PENSE OU DANCE: O OUTRO LADO

Não é de hoje que o Floga-se discute aqui o preço dos ingressos pra shows internacionais. Falamos do câncer das carteirinhas de estudante do jeito que estavam; falamos que a luta tem que ser por respeito e não só por preço; e salientamos principalmente que sem saber exatamente os custos do produtor, fica difícil afirmar que ele está sendo um sacana e colocando o preço lá em cima só pra roubar o pobre dinheirinho do fã que sabe-se lá quando terá outra oportunidade de ver sua banda preferida.

Se por um lado, produtores pequenos, como os que trouxeram o Beach Fossils ao Brasil em 2013, preferem ser transparentes quanto à planilha de custos, os médios e grandes não fazem a menor questão disso – e, diga-se, não há a menor obrigação pra serem, o que só enaltece ainda mais a iniciativa do caso-Beach Fossils.

Fica, pois, valendo o que está na face do ingresso e na boca dos produtores: é assim que o mercado de shows internacionais singra.

Porém, ao invés de ficar só no blábláblá, resolvemos, junto com a bancada do podcast O Resto É Ruído, entrevistar o eleito pelo público como o maior vilão nessa questão de preços de ingressos, o jornalista Lúcio Ribeiro.

Sempre considerei Lúcio Ribeiro um cara relevante, pelo pioneirismo no uso da Internet pra falar com seu público e por ter aberto a porteira do discurso “indie” por aqui. Ele praticamente inaugurou o jornalismo musical online anos 2000 no Brasil. Não é pouco.

A sua história está na primeira parte do programa e é bem divertida.

A segunda parte, porém, é que pega. É quando discutimos duas questões: preço e respeito.

Aí aparece o Lúcio Ribeiro que deixou de ser jornalista e público pra ser produtor e alvo de muitas críticas. Ele diz que não se importa com as críticas, que não liga. Ok. Se você ouvir o programa, perceberá que não é bem assim. Mas isso não importa, de verdade.

O que importa está em dois pontos. O primeiro deles é quando diz que enquanto houver gente pagando, está tudo bem. Embora ele não seja obrigado a divulgar a planilha que ele afirma ser apertadíssima, e assim temos que acreditar nele, o entrevistado admite que os valores dos ingressos são altos, pra média brasileira. Mas enquanto tiver gente pagando, caro vai ficar. Ou não ter show nenhum, como ele mesmo afirma.

Aqui, vale abrir parênteses: “ingresso caro” é uma determinação bastante pessoal, cada um atribui valor de acordo com a necessidade e a possibilidade. Por exemplo: é caro pagar “x” reais numa banda que você adora, que nunca veio ao Brasil e que provavelmente vai demorar pra voltar? Ou é caro pagar os mesmos “x” reais pra uma banda que você nem gosta tanto, mas gosta, e que vem por aqui vez por outra? Ainda contam sua situação financeira quando da venda de ingressos, se você tem que pagar táxi na volta ou estacionamento, se você tem que pagar prx namoradx etc.

Fecha parênteses.

Lúcio Ribeiro precisa ganhar dinheiro. Passou de público a empresário e empresário nenhum investe sua grana pra perder, só pra fazer os outros felizes. Ele quer ganhar seu cascalho e, mais do que isso, precisa ganhar pra continuar fazendo a roda girar. Ora, se nem as bandas trabalham só por amor, por que ele deveria?

Ele afirma que nem com patrocínio e a regulamentação das carteirinhas de estudante (os tais 40% de cota) consegue aplacar o “custo Brasil”, de modo que o cenário é assim e assim vai ficar. Pode continuar chiando. Não vai adiantar nada.

O segundo ponto, o que considero mais importante, é a questão do respeito. E é onde ele se sentiu mais incomodado – ou surpreso, por não crer em tal reclamação.

Ele lava as mãos com relação aos shows não começarem no horário e terminarem após o metrô fechar (as duas casas que ele mais usa estão perto de estações do metrô). Lava as mãos com as filas intermináveis na porta, com a taxa de conveniência, com tudo que está atrelado ao espetáculo. Pra ele, se há espetáculo, tá bom. Pra ele e pra quem paga o preço que ele pede pra pagar, ter a banda tocando no Brasil é o que basta. É como se o produtor fizesse um favor a todos, trazendo as bandas pra cá. Nesse ponto, ele não é um empresário pensando em dinheiro, mas um benfeitor.

Um dos argumentos que ele usou, já no final do programa, foi que ele foi na Inglaterra a shows em lugares apertados, sem ar-condicionado, que terminavam depois do transporte público se encerrar e que não há nada demais nisso. Lá, é comum.

Já tratei sobre essas comparações equivocadas com “o que é feito lá fora”, mas vale lembrar (e não o fizemos no programa) que o ingresso lá na Inglaterra custa em torno de R$ 60,00. Aqui, custa, nos eventos dele, entre R$ 150,00 e R$ 200,00, três vezes mais – se você, como eu, não falsificar carteirinha de estudante e tiver que pagar a “inteira” (que é, na verdade, e ele admite isso, o dobro da inteira, estipulada como “meia”).

Ora, por um preço três vezes maior, roga-se um pouco mais de respeito – se bem que respeito com o público o organizador tem que ter até em eventos gratuitos. Mas isso, pro produtor Lúcio Ribeiro, não importa.

Se você quiser ouvir o programa na íntegra, clique aqui, e tire suas conclusões (é altamente recomendado).

Por estar fora da rota de shows (apesar de dizerem por aí que o Brasil está na rota desde os anos 1980), há de se entender que artistas do Hemisfério Norte normalmente cobram caro, mas há exemplos de como isso não chega a encarecer o ingresso – as bandas que a Balaclava têm trazido são do tamanho das que Lúcio Ribeiro traz, nem sempre tocam só no SESC e os ingressos não custam tanto.

Parece implicância com o jornalista-produtor. Não é. Torcemos, sinceramente, pra que ele sempre tenha seu lucro e sempre possa continuar trazendo bandas menores pra esse palcos. É bem melhor do que vê-las em festivais assépticos. Mas da mesma forma que ele contribui pra fortalecer o calendário local, ele não parece estar atento à realidade do público. A tática “enquanto estiverem pagando, tudo bem” é autopredatória, discrimina todo o resto do público que não está topando ou podendo pagar.

Infelizmente, a conclusão é que não há muito o que fazer quando o que vale é a lei do “tem quem pague”. Por ora, só se pode lamentar.

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Comentários

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3 comentários

  1. muito bom o texto, viu? achei bem besta a postura dele no podcast e achei que vcs pressionaram bem pra ver se ele respondia mesmo (embora ali na muvuca tenha ficado parecendo que vcs estavam defendendo o preço caro, rs). Mas infelizmente é isso, o cara não está nem aí… e a gente pagando caro! Thanks Balaclava, tragam mais gente!

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