e ter influências de shoegaze, “Grief” (da banda Germ) também é extremamente desgastante e um dos discos mais desafiadores dos citados. Com momentos relativamente suaves e momentos extremamente agressivos, a meditação a qual a banda propõe é uma longa jornada nas diferentes fases do luto.

Com a primeira faixa tendo duração de vinte minutos, “Cloak Of Ash” (do Hope Drone, ouça aqui), mostra que há muitas bandas na Austrália interessadas em propor algo mais do que quarenta minutos de fácil entretenimento. O disco é grandioso em todos os aspectos e hipnotiza o ouvinte a ponto de sugar toda a atenção em sua densa atmosfera.

Os últimos discos citados são definitivamente exaustivos e desgastantes, mas nenhum deles se compara em termos de exigência a “Blood Geometry”, do Elysian Blaze (ouça aqui), cujos mais de cento e trinta minutos de um apocalipse ocultista condensam todas as faixas em um mesmo epicentro destrutivo. Como se fosse um espaço sobre o qual só a banda tem a audácia de bradar, o disco suga os sons ao redor em dissonâncias crescentes e interrompidas, oscilando entre a repetição e o desespero.

Discos eloquentes e megalomaníacos são o contrário da proposta do StarGazer. Em “A Merging To The Boundless” (ouça aqui), nem quarenta minutos de músicas são condensados em progressão e abruptos momentos de transição, abordando com letras surreais a decomposição do mundo ao redor. O StarGazer nega a ortodoxia pra impor transes rápidos e significativos.

Outra banda que aposta numa abordagem mais direta é Impetuous Ritual. “Blight Upon Martyred Sentience”, disco do ano passado, afoga o ouvinte numa dissonante barreira sonora. Rifes caóticos e abafados estão por todos os lados, a agressividade sombria e furiosa com toda a humanidade deixa tudo pesado e um disco do qual é muito difícil se desligar após sua execução. Parece que você foi tomado por algum espírito muito bravo com a luz que existe no mundo e quer transformá-la em algo intrinsecamente violento.

Voltando aos épicos, o Midnight Odyssey lançou dois discos em sequência que, somados, ultrapassam trezentos e quarenta e seis minutos. “Funerals From The Astral Sphere” (ouça aqui) e “Shards Of Silver Fade” (ouça aqui) abordam a relação entre indivíduo, solidão e o vasto universo no qual é tão fácil se perder. A longa duração dos álbuns cria uma imagética fortíssima no ouvinte, impondo variadas impressões e exigindo a necessidade de envolvimento intenso. O ódio sobre a humanidade é refletido na descrição sombria de cenas de morte. São discos que deixam o ouvinte em transe e crescem no tocante aos desafios propostos. A longa duração dos trabalhos impõe uma energia difícil de se resguardar porque a sombra parece encobrir todos os arredores.

A agressividade do Contaminated faz de “Final Man” um disco muito pesado (ouça aqui). É quase difícil de discernir os instrumentos no disco e parece haver dificuldades por todos os lados. Na medida em que as guitarras tornam-se mais evidentes, eu fico muito impressionado com o que é realizado. É tudo muito grotesco e alienígena a ponto de cada reconhecimento tornar-se um encontro improvável, porque parece que estamos em um mundo usurpado e não somos nada bem-vindos.

Da selvageria da Tasmânia, surge o apocalíptico “Failure, Subside” (álbum de estreia do Départe, ouça aqui). A impressão de que há um demônio oculto em cada objeto que compõe nossa realidade é alavancada por rifes dissonantes, os quais se impõem à medida que suas sobreposições deixam impossível ouvir outra coisa. Junte ao fato da banda estar muito brava com sabe-se lá o quê e eles serem músicos muito técnicos, o que deixa ainda mais impressionante o apocalipse proposto. Aparentemente, não há motivo. Só ódio puro.

A maioria dessas bandas traz o que muitos chamam de “metal contemporâneo”, que na verdade não é nada mais do que diversos nichos de metal extremo sendo justapostos. Raros por fazer um death metal o qual pode ser considerado “puro”, o Altars, em seu debute “Paramnesia” (ouça aqui), opta pela ortodoxia enquanto relata sobre temas pesados focados em mitologias e trevas.

De maneira oposta ao tradicionalismo do Altars, o Illyria fez seu primeiro disco (autointitulado) ano passado. No que as bandas citadas imputam ódio ao mundo, o Illyria redireciona sua agressividade a um sofrimento que parece sem fim. Com um mundo fantasioso como pano de fundo, é admirável que encontrem em fábulas a criação de algo que transpira tanta agonia.

Assim como a abordagem do Deströyer 666, o Vomitor embrenha-se no tradicional blach/thrash metal de guitarras agressivas, voz abafada e suja. Impressiona a crueza da gravação, de modo que parece uma apresentação ao vivo em uma caverna esquecida. “Escape”, outro disco do Germ (ouça aqui), traz as modernidades já apresentadas, mas soa mais desesperado e menos contemplativo. Deixando a rasa influência eletrônica para trás, as tremuladas da guitarra guiam a poderosa orquestração do que parece ser uma queda sem fim.

Assim como o Altars, o Ignivomous também opta pelo death metal tradicional. Largamente influenciados pelo Incantation e bandas parecidas, “Contragenesis” é um grande disco para fãs mais tradicionais do gênero (ouça aqui). Até onde eu sei, o Hellbringer é a única banda de thrash metal “puro” que tem feito uma movimentação interessante por lá. “Awakened From The Abyss” parece pegar os melhores momentos de um Sepultura ou Slayer e executar fielmente essas referências (ouça aqui).

Ao mesmo tempo em que fica difícil estabelecer um eixo central que uma bandas tão diferentes, atos protagonizados pelo Portal (o lado mais sujo e caótico) e pelo Woods Of Desolation (em que a lenta construção das paisagens sonoras importam mais) evidenciam rupturas e homenagens ao metal canônico, de modo que evidenciam um fascínio pelo horror oculto, a caminhada por ambientes devastados e novos paradigmas importantes na música contemporânea.

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