REVISITANDO: ELSA POPPING AND HER PIXIELAND BAND – DELIRIUM IN HI-FI (1959)

Esse é um dos discos mais estranhos de todos os tempos. Já foi, inclusive, descrito como o “LP potencialmente mais demente da música instrumental da história” (dmdb.org). Isso porque é basicamente um disco de experimentos de técnicas de gravação.

Contém versões de músicas que eram sucessos à época do lançamento, em 1959, mas o tratamento dado pela engenharia de som distorceu e distanciou as versões dos originais.

Tudo é muito estranho mesmo. Pra começar, Elsa Popping nem existe. E nem mesmo o pseudônimo de um mulher é. Ela é o compositor Andre Popp, francês famoso em seu país, e o engenheiro de som Pierre Fatosme.

Pelas experiências, o disco acabou se tornando uma referência pra produtores renomados que seguiram nas décadas seguintes e aprimoraram a profissão. Um deles é Phil Ramone, famoso por produzir o último trabalho de Frank Sinatra, por ser parceiro de gente como Paul Simon e Billy Joel, ter capitaneado a mesa de gravação de sucessos de Peter, Paul & Mary, Tony Bennett, Gloria Stefano etc., e ter ganho alguns Grammys.

Em seu livro “Gravando! – Os Bastidores Da Música” (“Making Records – The Scenes Behind The Music”, Editora Guarda-Chuva, 2008), ele dá uma boa dimensão sobre o disco – e é basicamente o texto que reproduzo aqui, pra se ter uma ideia do experimento que Popp e Fatosme se meteram.

Ramone trata do assunto no capítulo 10, sobre estúdios de gravação. Ele fala sobre como descobriu muitas das técnicas no início da sua carreira, no final dos anos 1950, e como a criatividade pra conseguir os efeitos de preenchimento dos sons era primordial numa época escassa de tecnologia.

“Uma das primeiras coisas que aprendi no J.A.C. Recording foi o segredo de como cortar um disco bem (pra uma demo).

Condensar ondas sonoras dentro dos sulcos irregulares de um disco de acetato é, por si só, uma arte. A largura e a profundidade do sulco eram estabelecidas pela dinâmica da música. Você tinha que procurar fazer o volume do disco ser alto o suficiente para que ele não pulasse, mas forte o suficiente em termos de equalização e compressão, para dar um som atraente.

Era incrível a competição entre as pessoas em seu esforço para fazer com que suas demos se sobressaíssem: todos os compositores e vendedores queriam que as suas tivessem volume mais alto, fossem mais esplendorosos e melhores do que as dos outros. Se você ficasse conhecido por fazer o tipo de demo que tinha um diferencial, isso se espalhava e, de uma hora para outra, você passava a ser muito requisitado.

O que diferenciava uma demo de todas as outras? O eco.

Sem eco, as gravações soavam secas, sem vida, abafadas. (…)

Como muito poucas salas de gravação tinham reverberação natural suficiente, câmaras de eco feitas de concreto ou madeira tornaram-se substitutos aceitáveis.

Para criar o eco, os alto-falantes e microfones eram colocados dentro da câmara. A música sendo executada no estúdio (‘seca’, ou seja, sem eco) era enviada para o alto-falante dentro da câmara, e, quando ricocheteava nas superfícies refletivas, dava um ‘halo’ ou uma ‘umidade’ ao som. O microfone capturava aquele som extremamente reverberante e o absolvia à mesa de mixagem, de onde o engenheiro o adicionava, o tanto quando fosse necessário, ao mix seco que vinha do estúdio.

A fração de segundo que levava para o som seco, não tratado, sair da mesa de gravação para a câmara e retornar causava um ligeiro delay ou atraso. O tamanho da câmara e o tratamento dado às paredes afetavam a qualidade do eco produzido.

O eco de um estúdio passou a ser sua ‘marca registrada’, e logo aprendi que muito do que se faz num estúdio resume-se a um misto de ecos, reverberações e slaps (um único eco forte que se ouve, quando ele atinge uma superfície dura). Quanto mais criativo se era com esses efeitos, mais bem-sucedido era o estúdio. (…)

Muito do meu conhecimento sobre as técnicas de gravação foi adquirido escutando discos, e um dos meus favoritos na época era um álbum da Columbia chamado ‘Delirium In Hi-Fi, gravado por Elsa Popping e sua Pixieland Band. É até hoje um dos melhores exemplos de como o eco e outros efeitos podem ser usados de forma criativa.

Na realidade, Elsa Popping não era uma mulher, e nem era líder de uma banda. Era o pseudônimo usado pelo compositor francês André Popp em suas incursões técnicas fantasmagóricas: alegres e extravagantes voos da imaginação em que o engenheiro Pierre Fatosme usava vários gravadores para gravar cada parte instrumental e vocal propositadamente de modo dessincronizado. Isso criava um pastiche surreal de efeitos de eco, velocidade e slap.

Os sons psicodélicos de Popp e Fatosme antecederam em muitos anos o movimento LSD, e passei meses analisando ‘Delirium In Hi-Fi, tentando descobrir como ele havia sido produzido”.

“La Polka Du Colonel” é um bom exemplo do experimento do qual Ramone fala:

“Java” também:

O disco inteiro não é essencialmente experimental. Havia canções mais, digamos, palatáveis ao ouvido médio, como “La Cumparsita” (abaixo), mas “Perles De cristal” era a que melhor juntava os dois lados – o experimental e o melódico:

Ouça a “normal” “La Cumparsita”, um tango que entrelaça os instrumentos em camadas e experimenta os graves ao fundo:

O lado A é mais experimental no sentido da “anti-música”, enquanto o Lado B é bastante aprazível aos ouvidos, embora Fatosme brinque o tempo inteiro com os “ecos, reverberações e slaps” que Ramone cita.

É um dos melhores e primeiros exemplos de criação musical que utiliza criativamente a tecnologia e a ciência (físico-acústica) a serviço da criação.

A capa também traz uma ideia da música como experiência social e sensorial. Aparelhos de sons modernos à época, fones de ouvido (até no cachorro), e caixas espalhadas pelo ambiente como nos atuais home theaters, mostrando que o som deve “preencher” todos os espaços.

A contracapa traz o descritivo das técnicas empregadas, vale a leitura (uma qualidade razoável tem esta imagem, pra você ler, já traduzida pro inglês).

O disco é esse e não é muito fácil de achar pra baixar por aí, na Internet, embora não seja impossível. Vá atrás, nem que seja por curiosidade:

LADO A
01. Perles De cristal
02. Java
03. La Paloma
04. Beer Barrel Polka
05. Java Du Diable
06. Jalousie

LADO B
07. La Polka Du Roi
08. Java Des Bombes Atomiques
09. Adios Muchachos
10. La Polka Du Colonel
11. Java Martienne
12. La Cumparsita

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