PENSE OU DANCE: TODO MUNDO QUER OUVIR MÚSICA… MAS COMO?

Em 1983, a venda de EPs e LPs pegava 36,6% da fatia de mercado nos Esteites. Cassetes, 41,4%; singles em vinil, 21,8%; e um recém convidado pra festa, o CD, 0,1%.

Faça um corte e vá pra 1993. Dez anos depois, esse novato já dominava 51,8% das vendas (acrescente 0,8% com CD singles), com o imbatível cassete papando 44,5% (graças aos toca-fitas de carro) e todo o resto, LP/EP, vinil single e vídeo, somando 2,9% (desses, LP/EP com 0,1%).

Em dez anos, tudo mudou. O CD dominava em 2003, ano do seu auge de vendas, com impressionantes 93,4% (some 1% de CD single). A fatia matou o cassete (2,2%), vídeo (2,5%), DVD (0,1%), LP/EP + vinil single (0,7%).

O domínio duraria pouco. Se o vinil e o cassete demoraram mais de quarenta anos pra perder a hegemonia, o CD só teve doze anos de glórias. Em 2005, apesar de ainda representar 54,1% de vendas, já se via ameaçado pela nova força que vinha de celulares e computadores. A música digital, em 2005, tinha 42,4% do mercado, sendo 28,2% de músicas avulsas. Era a força do iTunes.

Dois anos depois, na medição de 2007, venda online de música avulsa já somava 44,2% do mercado. Somando-se com a venda pra celulares (vários formatos englobados aqui), que tinha 23,4%, o digital encerrava de vez a era dos CDs, que ficaram só com 27%.

Daí, chegamos a 2014. O levantamento da Nielsen diz que o bolo já vai mudar, embora nunca tenha se mostrado tão fracionado como agora. CDs ainda representam uma boa fatia, 12%. Mas venda online representa apenas 15%, numa queda enorme da divisão. Ok, a Nilsen coloca no bolo venda de ingressos pra shows, pra festivais, gift cards (que nunca colou no Brasil, infelizmente), festas com DJs (por conta de direitos autorais) e inscrições de rádios pagas. Tudo isso gera renda pra indústria.

O novo concorrente dessa segunda década do século é o pessoal dos serviços de transmissão de música (streaming). Nos Esteites, país-base pra todos os números acima e espelho pro mercado mundial, streaming pago ainda representa apenas 3% do mercado.

O estudo oferece um dado interessante: 93% da população do país gasta mais de vinte e cinco horas por semana ouvindo suas músicas preferidas e 75% prefere ouvir música do que ver tevê (73%): “Seja no carro (25%), no local de trabalho (15%) ou em tarefas cotidianas (15%), gastamos grandes pedaços de nosso tempo ouvindo música”. Ou seja, o mercado existe, está fragmentado e mesmo assim não se estabiliza, parece cada vez mais pruído.

Ainda de acordo com a Nielsen, 2014 foi um ano “memorável pro streaming“, mas não necessariamente o pago. Foram 164 bilhões de faixas em áudio e vídeo, contra 106 bilhões em 2013. Um aumento de mais de 60%. Enquanto isso, os vinis mostraram o nono ano seguido de aumento nas vendas, chegando a 9,2 milhões de unidades vendidas, embora esse número só represente 2,5%.

O dado que mostra que novamente as coisas estão mudando é que a venda online registrou um decaimento de 13% e o streaming aumentou 54%. Além disso, os CDs caíram 15% Teria o CD morrido?

Se só duas frentes cresceram e sabemos que vendas em vinil ainda são destinadas a nicho (leia esse artigo da BBC sobre as vendas na Inglaterra e o tamanho do maior “fenômeno”), seria o streaming o futuro?

Não, não seria. Já falamos sobre isso, sob outro aspecto. Pode-se dizer, inclusive, que o streaming está fadado a morrer em breve. Tendo em vista os dados acima e o tempo cada vez mais curto de domínio de cada formato, o pessoal do streaming precisa se coçar, ganhar o máximo de grana que puder ganhar por agora e se preparar pro pior.

