REVISITANDO: CROSBY, STILLS, NASH & YOUNG – OHIO (1970)

A Guerra do Vietnã começou oficialmente em 1º de novembro de 1955, mas os Esteites embora estivessem envolvidos provendo inteligência desde pouco tempo depois só foi se envolver militarmente na década de 1960. As feridas da Segunda Guerra e da Guerra da Coreia (1950-1953) ainda não tinham parado de sangrar. A Crise dos Mísseis, em 1962, ainda estava fresca na memória quando Richard Nixon foi eleito, em 1968, prometendo colocar um fim à Guerra do Vietnã.

Mas um ano depois, em 1969, a opinião pública estadunidense foi exposta ao pior e ao mais cruel da guerra. O Massacre de My Lai aconteceu em maio de 1968, antes da eleição de Nixon: soldados estadunidenses mataram mais de quinhentos civis vietnamitas desarmados no sul do país, incluindo mulheres, crianças e até bebês. Mulheres foram estupradas em grupo. Corpos foram mutilados e queimados vivos. Quando o massacre foi divulgado, mais de um ano e meio depois, já com Nixon no poder, a revolta contra a guerra, que já era grande, cresceu até entre os que antes insistiam em apoiá-la, ainda por força da lavagem cerebral feita na Guerra Fria.

Os protestos contra a guerra se intensificavam quando, meses depois, em 30 de abril de 1970, o governo anunciou que o exército faria também uma incursão no Camboja.

Em Kent, uma pequena cidade no estado de Ohio, os então vinte mil habitantes estavam acostumados com as manifestações pedindo paz e contra o governo promovidas pelos estudantes da Universidade Estadual de Kent.

A Universidade, um dos orgulhos da cidade, é uma das maiores instituições de ensino do país. Mas naqueles dias turbulentos, os protestos haviam saído do controle. Na noite de 1º de maio, alguns estudantes enfrentaram a polícia ao sair de um bar onde planejavam os próximos dias de protestos. Garrafas de cerveja voaram, vidraças de banco e lojas foram quebradas, a polícia ficou acuada.

O prefeito Leroy Satrom, um Democrata que recém havia assumido o posto, chamou toda a força policial da cidade pra cuidar dos confrontos e logo declarou estado de emergência na cidade. Pediu ajuda ao governador James Rhodes, esse Republicano, e ordenou fechar todos os bares de Kent, o que causou mais irritação na população já furiosa. Usando gás e táticas de guerra, a polícia conseguiu evacuar os manifestantes do centro em direção ao campus da universidade.

Com medo de que no dia seguinte, um sábado sem aulas, as coisas se intensificassem, o prefeito aceitou o apoio da Guarda Nacional de Ohio, enviada pelo governador. A boataria e notícias falsas voavam como balas pelos ouvidos das autoridades, dizendo que “revolucionários” de outras localidades estavam indo a Kent pra reforçar a turba e “destruir o comércio local”.

Da fato, o sábado foi bem tumultuado, com um prédio da universidade terminando em chamas e muito enfrentamento com a polícia. Já eram mais de mil manifestantes a essa altura.

O domingo, 3 de maio, foi estranho. A Guarda Nacional de Ohio, que equivale às Polícias Militares (que são estaduais) no Brasil, ocupou o campus. Mas o que parecia uma zona militar de guerra, coisa de filme, também tinha confraternização. Alunos eram vistos conversando animadamente com membros da polícia naquele dia ensolarado. Havia gente fazendo piquenique. Entretanto, a tensão estava no ar, a fumaça ainda era vista.

O protesto principal aconteceria na segunda-feira, dia 4 de maio, como combinado na sexta-feira, quando os bares foram fechados. Na pauta, além da questão do Camboja, havia agora a repressão policial de sexta-feira, a presença maciça da Guarda Nacional de Ohio e uma declaração infeliz do governador numa coletiva de imprensa ocorrida no domingo, chamando os manifestantes de anti-americanos, descendo a lenha neles e ameaçando que toda força seria usada contra eles. As declarações fizeram o domingo que havia começado tranquilo terminar em confronto, com gás lacrimogêneo e prisões. O governador simplesmente proibiu novas manifestações e comícios no dia seguinte.

