4 DISCOS: A ESPIRAL DE BUKOWSKI, SILVA, BEMÔNIO, KALOUV

A ESPIRAL DE BUKOWSKI – “B1620-25I”

Esse disco é uma viagem. Pessoal, autoral, mas ainda assim uma viagem na qual qualquer um pode se transportar e se deliciar. O título bizarro, “B1620-25i, já é um indício de que o ouvinte vai se deparar com estranhezas sonoras. Mas que belas estranhezas! As paisagens sonoras pintadas pelo casal Cesar Zanin e Mariana Cetra funcionam como hipnose, como contemplação, relaxamento, introspecção e, claro, vez por outra, incômodo.

A capa do disco, sobreposic?a?o de imagens do telescópio Hubble e da ultrassonografia do pré-natal da filha do casal, mostra que a viagem é dimensional e palpável ao mesmo tempo. Enquanto o artista voa livre, impulsionado pela emoção, a responsabilidade de um filho o prende à razão, a lógica madura da vida. É, como dito, uma viagem pra todos.

Não é musak, longe disso. Não vai tocar em elevadores e consultórios odontológicos (a não ser que a anestesia pegue de jeito). É experimentalismo com teclados, pedais, efeitos, acordeão e gravações de campo. Mas o crescendo das quatro “Pitagoras Visitam Matusalem Antes Da Gramatica Universal” (principalmente a parte 3 – a parte 4 tem uma batucada que destoa e parece solta, é uma ruptura que soa desnecessária no contexto) e a exuberante “Partida Da Neblina” são sons compostos como se fossem tocados por instrumentos, digamos, conservadores.

E é espantoso quando, lá pelas tantas, o ouvinte se depara com a informação de que o disco foi gravado ao vivo, de improviso, sublinhando a sensibilidade dos autores.

Ao fim, isento de qualquer responsabilidade, é uma música, por assim dizer, espacial, como uma trilha-sonora à espera de que Terrence Malick a utilize num épico interestelar, lento, contemplativo. Pra embarcar, literalmente, na viagem da criação.

NOTA: 8,5
Lançamento: 12 de março de 2014
Duração: 32 minutos e 21 segundos
Selo: Sinewave Label, O Bosque/Woodland, Grimm Goat Records e TOC Label
Produção: Cesar Zanin
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SILVA – “VISTA PRO MAR”

Se há um mérito de Lúcio Silva de Souza, ou só SILVA, nesse seu segundo disco, “Vista Pro Mar”, sucedendo o elogiado “Claridão”, de 2012, é que ele consolidou uma nova etiqueta pra música brasileira, o “indie de churrascaria”. Churrascaria de beira de estrada, bem entendido.

Pelo menos é o que dá a entender as vergonhosas formas de “Vista pro Mar” e “É Preciso Dizer”, que abrem o disco. Porque quando chega “Janeiro”, só cérebros ainda em desenvolvimento podem suportar a infantilidade da sonoridade e da letra (“quem roubou a sua alegria / devolveu no raiar do dia / … / não dê bola, o dia tá lindo / vem pra fora, mesmo fingindo / quem te amou, amou / quem não te amou, bobeou”).

É frufru demais pra uma música só – e é fofice demais pra um disco só. É bobagem demais.

Isso dito, porém, não tira-se o mérito do artista, que, afinal, tem lá suas qualidades, principalmente a de conseguir se encaixar num nicho pseudo-intelectual e formar seu público. Suas músicas são bastante acessíveis e há um ou outro acerto, no meio da maçaroca boboca, como a participação de Fernanda Takai (Pato Fu), em “Okinawa”, e algumas intervenções do sax (quem diria, afinal é o instrumento mais mal aproveitado pela música pop).

Fã de Guilherme Arantes, SILVA já seria genérico (no sentido ruim, de cópia insossa, não de “homenagem”) nos anos 80. Agora, soa ou requentado ou pretensioso – ou tudo junto. Guilherme Arantes se mostrou mais relevante no seu recente trabalho, “Condição Humana”, de 2013.

