AO VIVO: THE BRIAN JONESTOWN MASSACRE NO NOX ORAE FESTIVAL

É numa localidade a apenas seis quilômetros da famosa Montreux, palco do maior e mais tradicional festival de jazz da Suíça (e um dos maiores do mundo), que fica um dos eventos mais acolhedores e simpáticos, tanto quanto lisérgicos, do circuito europeu, o Nox Orae.

Fundado em 2010, com edições normalmente em agosto, já recebeu em seu palco, seu único palco, nomes marcantes do subterrâneo e da “nova psicodelia”, como Kikagaku Moyo, Föllakzoid, Crystal Stilts, Deerhoof, Crocodiles, Goat, PINS, Warpaint, Fanfarlo, Thee Oh Sees, The Horrors e Wild Nothing, bem como nomes importantes da história da música, como Spectrum (de Peter Kember), Thurston Moore, Young Gods e The Brian Jonestwon Massacre.

O perfil abraça do neo-psych ao experimentalismo, seja ele folk, kraut, indie ou eletrônico. A edição de 2017 acontece em 25 e 26 de agosto, com quatro bandas em cada dia. Na sexta-feira, dia 25, se apresentam Service Fun, da Suíça, além do Moon Duo, Foxygen e o Slowdive fechando. No dia seguinte, tem outra banda suíça, The Cats Never Sleep, além da ótima francesa Faire, Ty Segall e o Jesus And Mary Chain fechando o evento.

O festival acontece no Jardin Roussy, à beira do Lago Léman, na cidade de La Tour-de-Peilz, com onze mil habitantes. É vizinho de uma das unidades da Nestlé, gigante de alimentos. Foi um dos diretores da empresa, Emile-Louis Roussy, em 1911, que deixou cem mil francos pra cidade transformar em parque aquela faixa de terra banhada pelo lago. Hoje, é ponto de encontro de famílias da região pra passeios, exercícios, piqueniques e… guitarras.

O Nox Orae foi a resposta jovem, moderna e contestadora ao ancião Festival de Jazz de Montreux. Já faz parte do calendário da região, que inclui a própria Montreux, além de Vevey (sede mundial da Nestlé), Genebra (distante apenas noventa quilômetros) e muitas cidades da França e do norte da Itália.

A estrutura é enxuta. Apenas um palco, muitas árvores e luzes. Gramado. Praça de alimentação com não mais que cinco pontos de vendas. Está mais pra uma quermesse do interior do Brasil do que pra um grande festival de música. É pequeno, como deve ser. Nada de correria, nada de tumulto, nada de grandiloquência. Mas é bom não se enganar, o Nox Orae tem infra profissional e bem cuidada.

Há um cercado mínimo, com publicidade voltada basicamente pro lado de fora, não de dentro. Não há, ao contrário do que se vê no Brasil e nos grandes festivais do mundo, uma superdose de informação publicitária. Isso se dá basicamente porque o festival tem amplo apoio estatal: das prefeituras de Vevey, Montreux e La Tour-de-Peilz, dos governos do cantão de Vaud (o cantão é como os nossos estados) e federal. Mas há também grana privada, de uma empresa parruda de construção civil e de um grande grupo com empresas em mídia, planos de saúde e turismo. Uma merca de cerveja tem prioridade de venda lá dentro. Quatro empresas suíças de mídia apoiam o evento com grana e estrutura. E é só.

O orçamento divulgado em 2015 foi de cento e cinquenta mil francos suíços, o que dá algo perto de quinhentos mil reais. É pouco, mas o festival sofre pra conseguir esse dinheiro aqui e ali, mesmo com amplo apoio estatal. Os governos também apoiam outros festivais, como o For Noise, de Pully, e o Electrosanne, de Lausanne, que são mais ou menos do mesmo tamanho. O For Noise fez sua última edição em 2016, depois de um prejuízo de oitenta mil francos suíços (duzentos e cinquenta mil reais!) na edição de 2015, mesmo com apoio da Loterie Romande, das Comuna de Pully e Lausanne e do Cantão.

