PENSE OU DANCE: DO CONTRA

O que seria do azul se todos gostassem do amarelo? Essa lógica graciosa é repetida há gerações pra mostrar o óbvio: as pessoas não pensam da mesma forma. Ainda bem.

Mas curiosamente o que prega-se é o contrário: quanto mais dentro do quadrado, melhor.

Pretende-se que você goste dos mesmos filmes, das mesmas roupas, que frequente os mesmos lugares, que tenha as mesmas ambições, que goste das mesmas músicas.

Quem pensa fora desse quadrado estipulado pelos meios de produção e distribuição, buscando alternativas, novas visões e outras vivências, acaba renegado, visto com olhos torcidos, com a desconfiança que o isolamento supõe. Então, formam-se nichos e tribos, as pessoas buscam outros iguais pra não se sentirem fora do todo.

E é isso o que enriquece a cultura pop em geral. A divergência, o choque, a minoria, o confronto, o tapa na cara. A maioria não importa pra inovação e a inovação só importa pra maioria quando não for mais inovação.

Ser do contra é um exercício de prazer cultural – pra quem presencia a expressão – e de explosão contra o conformismo – pra quem transforma essa inquietação em linguagem. É um exercício de pensar.

Musicalmente, você pode citar o punk, a new wave, o rap, o que for… Os estilos ou negam o vigente ou confrontam condutas sociais, ou buscam aceitação com choque da classe dominante (como o funk carioca). Nadam contra a maré, submersos, até conseguirem ar pra respirar. Há muitos e muitos exemplos na história pop.

Quero crer que se um dia eu me metesse a ser artista, ter uma banda, tocar alguma expressão artística em frente, que escolheria pelo mais difícil. Não é justo exigir isso de ninguém, mas é prazeroso ver que há gente que se preocupa com rupturas, ou com o caminho tortuoso da busca pela inovação ou de uma linguagem mais autêntica (pra si), em detrimento da facilidade de aceitação.

O Brasil vê uma intensa (e não arquitetada) formatação da sua MTB, com artistas sem a preocupação primeira de “serem aceitos” ou conseguirem sucesso comercial.

Ninguém curte rasgar dinheiro, mas dá pra notar que uma voz como Juçara Marçal não buscou a comodidade da MPB clássica, embora esteja afiada pra isso. Sua arte vai contra o princípio do mercado de aceitação, de facilitar pro ouvinte. Uma banda como a Lupe de Lupe, que resolve lançar um disco duplo, em pleno 2014, numa época em que a molecada tem paciência mínima, vai contra uma lógica que rege a maioria: que rádio apostaria na banda? Quem compraria um disco duplo de uma banda subterrânea? Mesmo assim, em ambos os casos, o investimento artístico foi feito.

A torcida é pra que os que versam pela MTB, além da Lupe de Lupe, Juçara Marçal e tantos outros, consigam seus nanomercados e sobrevivam com sua arte. Eles já fazem shows por aí, torço pra que não sejam reféns do mercado cruel do “toque-por-espaço-porque-não-tenho-dinheiro-pra-te-dar”.

Porque é uma tarefa difícil ser do contra, ir contra a maré.

E toco nesse assunto por conta de outro assunto que tratei recentemente. Ao contrário do que muita gente achou, o Floga-se não vai morrer (pelo menos não por agora e nem há ideia disso). Só é difícil nadar contra a maré e ficar olhando por frestas que ninguém tem paciência de olhar.

A proposta do site sempre foi bater de frente mesmo (e a postura no podcast O Resto É Ruído, de discutir e rediscutir o subterrâneo da música, é uma extensão disso): é evitar o lugar-comum, o mais do mesmo das assessorias e dos indies-festivos. De preferência, ser do contra. Repensar, refletir, reimaginar.

Parece discurso vazio quando se olha um conteúdo não tão rico como gostaríamos, mas que é o que tentamos e podemos, dentro das nossas limitações de estrutura, entregar ao leitor. E é mais ou menos como as bandas citadas acima e tantas e tantas e tantas outras se sentem ao não aderir ao gosto médio e popular (sem julgamento de mérito aqui sobre quem adere): não é fácil pra elas assumir uma postura de enfrentamento a esse gosto.

No fundo e de fato, não há mais valor ou integridade ao atuar dessa maneira, longe disso. Cada um faz o que acha que deve ser feito na produção, como linguagem de sua arte. Arte não se mede dessa forma, por “dificuldade” de produção ou por “dificuldade” de aceitação. Pelo menos, não deveria. Mas o ouvinte (ou leitor, ou espectador) pode perceber nessa tomada de decisão uma medida de atração – porque a medida de repulsa a lógica de mercado já impôs. E aí, além de talento, qualidade da obra e outra variantes de apreciação, entra a reverência pela ousadia de chutar umas canelas, de gritar na cara daquele fator opressor, de se tornar libertador da mesmice.

Não é algo que vale a pena? O artista não vai ser melhor por isso (o talento ainda é o que mais deveria contar), mas ele vai ser, pelo menos pra mim, mais importante. Porque são esses artistas que movimentam o fundo do rio, pra que o rio continue em movimento, cada vez mais feroz, cada vez mais caudaloso, cada vez mais temerário.

Os artistas “do contra” devem sempre existir. Nem só de amarelo ou de azul vive esse mundão diverso.

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Comentários

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2 comentários

  1. O desajuste sócio-cultural é a única salvação para se livrar do padronizado mainstream góstio-prazeral. E viva o lumpenproletariat, mundo fecundo à margem de regras, modismos, condutas e estéticas. No news, tell to tell, mas sempre com muito orgulho de dar um belo floga-se contigo para a sociedade caga-regras de consumo!

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