O que a história ensina aqui é que a humanidade, inventiva e imediatista como só ela, vai logo arrumar uma nova alternativa pra ganhar dinheiro com música (dos outros, sempre dos outros). Só não se sabe ainda o que é.

O mercado, após o império do vinil, sempre esteve orbitando a tecnologia pra oferecer pureza (CDs prometiam qualidade melhor), segmentação e eficiência (iTunes e correlatos começaram a vender uma única faixa a preços de banana) e facilidade (streaming). Audiófilos e puristas ficam com os vinis. Colecionadores podem a qualquer instante, num futuro, voltar ao CD, como já começam a voltar ao cassete.

Há mercado, há segmentos, há oportunidades, mas a massa mesmo é que move as montanhas de dinheiro. Ela migra pra onde está a novidade e, ao que parece hoje em dia, pra onde está a facilidade. Se hoje o streaming começa seu domínio, é porque oferece essa facilidade. Porém, nada garante que os anseios dos consumidores mudem e um novo concorrente surja forte – não duvide: algum guri está criando a nova ideia nesse exato momento, em algum canto do mundo.

Quando a inovação chega até o consumo de massa, ela já é presente, não é mais futuro e está caminhando pra se tornar passado. É excitante não conhecer o próximo cenário. Mas o fato consolidado é: todo mundo quer ouvir música. E com tanto acesso, hoje quer mais do nunca. Não seria o caso de uma vez na história o mercado dar de fato algum retorno econômico pra grande massa de músicos criadores?

Se você é o guri que vai criar a próxima revolução tecnológica, favor pensar nisso.

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Comentários

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2 comentários

  1. Olá Fernando e pessoal que acompanha o site (aliás, já na hora de comentar aqui eu pensei exatamente o seguinte: vou comentar no Facebook, já que as pessoas deixaram de lado as discussões e leituras de comentários em sites e acabaram concentrando as discussões no Facebook – mas, e se o Facebook acabar ou as pessoas apagarem os perfis?),

    Ao entrar nesse debate, sempre vem a mente o novo disco do Foo Fighters: como todos sabem, o disco Sonic Highways é muito mais do que um registro fonográfico a ser comercializado em diversos formatos (todos citados pelo texto). Dave Grohl, que compreende tudo de promoção de suas iniciativas, entendeu o que a Starbucks e a Nike já empreendem há um bom tempo: não é sapato ou café que dá dinheiro por si só, já que no fim das contas a qualidade em si perde um pouco para o preço mais em conta. Para ganhar dinheiro hoje é necessário vender uma experiência, um disco que é mais que um disco (já que sua produção resgata a história da música nos EUA), é preciso um café que seja socialmente e ambientalmente responsáveis com produtores e com lojas com design moderno ousado e aconchegante e é bom demais ter uma marca de calçado ligado aos artistas do esporte e da música que fazem coisas inimagináveis – e, ao mesmo tempo e com esses tênis, nos sentimos mais perto e tão descolados como esses ídolos.

    É o tal do branding, da marca como experiência (que daí compensa o preço mais caro – já que queremos essa marca-experiência), do capitalismo como experiência de vida que está para além da mera compra. Nos sentimos bem comprando, já que não estamos apenas comprando – mas procurando algo que, supostamente, transcende o fato de gastar dinheiro.

    Nesse contexto, assim imagino, os formatos se sucedem, vão e voltam, mas a tendência futura – inclusive na música, o que já acontece em shows avulsos e festivais – é a experiência enquanto mola que nos impulsiona. O gourmet e os food trucks são só brincadeiras e apostas temporárias, perto dessa tendência mais ampla (que abraça até quem busca, por exemplo, um consumo mais ecológico, sem estimular agronegócio e tal). Veja o tamanho do nó em que nos enroscamos.

  2. O lance do branding é real. Mas é “negócio”, não “arte”, e artista a gente sabe não se liga nisso, salvo raríssimas exceções. O fato é que, sim, há mercado pra caramba e os formatos vem e vão, mas a massa que torra a maioria da grana quer novidades, acredito.

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