OS DISCOS DA VIDA: MARIO BROSS

Imagine aquele craque dos gramados que, depois de muitas alegrias, títulos e conquistas no futebol, resolve parar de jogar bola. O tempo é cruel. Mas a esse profissional são dadas algumas opções: ele pode ser empresário, comentarista esportivo, técnico de futebol, por exemplo. Ser técnico de futebol é virar “professor”.

Agora pense em Mario C. T. Silva, ou simplesmente Mario Bross. Vocalista, guitarrista, compositor e letrista de uma das mais importantes bandas do Brasil, a Wry. O tempo não é tão implacável assim com os músicos, mas as responsabilidades da vida, sim. A Wry teve que parar as atividades em 2010. O motivo é se tornar “professor”.

Mario Bross, ao lado do companheiro de banda Lu Marcelo e de Jon Hassuike (técnico de som da Wry), abriu o Asteroid Bar, na mesma Sorocaba que viu surgir o Wry em 1994. Com o bar e todas as responsabilidades que dele surgem, não houve mais espaço pra banda. Mario passou “pro lado de lá”, o lado do produtor, do promotor, do paizão pra trocentas bandas que têm no Asteroid um dos melhores palcos pra se tocar no Brasil (se não for o melhor, pelo menos o melhor que abre espaço pra bandas novas).

Não só isso, quem acompanha o Twitter do estabelecimento, vez por outra percebe algumas “dicas” de como as bandas devem se portar na divulgação, por exemplo. Mario Bross virou “professor”.

Mas pra quem é fã da Wry, como eu, nada mais gratificante do ler o próprio Mario contando suas histórias – belas histórias de uma vida invejável de ídolo de muita gente boa (como do dia em que o My Bloody Valentine foi assistir a um show dos sorocabanos lá em Londres, no seu blogue, que infelizmente morreu).

Nessa edição de “Os Discos Da Vida”, ele conta algumas outras histórias bem interessantes – e emocionantes – como a dificuldade do My Bloody Valentine em reproduzir ao vivo uma música, ou o dia em que Mario Bross acabou eternizado pela Legião Urbana.

Esses são os discos da vida dele – e da nossa. Como bom alunos, prestemos atenção.

MARIO BROSS

“O que eu tenho a dizer dos 10 discos da minha vida tem mais a ver com o efeito que o disco causou em meu comportamento do que sobre músicas dos discos em si. Lógico, sofri pra escolher e nem sei o critério que usei pra definir essa minha lista, que a princípio estava dando 14 discos. Adorei o pedido do Floga-se, pois me fez lembrar de coisas que estavam perdidas dentro da minha memória de longo prazo, eis que as desenhei novamente dando muitas risadas ou ficando emocionado. Como é importante a música em nossa vida, que nos faz mudar o jeito de ser, que nos faz descobrir o que queremos, mesmo que o que queremos pode mudar com a audição de um próximo disco. Música é ciência pura, uma matemática que mistura Física com Psicologia. Os 10 Discos da Vida estão aqui”.

(“Quando puder colocar os “Discos da Vida – Bônus Track” me avisa, pra acrescentar aqueles outros que ficaram de fora”.)

John Lennon – “Shaved Fish” (1975)
Queria fazer música como as do John Lennon
Era o ano que John Lennon foi assassinado por Mark Chapman, o cara que estava pirado no livro “O Apanhador no Campo de Centeio” (J. D. Salinger) e decidiu acabar com a felicidade de todos. Eu, é claro, não sabia de nada disso, era uma criança de sete anos de idade naquele mês de dezembro. Minha memória nostálgica constrói as minhas manhãs sozinho em casa, todos os meus cinco irmãos trabalhavam e meus pais também, e me vejo o ouvindo repetitivamente na vitrola que ficava na sala de piso frio marrom e bege e tapete marrom-terra, onde me deitava e tentava me lembrar do futuro. Muitas músicas que escrevi carregam a estrutura de notas repetidas e mantras que Lennon gostava de nos presentear. Tinha uma ligação forte com Natal também, pois era na mesma época e tenho uma saudade melancólica desses dias, aprendendo sobre como eu viria a ser.

Ouça “Cold Turkey”:

Vários – “Sub” (1983)
Virei punk
Quando descobri essa coletânea, pelas mãos de um amigo, não parei de ouvir. Já tinha onze anos, foi um tempo depois de quando foi lançado. Lembro de virar “punk”, tipo, peguei minha roupa de “Chips” e rasguei toda, cortei a calça e as mangas da blusa e tingi com “Quiboa”, que descoloria as partes torcidas numa bacia. Comprei uma camiseta dos Sex Pistols no Centro e fui numa festa punk com shows de bandas locais. Lembro que a banda Pobres Sororbanos queria tocar “Buracos Suburbanos,” do Psykóse, mas ninguém sabia a letra. Menos um baixinho que estava ali no canto. É, acabaram me colocando na roda. Eu cantei mas não ouvi nada. O mais legal foi que os punks, todos com 19 ou 20 anos, me chamaram pra sair a noite pelas ruas nos fins de semana e eu recusei dizendo que “minha mãe não deixava eu sair”. Passou-se o tempo, eu estava numa festa junina popular com a família e vejo o grupo de punks, num instante me escondi atrás da minha mãe pra que ninguém me visse pra me cumprimentar, pois eu ficaria sem graça. Não sabia como minha mãe poderia reagir ao saber que eu conhecia aquele povo, afinal eu tinha onze anos.