Olivier Meylan, organizador do For Noise, que existe desde 1997, diz que os organizadores privados fugiram e isso tornou praticamente inviável o evento de três dias, que em sua última edição contratou o FFS, o Ride, o Ought e o Young Feathers: “os patrocinadores privados, relacionados principalmente com a indústria do tabaco, reduziram drasticamente a sua participação, seguindo uma tendência geral”. Meylan joga a toalha pra não ter que “se vender”: “nós defendemos desde o início a música alternativa e de qualidade. Não queríamos ser obrigados a variar estilos ou partir pro mais popular pra salvar a nossa pele, como muitos festivais por aí fazem”. O For Noise tinha palco em Pully e capacidade pra duas mil e oitocentas pessoas por dia. Era o triplo do tamanho do Nox Orae, mas também não era enorme, era acolhedor. Então, porque só um sobreviveu?

O próprio Meylan dá a dica, em matéria ao 24Heures: “não somos pequenos o suficiente pra ousar artisticamente, como o Nox Orae, mas não suficientemente grandes para competir com o Paléo e o Montreux Jazz”.

O Paléo é um festival enorme que acontece em Nyon, em julho. Em 2017, com ingressos totalmente esgotados, tem Red Hot Chilli Peppers, Pixies, Arcade Fire, Jamiroquai, Foals, Midnight Oil e muito mais. Já está na edição de número quarenta e dois – é apenas oito anos mais novo que o Festival de Jazz de Montreux. Não dá pra competir com sua megaestrutura. Ou o For Noise ousava mais ainda, ou diminuía de tamanho ou morria. Morreu.

O Nox Orae é um exemplo de como enfrentar a concorrência brutal. O circuito de festivais europeus é enorme. São centenas de eventos que vão do meio da primavera ao começo do outono, bombando com força no verão. A Suíça, um país pequeno, embora riquíssimo, não é exatamente o centro das atenções das grandes bandas, investidores e patrocinadores. Não é rota preferencial. Nesse sentido, é como o Brasil, mas sua localização encerra qualquer discussão sobre tal similaridade: seu público com alto poder aquisitivo e no centro da Europa pode, com uma ou duas horas de voo, estar em qualquer canto do continente onde tenha um festival decente acontecendo; já o Brasil fica do outro lado do oceano, tem dimensões gigantescas, baixo poder de compra e todo tipo de instabilidade que afugenta investimentos.

Mas um festival como o Nox Orae pode dar pistas de como enfrentar tais problemas. Pequeno e com orçamento igualmente diminuto (pros padrões do Velho Continente), o festival se oferece como porto-seguro pra investidores que querem falar com um público específico e pra governos querendo promover uma das regiões mais bonitas e seguras da Europa.

Encontrou seu nicho, seu local e descobriu que nesse raio de ação a concorrência é bem pequena, assim como o custo das bandas. Em 2017, será o maior orçamento, com nomes de mais envergadura, Slowdive e Jesus & Mary Chain. Será a prova de fogo pro formato. Apesar de todo esse discurso e do exemplo de festivais mais antigos que foram à falência, como o For Noise, a edição de 2017 parece levar o Nox Orae no caminho do crescimento.

Porque há um dilema, além do apresentado por Meylan: se você não traz bandas minimamente atraentes, de âmbito internacional, dentro do seu público, você acaba como um “festival local”, e esse claramente não é o objetivo de tais eventos. Por menor que seja o alcance, o Nox Orae quer pegar público pra além das municipalidades vizinhas. A Itália, a Alemanha e a França são logo ali, a no máximo uma centena de quilômetros.

