VALCIÃN CALIXTO – NADA TEM SIDO FÁCIL TAMPOUCO IMPOSSÍVEL

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“O Piauí é longe”. “O Acre não existe”. “O Amazonas só tem floresta”. Os preconceitos e simplificações de quem mora ao sul de Brasília, no chamado “Brasil rico”, são banhados de ignorância e de vez em quando escancarados no espelho.

Valciãn Calixto, com seu segundo disco, “Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível”, mostra que é, afinal, tão brasileiro quanto os que se dizem patriotas e clamam, com bandeiras e camisas da CBF, um país como só seus.

Daí, o artista entrega um disco como esse, com rock, funk, axé, xote, poesia, muito o que faz parte da expressão cultural nacional. Uma obra patriota e poderosa.

Mas rasgue toda essa abertura. Chamar alguém de “patriota” não é elogio. Nunca foi, especialmente hoje, nesse Brasil fundamentalista que vivemos. Calixto está além dessa pequenez de fronteiras e simplificações. Ele é brasileiro, mas acima de tudo é preto, músico e, em termos de exposição, por ser do Piauí, na visão ao sul de Brasília, periférico.

E toda a carga dessas identificações está em sua música, especialmente neste disco – o primeiro, “Foda!” (ouça aqui), de 2016, é deslocado desta realidade.

Em apenas trinta minutos, o disco parece uma bula de como é o Brasil musicalmente, com algumas exceções (não tem sertanejo, por exemplo).

A suingueira-pra-dançar-coladinho “3R1K0N4” abre os trabalhos; que ganha força em “Deus É Bom” e “Deus Nos Livra” (a melhor do disco), uma aparelhagem e um batidão, e, claro na essencial “Ensinamentos da Preta Velha Vovó Maria Conga”; e sorrisos na divertida “Sem Tempo, Irmão (Interlúdio I)”.

Entretanto, o resumo do disco, bula, bula mesmo, do que estamos ouvindo está em “Korey Wise, Eu Te Amo (Interlúdio II)”, citando o ativista preto estadunidense.

“Falando por mim, eu fiz o disco que eu queria com os recursos que eu tinha. Esse disco é a soma de todas as minhas limitações; e, se hoje é um disco, é a superação de todas elas também. Eu não podia esperar, ‘não devemos esperar, Não tem nada o que esperar’, lembra?”, ele declama (mas, sim, parece um “cantar”, embora essa seja a maior deficiência de Calixto, o “cantar”).

“Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível. Eu criei essa frase pra mim, pra eu ter força toda vez que o cansaço e a desesperança tentar me encurralar”, segue.

“Perceber que o mundo está em transformação constante e que as nossas referências de outrora já não são o bastante para o debate atual; vai nos tirar desse lugar de ódio e revolta, onde o nosso grito é diminuído às custas de um corpo marginal. Nosso discurso precisa acompanhar as nossas atitudes e a linguagem atual. Metáforas para explicar o sentido da vida nunca hão de faltar; falta é pegar a visão, saber interpretar… Korey Wise, eu te amo, conte comigo pra tudo! Saiba que em 1991 esse imenso planeta azul ganhava mais um preto, enquanto o mundo te condenava”.

A percepção sobre o que ele próprio é foi a bomba atômica que eliminou o antigo Valciãn Calixto pra criar este artista que se apresenta aqui, diante das dificuldades – nunca impossibilidades.

E quando você se descobre, o impossível deixa de ser limite. Você pode tudo. Calixto aqui pegou suas raízes e experiências piauienses, pretas, familiares, e musicou sua visão de mundo.

“Toda essa culpa que te consome é uma energia mal utilizada, não modifica o passado e nem determina o futuro”, ele declama.

Passadas as barreiras que te impedem de realizar, tudo pode. “Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível”, então, não é uma determinação, mas um momento, só que com um cenário bem mais amplos de possibilidades.

Entender o básico de nós ajuda a nos descobrir como indivíduos dentro das microcomunidades, da sociedade e da humanidade.

“Entender que cada pessoa reage de uma forma diferente, a um mesmo acontecimento, a um sentimento ou ao contato com um novo conhecimento e respeitar isso faz de qualquer um a pessoa mais avançada do mundo, pois cada um tem seu próprio tempo e a
expectativa que criamos é que é a mãe dos nossos julgamentos”.

Nada é fácil, nada é impossível. Não importa quem você seja, onde você esteja e como te enxergam. Você é e você está aqui.

Todos os instrumentos e programações são de autoria e execução de Valciãn Calixto, exceto guitarra e percussão na faixa “Deus É Bom (O Tempo Todo)”, gravada por Jotaerre e Marciano Calixto, respectivamente; e contrabaixo na faixa “Ensinamentos Da Preta Velha Vovó Maria Conga”, gravado por Marlúcio Calixto.

Gravado no Calistúdio, que é o nome do estúdio caseiro dele, entre 3 de março de 2019 e 1 de agosto de 2020.

Mixado e masterizado no Zadok Stúdio em Teresina-PI, por Elimar Cunha, exceto a faixa Deus Nos Livra, mixada em Jandira-SP, por Theuzitz.

O lançamento é de 17 de agosto de 2020.

01. 3R1K0N4
02. Nunca Fomos Tão Adultos (participação Julia Barth)
03. Sem Tempo, Irmão (Interlúdio I)
04. Faz Tanto Tempo
05. Deus É Bom (O Tempo Todo) – (participação Joaterre)
06. Deus Nos Livra
07. Nya Akoma (participação Jeza da Pedra)
08. Korey Wise, Eu Te Amo (Interlúdio II)
09. Ensinamentos da Preta Velha Vovó Maria Conga (participação Juliana D Passos)
10. Nada Tem Sido Fácil Tampouco Impossível

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