Ouça “Bloqueio Mental” (Cólera):

The Cure – “Standing On The Beach” (1986)
Roupas de Menina
Do punk eu fui pro gótico ouvir Echo And The Bunnymen, Siouxsie & The Banshees, The Smiths e The Cure. Me auto titulava “dark”, me apelidava de Koró e pichava muros com meus amigos. Saía em bandos e todos de preto. Eu não tinha dinheiro pra comprar roupas novas, então pintava as minhas roupas velhas de preto com um pó barato que vendia nas mercearias e usava blusas e sapatos com tarrachas e couro das minhas irmãs. A música do álbum que eu mais gostava era “Killing An Arab”, ouvia cinquenta vezes no mesmo dia. Adorava dançar como o Robert Smith nas festinhas de aniversário.

Ouça “Killing An Arab”:

The Jesus And Mary Chain – “Darklands” (1987)
No quarto, trancado
Esse álbum foi muito importante pra mim, me acompanhou numa fase horrível da minha adolescência. Com diversas dúvidas e questões sobre eu mesmo, me trancava no quarto e ouvia esse álbum sem parar, escrevendo compulsivamente poemas, textos e histórias diversas e reais. Chorava sozinho e me irritava com tudo o que acontecia. O mais legal foi que “Darklands” me acompanhou da escuridão a clareza dos meus pensamentos, foi o disco que eu mais ouvi do JMC na vida. Tive a felicidade de conhecer Douglas Hart e assistir shows pequenos ao lado de Jim e William Reid na época que morei em Londres. “Darklands” eu tenho no carro até hoje em dia e sempre escuto, sem pensar no passado, pois acho um disco muito atual, apesar da idade.

Ouça “Cherry Came Too”:

Legião Urbana – “As Quatro Estações” (1989)
Descobrindo as maravilhas da vida
Foi um marco na história do rock nacional. Esse disco explodiu e fez muita gente mudar o rumo da própria vida. Eu fiquei mais corajoso e descobri a noite e a farra. Lembro da entrevista que o Renato Russo deu a Bizz dizendo que gostava de meninos e meninas. Tive a sorte de ser ouvido pelo próprio num show em Sorocaba, no ano seguinte, quando ele muito bêbado não parava de falar pra aquela multidão, que ficava em silêncio, como se estivessem ouvindo um messias. Eu, no meio do seu discurso, grito: “rock and roll”! E não é que ele parou de falar, olhou pra direção onde eu estava e disse: “você quer rock and roll? Então você vai ter rock and roll”. Nisso, começa “1965 (Duas Tribos)”. Anos depois, em Londres, achei a gravação desse show num blogue de fãs da Legião e lá estava o momento que eu gritava e o Renato me respondia. Coisa de louco mesmo. Só a música pra nos proporcionar algo incrível como esse!

Ouça “1965 (Duas Tribos)”:

The Stone Roses – “The Stone Roses” (1989)
Sugarcubes ou Stone Roses?
Estava eu, Renato Bizar e Lu Marcello (futuros baterista e guitarrista do Wry) numa loja de disco em Sorocaba, no Shopping do Centro. Eu pego o vinil do Sugarcubes e o do Stone Roses e levanto dizendo: “e aí, qual eu levo?”. Ninguém nem pensou, falaram juntos “THE STONE ROSES”. E aí minha vida tomou o rumo que tomou. Eu queria um dia ter uma banda que fizesse algo daquele jeito, com aquela sonoridade, mas eu achava que era impossível, que o equipamento que eles usavam seria muito difícil de conseguir e eu teria que aprender a tocar muito e com o melhor professor. Isso não aconteceu, aprendi sozinho, mas mesmo assim, demorei, mas fiz sons que eram tão legais quanto os sons deles. Pelo menos eu acho (risos). The Stone Roses estão na estrada de novo e eu estarei lá para vê-los ao vivo e em alto e bom som antes que o mundo acabe!