Aqui, um vídeo promocional do festival 2016, pra se ter uma ideia da dimensão do festival e da beleza do lugar:

O tempo irá dizer se o formato diminuto e aconchegante se mantém sustentável. Há muitos outros exemplos na Europa: a Polônia tem o Off Festival e Portugal tem o Reverence Valada (aqui uma singela lista, com alguns outros exemplos mundo afora, incluindo o Brasil). A ideia de diminuir e não expandir parece ser uma solução pra se sustentar.

Mas é preciso também organização, uma palavrinha mágica pra se chegar ao “conforto” da experiência. O Nox Orae tem praticamente todas as ferramentas.

O parque Jardin Roussy fica a quinze minutos andando da estação de trem de Vevey e existe um estacionamento ao lado, pertencente à Nestlé. É bem fácil de chegar e de sair. Há uma boa lista de hotéis nas proximidades e até mesmo um camping. Isso porque o festival vara a noite. As portas se abrem umas seis da tarde e o último show termina perto das quatro da manhã.

A capacidade é de mil e duzentas pessoas, o que é bem menos do que casas conhecidas aqui no Brasil, como Circo Voador (2.800) e Audio Club (3.000), e se equivale ao Cine Joia (1.000). O resultado disso se traduz no tal conforto desejado. A audiência não fica se acotovelando em parte alguma do espaço, nem mesmo em frente ao palco. Não há filas massacrantes, nem banheiros impraticáveis. A edição de 2017 é a oitava, o que nos leva a crer que também não há prejuízo, porque ninguém gosta de tomar prejuízo por tanto tempo – vide, infelizmente, o For Noise, que também não era megalomaníaco.

Ok, mas quanto custa essa pequena maravilha no circuito de festivais? O passe pros dois dias custa 75 francos suíços, ou R$ 235,00. O dia unitário custa 53 francos suíços, ou R$ 169,00.

O Hebdo chamou o Nox Orae de “uma viagem ao coração do psicodelismo”, seguindo uma entrevista com Peter Kember, ex-Spacemen 3 e se apresentando com seu projeto Spectrum. Há, como se vê, uma aparente intenção de aliar qualidade, tradição, inovação e conforto num só pacote, sem apelos comerciais, pensando num nicho específico – aqui, no caso, “o coração da psicodelia”.

Na edição de 2016, apesar das participações do japoneses do Kikagaku Moyo, dos chilenos preferidos aqui da casa, o Follakzoid, do próprio Spectrum e do Thurston Moore, o conceito do Nox Orae pode ser resumido na figura de Anton Newcombe: classudo, tradicional, inovador e lisérgico, o homem leva seu Brian Jonestown Massacre ao cantos da mente de maneira feroz e aprazível na mesma medida.

Sua banda tem melhor performance em lugares fechados, com atenção total à notas e misturas aplicadas no palco. Nada de conversas paralelas, rodas gigante, tiro-ao-alvo ou áreas VIP. Atenção total. O Nox Orae oferece todos os requisitos pra plateia degustar a viagem de Newcombe.

Nas vinte músicas e quase duas horas de apresentação foi exatamente o que aconteceu. O vídeo divulgado pela organização do festival tem a intenção de mostrar: por aqui as coisas são assim.

Bem-vindo ao mundo do Nox Orae.

Setlist do show do Brian Jonestown Massacre (vídeo com a apresentação na íntegra logo abaixo):

01. Never Ever
02. Whatever Happened To Them
03. Geezers
04. Whatever Hippie Bitch
05. Who
06. Pish
07. Leave It Alone
08. Prozac Vs Heroin
09. Anemone
10. Government Beard
11. Here Comes The Waiting
12. Days, Weeks And Moths
13. When Jokers attack
14. Sailor
15. Neverthless
16. Groove Is In The Heart
17. Servo
18. Open Heart Surgery
19. Devil May Care
20. Yeah Yeah

Fotos desse artigo foram tiradas do Facebook do festival, com autoria de Mehdi Benkler e de Nicolas Cuany.

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