Texto: Anderson Oliveira
Foto: Ricardo Matsukawa (Veja.com)
Desde que voltou a inserir o Brasil em sua rota de shows com mais frequência, Elton John fez o que mais sabia por aqui: tocar hits. E são muitos. Tantos que nem mesmo uma apresentação de quase três horas é suficiente pra saciar um público que, ao menos em sua maioria, sempre o tratou como um couvert de luxo, responsável por tocar as baladas de suas vidas.
Depois de uma apresentação curta, de pouco mais de uma hora, no Rock In Rio 2015, novamente Sir Elton John voltou a dar o ar da graça em terras brasileiras. Dessa vez acompanhado de James Taylor, fez show no moderno Allianz Parque no último dia 6 de abril, mas dessa vez disposto a não ser tratado como uma jukebox ao vivo.
Agora, Elton tinha na bagagem dois adicionais cruciais pra turnê. Além dos óbvios hits, havia canções de seu último álbum, o bom “Wonderful Crazy Night” (2016), e, principalmente, a ausência de seu maior ídolo, Leon Russell, falecido em 2016.
Diferente das outras vezes que fez shows por aqui, onde cadeiras demarcavam muito mais o poder aquisitivo de seu público do que o grau de fanatismo por seu trabalho, Elton esteve frente a uma pista (sim, havia a VIP, infelizmente) completamente tomada, mas com uma atmosfera bem diferente do roteiro realizado nas últimas passagens.
Sempre acompanhado de sua fiel banda (e bota fiel nisso, afinal, são quase cinquenta anos ao lado do músico inglês), a Elton John Band conta agora com a presença do baixista Matt Bissonette, conhecido por trabalhos ao lado de David Lee Roth e Joe Satriani, além do sempre espetacular guitarrista Davey Johnstone, o tecladista Kim Bullard, o baterista Nigel Olsson e o percussionista John Maroon.
Subindo ao palco dez minutos antes do horário, às 21:50h, Elton só seguiu o roteiro tradicional até sentar em seu piano e dar início ao show com a barulhenta “Bitch Is Back”, do clássico álbum “Caribou” (1974). Hoje com 70 anos, é nítido que a voz do artista inglês passou por mudanças, está muito mais grave, mas, diferente da opção de refazer os arranjos pra poupar a garganta, Elton decidiu seguir o caminho oposto e executar tudo com a mesma intensidade de quatro décadas atrás, muito antes de ser um hitmaker pop.
Em um show onde grande parte de seus clássicos estavam lá pra saciar um público que até o início da apresentação reclamava da ausência de champanhe nos bares da arquibancada, Elton deu parcialmente o que dele se esperava.
Faixas como “I Guess That’s Why They Call It The Blues”, a primeira a empolgar o público, “Daniel”, “Your Song”, “Skyline Pigeon” e uma belíssima homenagem ao eterno amigo George Michael, “Don’t Let The Sun Go Down On Me”, deram o tom jukebox da apresentação, mas já em “Bennie & The Jets”, a segunda da apresentação, percebia-se tudo com uma intensidade diferente da executada originalmente.
Foi a partir da dançante “Philadelphia Freedom”, ainda na primeira parte do show, que Elton John levou a um patamar ainda mais alto sua capacidade de improvisos e despreocupação estética. Tocando frente a uma chuva torrencial que vez por outra se confundia com tempestade, viu parte do público debandar em todos os setores do estádio. Separou o joio do trigo quando uma esvaziada pista acompanhava o seu melhor em jams de mais de dez minutos com uma banda posicionada bem ao seu lado. Naquele momento, já não era mais Elton John dos anos 80, mas o versátil músico inspirado em Leon Russell.
Com uma performance muito mais visceral, Elton John fez de faixas como “Levon” um mergulho profundo ao boogie-woogie americano. A clássica “Rocket Man” ganhou ares ainda mais épicos nos colocando invisíveis ao lado do solitário astronauta que repensa sua melancólica existência no espaço. Tudo isso com direito a emular em seu piano as tentativas de contato com a Terra em uma das melhores performances já vistas pelo público brasileiro.
“Tiny Dancer”, imortalizada no filme “Quase Famosos” (“Almost Famous”, 2000), novamente ganhou vida e derrubou a artificialidade com a qual havia se estagnado no repertório do inglês. E até mesmo faixas mais pop como “Sad Songs (Say So Much)” e “Goodbye Yellow Brick Road” tiveram um grau de intensidade maior que o original.
Disco mais roqueiro de Elton John nas últimas duas décadas, “Wonderful Crazy Tonight” deu as caras com “Looking Up”, que não por acaso caminhou eficiente ao lado de “Your Sister Can’t Twist”, de 1978, e “I’m Still Standing”, de 1983. E nessa intensa reta final ainda havia uma versão barulhenta e longa de “Saturday Night’s Alright For Fighting” pra fazer Elton John sair do palco pela primeira vez.
O bis com a tradicional balada “Candle In The Wind” preparou o público pra última pedrada da noite, uma intensa versão de “Crocodile Rock”, que deu números finais a um autêntico show de rock pra um público que em sua maioria não era formado por fãs de rock.
Em sua melhor apresentação no país, Elton John foi muito mais Leon Russell do que Elton. Também foi muito mais rock do que pop. Ao abrir mão de hits consagrados como “Sacrifice” e uma montanha de baladas por faixas onde teve a possibilidade de ser o artista que aprendeu a ser com seu mentor, Elton John deixou clara a opção que fez pra sua carreira e ela é a melhor possível.
Trecho do show:
01. The Bitch Is Back
02. Bennie And The Jets
03. I Guess That’s Why They Call It The Blues
04. Daniel
05. Someone Saved My Life Tonight
06. Philadelphia Freedom
07. Rocket Man (I Think It’s Going To Be A Long, Long Time)
08. Tiny Dancer
09. Levon
10. Goodbye Yellow Brick Road
11. Your Song
12. Burn Down The Mission
13. Sad Songs (Say So Much)
14. Skyline Pigeon
15. Don’t Let The Sun Go Down On Me
16. Looking Up
17. I’m Still Standing
18. Your Sister Can’t Twist (But She Can Rock ‘n Roll)
19. Saturday Night’s Alright For Fighting
BIS
20. Candle In The Wind
21. Crocodile Rock