Acontece que mesmo assim uma multidão começou a se reunir desde as onze horas da manhã. Ao meio-dia, toda a área comum continha cerca de três mil pessoas. Comícios foram realizados e os maiores alvos eram o prefeito, o governador e Nixon. Havia cerca de cem soldados da Guarda Nacional do Ohio carregando rifles militares M-1 letais. Contra estudantes desarmados. Exatamente o mesmo quadro visto em My Lai.

A manifestação se iniciou pacífica no campus, só que logo o comando da Guarda Nacional ordenou que os manifestantes se dispersassem. Seu argumento é que aquele comício era ilegal e estava proibido. A princípio, um guarda com um megafone tentou avisar sobre a decisão. Não surtindo efeito, vários guardas subiram num jipe e passaram a circular vagarosamente fazendo o mesmo. Mas os manifestantes xingavam os guardas e jogavam copos e outras coisas, incluindo urina.

O comandante da operação, o general Robert Canterbury, ordenou mais uma vez a força: gás lacrimogêneo, armas em punho e marcha sobre a multidão. Os manifestantes começaram a correr e logo se viram encurralados num campo de futebol, entre uma cerca alta e a Guarda na colina que servia de arquibancada. Os guardas chegaram a se ajoelhar com as armas em punho, em posição de tiro. A multidão jogava pedras e o que tivesse, pra se defender. Os setenta guardas começaram a recuar barranco acima. A multidão avançou. Lá no topo, porém, vinte e oito deles se viraram e começaram a atirar, uns pro ar, outros pro chão, mas alguns não tiveram pudores de atirar diretamente pra multidão.

A perícia contou até sessenta e sete disparos num período de treze segundos. Quatro estudantes foram mortos. Nove ficaram feridos, sendo que um quedou-se paraplégico.

Nenhum dos vinte oito guardas levados a júri foi condenado. Todos alegaram legítima defesa. Um acordo ocorrido em 1979 levou o Estado – e não os guardas – a pagar quase setecentos mil dólares às famílias dos estudantes. A Guerra do Vietnã só foi acabar cinco anos depois, em 1975.

Os dias que se seguiram foram de luto e mais protestos. Uma foto foi emblemática. Feita por John Filo e ganhadora do Pulitzer, mostra a garota de quatorze anos Mary Ann Vecchio ajoelhada em desespero perto do corpo de Jeffrey Miller, de vinte anos, uma das quatro vítimas. Os protestos seguintes conseguiram fechar universidades na maior greve de estudantes da história do país, com quatro milhões envolvidos.

A reação mais rápida foi de Neil Young, então com vinte e quatro anos e já bem conhecido no Crosby, Stills, Nash & Young. Em quinze minutos ele escreveu a canção “Ohio”, que se tornou símbolo daquele massacre.

David Crosby mostrou pra ele uma capa da revista Life, que tinha a foto de Filo. Young ficou extremamente perturbado. No dia seguinte, o CSNY estava no estúdio em Los Angeles pra gravá-la e em quinze dias os acetatos estavam cortados e prontos pra ir ao ar. A faixa foi gravada ao vivo. O lado B ficou com “Find The Cost Of Freedom”, o que é bem apropriado pro cenário.

Neil Young sempre achou “Ohio” seu melhor produto pro para CSNY, mesmo que isso seja desconcertante pra ele. “É irônico que eu tenha capitalizado com a morte desses estudantes. Provavelmente, a maior lição já aprendida em um lugar de ensino estadunidense”, ele disse certa vez.

“Ohio” foi um sucesso, pegando carona na comoção nacional. Mas não é possível criticar Young por tal apropriação do momento. A letra curta e simples, que fez inclusive Stephen Stills pensar em colocar mais versos, era certeira e cortante na crítica a Nixon.

Tin soldiers and Nixon coming,
We’re finally on our own
This summer I hear the drumming,
Four dead in Ohio

Gotta get down to it
Soldiers are gunning us down
Should have been done long ago
What if you knew her
And found her dead on the ground
How can you run when you know?

Por esses versos, várias rádios baniram a música. Os conservadores donos das estações apoiavam Nixon e a guerra. Mesmo assim, ela chegou ao número quatorze no Top 100 da Billboard. Ela expõe os horrores de um sistema que não aceita ser discutido. Sobra a quem se rebela lutar com as armas que tem. Essas armas podem ser pedras, garrafas, coquetel molotov, flores, gritos, ofensas ou… música.

“Ohio” deu voz a eles.

(original)

Lado A
Ohio

Lado B
Find The Cost Of Freedom

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