Ouça “She Bangs The Drums”:

My Bloody Valentine – “Loveless” (1991)
Coisa de Outro Mundo
“Loveless” é um dos discos que mais ouvi na vida e o disco que mais fiz as pessoas comprarem, de tanto que eu amava. Tive fases com esse disco. Na primeira, da época que o disco saiu eu não entendia direito, me soava algo de outro mundo, me fazia ter pensamentos sobre o futuro, pois eu sonhava muito ouvindo-o repetitivamente. As segunda (2003) e terceira (2005, até hoje) fases foram já em Londres, quando eu sabia reproduzir sons parecidos e assim entendia mais e me deliciava curtindo aquele disco que eu dizia que era algo científico, algo além da música. Ainda acho. Cheguei a conhecer todo o My Bloody Valentine com mais afinidade com Kevin Shields e Deb Googe, que até hoje mantenho contato via e-mail. Fui a vários shows do MBV e relatei sobre o dia em que eles estavam em um dos shows do Wry, num blogue que mantive por alguns anos em Londres. Tive a oportunidade de falar sobre esse disco, algo que fez com que eu aprendesse e evoluísse o som do Wry ao que a gente achava que era legal. “Come In Alone” é uma das músicas mais lindas que existem no Universo que conheço até hoje e, segundo Shields, é a mais difícil de se reproduzir ao vivo, pois nenhum retorno no mundo é capaz de alimentar o que ele precisa ouvir quando liga os pedais que dão o som do rife de entrada e das pontes no decorrer da música.

Ouça: “Come In Alone”:

U2 – “Achtung Baby!” (1991)
Até cigarro fumei porque o Bono apareceu fumando no vídeo de “One”
“Achtung Baby” eu amei logo no primeiro momento que ouvi o primeiro acorde de “Zoo Station” e viciei, não parei mais de ouvir. Muitos dos meus amigos diziam que o U2 viria dance e tinha largado o rock’n’roll. Depois que o disco saiu todos viram que foi o contrário, o que a banda largou foi aquela proximidade com religião e igreja, sob a qual a banda passou quase todos os discos anteriores. Nesse eles chegaram com prostitutas, cigarros e rebeldes, como nunca foram antes. Me identifiquei tanto que até uns tragos de cigarro eu dava numa louca da minha adolescência.

Ouça “One”:

The Strokes – “Is This It” (2001)
Cheguei em Londres e esse disco foi lançado
Eu cheguei em Londres e tomei um susto, tudo que eu via nas capas das revistas era R’n’B e UK Garage, só Destiny’s Child e todo a galera “wanna be American” que assolava as rádios. Até que passou uma semana e veio a frase na NME dizendo algo como “The Strokes Salva o Rock” – e foi dito e feito. As coisas mudaram do “Is This It” pra frente e pra melhor, pelo menos pro meu gosto. Hoje em dia, eu divido indie rock do rock alternativo anterior à explosão dos Strokes e vivo feliz, adoro novidades, ainda mais quando elas são fantásticas. Tudo mudou em Londres, todos deixaram os cabelos crescerem e usavam jaquetinhas de couro no melhor visual “Ramones encontra The Velvet Underground”. Vi o show deles desse disco umas três ou quatro vezes e sempre adorava. The Strokes mora no meu coração e será difícil sair pois apareceu pra mim num momento de salvação e descobertas das coisas mais loucas da noite londrina.

Ouça “Hard To Explain”:

Sigur Rós – “Takk…” (2005)
… e o Wry começou a fazer o som real
Acho que quando ouvi “Takk…” pela primeira vez, senti algo sensacional e disse pra mim mesmo esquecer tudo que estava ao meu redor e fazer o som que eu realmente queria fazer. O Wry era rodeado de gente que ajudava e ao mesmo tempo pressionava a fazer isso e aquilo, eram grandes gravadoras nos olhando e dizendo isso, aquilo e mais aquilo outro. Tivemos uma fase escura na Inglaterra, entre 2003 e 2004, mesmo com essas majors nos observando. Mas 2005 veio e trouxe muitas coisas legais, como os melhores lançamentos que considero do Wry, como o EP, somente lançado lá fora, “Whales And Sharks” e o “She Science”, que é mais recente; sem esquecer do “Flames In The Head”, que cruzava duas tendências do Wry, a mais crua e a mais experimental. Tudo (re)começou com o “Takk…” e conseguimos até assinar com uma gravadora que era uma das que a gente mais comprava CDs, a Club AC30. “Takk…” é emoção pura com musicalidade simples (estrutura) e complexa (identidade). Esse disco me serviu, e ao Wry, como um espelho. Sabe, quando você para na frente do espelho e realmente se vê. Nada de comparações musicais, foi mais como um espelho mesmo, literalmente.

Ouça “Glósóli”:

Na edição anterior de Os Discos da Vida, “Os Discos da Vida: Fabio Bridges”.

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Comentários

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2 comentários

  1. Lendo tudo isso, cheguei num momento de total climax, ou, qualquer outra que defina, senti um puta arrepio foda lendo sobre o Disco do Legião Urbana, quando o Renato parou seu discurso logo após o grito do Mário. E sobre o Mário, é um cara impar, e sem dúvidas responsável indiretamente ou diretamente em tudo que vivi nos últimos 3 anos praticamente graças ao Asteroid!

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