REVISITANDO: BILL HOLT – DREAMIES: AURALGRAPHIC ENTERTAINMENT (1973)

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Bill Holt nasceu num subúrbio da Filadélfia, Esteites, em 1944. Como todo garoto daquela época, foi profundamente impactado pelas mudanças comportamentais que o rock’n’roll trouxe, principalmente com Bob Dylan e os Beatles.

Aos dezenove anos, ele e sua então namorada se viram grávidos e tiveram que casar: responsabilidade, emprego (na 3M), casa financiada a perder de vista, o sonho americano forçadamente materializado em sua vida. Durante quase dez anos, ele, à revelia, aguentou esse cotidiano.

Mas em 1972, Holt deu um basta ao american dream. Depois de ver Glenn Campbell se apresentar na tevê, resolveu comprar uma guitarra (ovation), um sintetizador Moog (SonicSix) e um gravador de quatro canais (TEAC 4), pediu demissão, se trancou no porão da casa financiada e resolveu compor.

Detalhe importante: Holt não era músico, nunca havia composto uma nota na vida. A única experiência que ele tinha era ter arranhado uma guitarra em bandas na adolescência. Mesmo assim, seguiu em frente.

Impressionado com “Revoluiton Number #9”, peça experimental que os Beatles entregaram no seu “disco branco” (de 1968), Holt partiu pra sua empreitada, queria deixar sua marca na história da música.

Antes, entre um programa de tevê e outro, durante sua imersão no american dream, Holt teve contato com a obra de John Cage. Leu o que pôde do músico. Juntou as peças e saiu o trabalho ultra experimental “Dreamies: Auralgraphic Entertainment”, lançado em 1973, pela Stone Theatre Productions ?(que vinha a ser, claro, seu próprio selo e que só lançou este disco).

Com o sugestivo nome de “Dreamies”, uma assinatura pretensiosa, “entretenimento gráfico da aura”, e uma chamativa capa (“100% recomendado pra uma linda e elétrica viagem pela imaginação” e “uma incrível experiência mental”), como se fosse uma caixa de cereais, ele criou um dos discos mais impressionantes da história.

O termo “dreamies” foi tirado do conto “Dreaming Is A Private Thing”, de Issac Asimov, publicado na edição de dezembro de 1955 da revista The Magazine Of Fantasy And Science Fiction. A história é sobre Jesse Weill, fundador da “Dreams Inc.”, uma empresa que produz sonhos pra usos privados apenas. Os “dreamies” são como filmes, que você pode alugar ou comprar pra ver em casa.

Era o sonho de Holt. E, como de se esperar, privado. Quase ninguém se deu conta à época, do quão genial era o exercício criado pelo artista. Com a peça dos Beatles na cabeça e os ensinamentos de Cage e da psicodelia dos anos 1960, Holt montou um disco de cinquenta e dois minutos cheio de colagens, samplers dos próprios Beatles (é bem divertido tentar descobrir quais são e onde estão), de comerciais de tevê, de discursos políticos, e programas de televisão etc.

Ninguém comprou, claro. Até porque, Holt chegou atrasado. Em 1973/1974, a psicodelia já era coisa do passado, as longas paisagens sonoras dos grupos progressivos que pretendiam “sinfonizar” e “amadurecer” a música jovem é que ditavam as cartas, é que faziam a cabeça da moçada. E, além do mais, quem iria dar atenção a um pai de família suburbano de vinte e nove, trinta anos?

Holt se viu em dificuldades financeiras e teve que procurar emprego novamente. Mas já era outro homem, talvez realizado.

Apesar do fracasso, o tempo tratou de resolver a falha histórica. Holt viu seu disco cair nas graças da crítica três décadas depois (a Mojo o colocou merecidamente nesta lista, na posição #37). De 2000 pra cá, foram diversos relançamentos do trabalho, em CD, LP e arquivos digitais (com as duas peças dividias em muitas outras).

Ouça “Program Ten” em duas partes:

Sobre Holt, vale ler também esta entrevista de 2010, onde ele conta timtim por timtim o processo de vida que o levou ao disco, as reações das pessoas, da família, suas intenções…

Hoje, eles passou a produzir uma infinita série de remixes e sátiras políticas, tudo no site oficial do projeto. Ele tem agora um estúdio pra som e vídeo e mora no mesmo subúrbio e com a mesma esposa. A vida foi muito boa pra ele.

Se a música serve pra mudar as pessoas, nem que seja por alguns instantes, Holt é uma das grandes provas disso.

Lado A
Program Ten (26’10”)

Lado B
Program Eleven (26’15”)

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Comentários

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Um comentário

  1. Thanks for the nice review of Bill Holt and dreamies. We would appreciate it if you would replace the free download with a link to where Bill’s music can be purchased – iTune etc. Thanks again for the great review.

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