Se puder evitar, evite.

NOTA: 3,0
Lançamento: 17 de março de 2014
Duração: 48 minutos e 15 segundos
Selo: Som Livre e Slap
Produção: SILVA
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BEMÔNIO – “LÁGRIMAS DE SANGUE E FEZES”

Sou desses que se comovem com certa facilidade. Quando Paulo Caetano deu adeus a seu pai, numa obra cheio de tristeza e revolta, já havia me comovido e achava que era uma bela homenagem. Mas então, com seu comparsa Gustavo Matos, juntou-se a Eduardo Manso (Rabotnik, Baby Hitler), Alex Zhemchuzhnikov e Marcos Campelo (Chinese Cookie Poets) pra criar mais uma homenagem, ainda mais rascante, pungente.

“Lágrimas De Sangue E Fezes”, seu sexto disco, o sucessor do excepcional “Santo”, de 2013, tem apenas duas músicas, “Sangue”, lenta, um tanto fantasmagórica, chorada pelo sax do russo Alex, como se o artista se doesse por dentro; e “Fezes”, caótica, como se exibisse uma auto-punição.

Não é, como nenhum trabalho do Bemônio chega a ser, uma obra fácil. Mas essas homenagens são lacrimais, tocam o coração, ainda mais quando exibidas espontaneamente, como nesse longo improviso.

O Bemônio aumentado, com os cinco integrantes, amplia a linha do noise ao jazz de improviso, tateando novos terrenos como se ouviu em “Santo”. Não foi tão feliz como no seu maior e melhor trabalho, mas foi o suficiente pra causar aquele nó na garganta.

NOTA: 6,5
Lançamento: 24 de março de 2014
Duração: 36 minutos e 13 segundos
Selo: Exalted Woe
Produção: Paulo Caetano, Gustavo Matos, Eduardo Manso e Alex Zhemchuzhnikov
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KALOUV – “PLUVERO”

O segundo disco dos pernambucanos do Kalouv, “Pluvero”, é mais ousado do que o anterior, “Sky Swimmer”. “Ousado”, nesse caso, significa “mais amplo”, porque é comum bandas que foram inundadas de elogios manterem-se no porto seguro desses louros. A Kalouv preferiu ousar, arriscar, sair um tanto daquela base post-rock que caracterizou o primeiro disco e buscar auxílio no jazz e na MPB, por exemplo, pra compor o novo trabalho.

Transgrediu a si própria, oferecendo um álbum conceitual – sim, isso poderia ser muito ruim, já que muitas obras naufragam na pretensão de ser mais do que uma peça de entretenimento no universo da cultura pop, passageira, digerível. O grupo foi buscar no esperanto a palavra “pluvero”, que significa algo como “gota de chuva”, que faz parte de um todo, mas se perde no seu rápido caráter transitório.

A cabecice da ideia pode assustar, mas tem tudo a ver com a música pós-post-rock do Kalouv. Se a fase é de transição, “Namazu”, “Esquizo”, “Boa Sorte, Santiago” e “Algul Siento I” (com seus arrepiantes espamos) mostram que há mais nessa mistura e corroboram com o conceito. Há mudanças de ritmo, de andamento, de melodia. O ouvinte tem que seguir. O problema é que o resultado total ficou morno demais. Há partes do disco que tocam sem te tocar, passam e você nem percebe. A obra é bonita, não há dúvida, mas como todo “rito de passagem”, parece não se sustentar por completo e serve como trampolim pra um futuro mais glorioso – ou estável.

Vale notar e parabenizar ainda que as muitas participações especiais, principalmente de Isadora Melo, do Barulhista e de Roberto Kramer, da Team.Radio, responsável pela produção. Quem está bem acompanhado tem mais confiança pra arriscar. E, como se diz, há poucos méritos mais admiráveis do que abraçar o risco.

NOTA: 7,5
Lançamento: 24 de março de 2014
Duração: 51 minutos e 46 segundos
Selo: Sinewave Label
Produção: Roberto Kramer
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