REVISITANDO – LIFT TO EXPERIENCE – THE TEXAS-JERUSALEM CROSSROADS (2001)

Quando se pensa em “música de louvor a deus”, imagina-se aqueles padres e artistas que cantam em cultos evangélicos e afins. Nunca um bando de malucos cabeludos munidos de guitarras e pesadas pedaleiras, fazendo um barulho infernal (ops!) ou longos temas ruidosos e lisérgicos.

Pois Josh T. Pearson (guitarra e vocals), Josh “The Bear” Browning (baixo) e Andy “The Boy” Young (bateria) são esses caras que colocaram as palavras da fé por trás de camadas ruídos ou sob um manto de psicodelia, anunciando a parúsia, a volta de Cristo pro Juízo Final.

Tudo começou em 1996, quando o trio começou de alguma forma a pregar sobre como Texas seria o palco da segunda vinda de Jesus Cristo. O próprio Pearson, com uma senhora barba, aludia ao personagem principal, como saído do filme de Scorcese.

Em 1997, o trio lançou “Falling From Cloud 9”, um EP de quatro músicas, ainda com o baterista B.E. Smith (que viria a ser do Maleveller depois). Era uma tiragem de quinhentas cópias que logo se esgotou. A faixa-título falava sobre “o deus Cristo que amaldiçoou o homem à provação”, com “essa cruz maldita esmagada em meu peito e eu ainda faço o meu melhor”, mostrando que Pearson estava disposto a tudo.

As apresentações da banda já eram faladas na região de Denton, Texas, a mais conhecida terra das boas bandas psicodélicas (e do Midlake, claro). Uma boa descrição desse nascimento do mito Lift To Experience é de um fã: “essa banda saída de Denton, que supostamente começou em algum rancho por aí no deserto, sabe-se lá como, tocando músicas sobre a volta de Jesus ao Texas… e sobre como os Estados Unidos eram o centro de Jerusalém (o “usa” em “jerUSAlem”, é sério)… é um culto maluco cristão com distorção”.

Parecia um tanto ridículo e cultos religiosos radicais não são assim tão pacíficos, como se sabe, pra serem desprezados. Eram tão explosivas as apresentações, que ficaria difícil ignorar aquelas figuras, principalmente Pearson, com seu jeitão de cowboy pregando em nome de seu deus.

Pearson cresceu numa igreja pentecostal, seu pai era um pastor. Na suas palavras, seu pai exagerava um tanto nesse negócio: “havia este movimento de fé no Texas, que o havia convencido de que ele não precisa trabalhar pra ganhar nada. Ele só precisava da fé. Minha mãe logo o deixou e criou os dois filhos com seus três empregos. Meu pai não pagava pensão alimentícia e eu nunca o perdoei por isso. Ele prega o evangelho e eu toco a música do diabo. Aos 19 anos, o que eu tinha conhecido como sendo a presença de Deus fisicamente deixou meu corpo e agora a música que eu toco em minha guitarra ainda é a única coisa que me aproxima Dele”.

Mas Pearson e seus companheiros faziam do palco um grande e diabólico altar. Suas apresentações ao vivo traumáticas começaram a ganhar notoriedade e a lenda e o folclore envolviam o vocalista, de modo que o mito só crescia. Quem eram aqueles homens?

Falavam que eles se isolaram por anos e que recebiam visitas de anjos, praticavam exorcismos de demônios, havia sangue, fogo e toda a história sobre a chegada da Nova Jerusalém. A reputação cresceu.

Tanto que em 2000, a banda foi tocar no South By Southwest. Ali, impressionaram ninguém menos que a dupla Simon Raymonde e Robin Guthrie, do Cocteau Twins e donos do recém-criado selo Bella Union, a ponto dela querer produzir o primeiro disco do trio.

A Bella Union, com características mais etéreas, como os próprios Twins, que depois lançaria discos de gente como Beach House, I Break Horses, Explosions In The Sky, Midlake, The Kissaway Trail, Devics, My Latest Novel, Vetiver, Walkmen, Lantherns On The Lake e Fleet Foxes, de repente se viu diante de uns malucos pregadores do Juízo Final.

O disco seria “The Texas-Jerusalem Crossroads”, lançado em 2001. Um álbum duplo, conceitual, sobre a segundo vinda de Jesus Cristo, com letras que falam de provação, de justiça divina, de deus, diabo, da verdade que se revelará.

Parece tudo maluquice, mas Pearson, ao que consta, é um dos caras mais gente fina que existem. Mark Lanegan, do Screeming Trees, e a própria dupla do Cocteau Twins se encantaram com a figura. Se no palco ele parecia à época um cowboy-pastor endemoniado, no trato social era um cara bem tranquilo.

Aqui, um show do grupo em 2002, em Los Angeles:

São onze músicas no total, alternando momentos quase folk com viagens de guitarra em looping, camadas de ruídos a la My Bloody Valentine, rockão tradicional, explosões e climas post-rock e devaneios lisérgicos sessentistas. É uma loucura que não precisa ser levada a sério no discurso, mas certamente se deve reverenciar na sonoridade.

Senão, vejamos: como levar a sério uma banda que prega a volta de Jesus Cristo, cita o evangelho, ao mesmo tempo em que diz que as “estrelas vão se alinhar apenas pra os poucos escolhidos de deus, uma nova experiência vai dominar, porque nós somos simplesmente a melhor banda em toda essa maldita terra” (em “These Are The Days”)? Impossível.

Veja o vídeo oficial de “These Are The Days”:

O primeiro disco é o “Texas”, anunciando o que está por vir. O segundo é o “Jerusalem”, dizendo que os dias chegaram, como foi anunciado. No todo, oferece mais um cenário musical pós-apocalíptico do que tradicional, até mesmo na narrativa que se pretende conceitual. Aparentemente, Pearson não estava desejoso da volta de Jesus, longe disso. Queria apenas exorcizar seus próprios demônios, a lembrança da infância.

Tanto que, logo após o lançamento do disco, que não vendeu nada, a banda encerrou suas atividades e Pearson, tido como uma das vozes mais bonitas de todos os tempos, “um anjo cantando” (de acordo com Guy Garvey, do Elbow), recolheu-se e fez raras aparições musicais, até lançar seu único disco solo até aqui, “Last Of The Country Gentlemen”, via Mute Records, entrando em diversas listas consagradas de “melhores de 2011”. Ele já era um trovador folk solitário nesse momento, embora a temática tenha se mantido.

Veja ele em ação na sua primeira passagem pelo Jools Holland, em 2011, cantando “Sweetheart, I Ain’t Your Christ”:

Josh “The Bear” Browning fundou a Year Of The Bear e Andy “The Boy” Young foi ser músico de estúdio e participou de outros projetos. Não há esperanças de que a banda se reúna novamente. Não haverá uma segunda vinda do Lift To Experience. Porque não parece ser dinheiro que move e inspira Pearson.

Mas “The Texas-Jerusalem Crossroads” é um significativo capítulo do evangelho da boa música feito por mortais que se acham deuses – esses maravilhosos e imprevisíveis artistas que alguma força divina ou natural colocou entre nós. Depende de você acreditar.

Ouça “Just As Was Told”:

Ouça “Falling From Cloud 9”:

Disco Um: Texas
1. Just As Was Told
2. Down Came The Angels
3. Falling From Cloud 9
4. With Crippled Wings
5. Waiting To Hit
6. The Ground So Soft

Disco Dois: Jerusalem
1. These Are The Days
2. When We Shall Touch
3. Down with The Prophets
4. To Guard And To Guide You
5. Into The Storm (+ faixa escondida)

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