RESENHA: ANTIMANICOMIAL – ANTIMANICOMIAL (EP)

“Nise: O Coração Da Loucura”, filme de Roberto Berliner, com Glória Pires, lançado em 2016, dá uma boa ideia do trabalho inspirador de Nise da Silveira, uma das mais renomadas psiquiatras brasileiras, com pessoas portadoras de doenças da mente e renegadas ao esquecimento pela sociedade.

Tratados como cobaias até a sua chegada, os pacientes passaram a ter um tratamento humanizado pelas artes e pela proximidade com animais de estimação.

Nise é exceção, como se sabe. Outra obra popular de grande impacto, “Holocausto Brasileiro”, livro escrito e lançado por Daniela Arbex em 2013, mostra os maus-tratos no Hospital Colônia de Barbacena, de gente internada por simplesmente ser indesejada, como exemplo de como era o padrão nessa área. O Brasil do punitivismo exacerbado resvala no Brasil da higienização, da gentrificação e de toda forma de segregação de uma auto-proclamada sociedade “sã” e “pura”.

A dupla George Christian e Flávia Goa, com a participação de Tatiana Drummond, assinando como Antimanicomial, entrega, nas palavras deles, “uma contestação musical em nome da rejeição da ideia de um retrocesso político aos tempos dos manicômios, um EP sobre a ausência da sanidade e o seu desamparo nas esferas de poder. É um trabalho que revolve em torno de um conceito explorado em três faixas que simbolizam três estágios de mergulho na mente de alguém que enlouquece em um manicômio imaginário: a vivência com o real sendo arruinada; os tratamentos que se assemelham a métodos de tortura; a revolta como levante ou a vitória da demência”.

A vitória da demência é exatamente o que parecemos encarar no Brasil 2019 – numa guerra gestada nas tais “jornadas de junho de 2013”. Os eleitos e seus eleitores não se importam mais em esconder seus preconceitos e preferências segregadoras. Uma batalha não só de narrativas inapropriadas a qualquer um que tenha um pingo de civilidade, mas de desejos de liberalização pra colocar em prática, sem aborrecimentos tais como Estado de Direito e conceitos de humanidade, seus ódios contra quem acreditam ser “indesejados”.

Armados com violão elétrico e guitarra, o trio experimenta uma comunicação pouco usual, infiltrando ruídos e tensões entre notas melodicamente acessíveis e outras incômodas. Nas três faixas, não há uma lógica de “canção” e sim de dramaticidade, diante do universo avaliado. É uma representação. Uma trilha sobre um visual imaginário – o EP “tem como objetivo inserir a música experimental no contexto da luta antimanicomial contemporânea por acreditar no poder transformativo da autoexpressão artística como forma de cura”. É como pensava Nise. A questão é que a representação aqui não se dá pra internos, o que torna o resultado uma mera teatralização.

Nise tem uma frase que resume bem as pretensões do Antimanicomial: “não se cura além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas muito ajuizadas”.

O juízo nunca foi algo objetivo. Na música, então, ele é nada mais do que um degrau comercial. Está longe da ideia do Antimanicomial. Suas notas ajuizadamente fogem do juízo-comum e devem ser admiradas como uma declaração, traduzindo o inferno que uma sociedade doente expõe.

1. Rota Antimanicomial
2. Lobotomia
3. Esquizoanálise

NOTA: 7,0
Lançamento: 22 de maio de 2019
Duração: 25 minutos e 32 segundos
Selo: Noise Invade
Produção: Antimanicomial

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