OS DISCOS DA VIDA: JOHNNY HANSEN

Eu era um adolescente, por volta dos quinze anos, quando o Harry lançou “Fairy Tales”, via Wop Bop, selo e loja paulistanos importantíssimos na década de 1980. Eu e meu irmão compramos o disco por conta do ótimo EP “Caos”, de 1987, que havia nos impressionado (principalmente a faixa-título), e talvez porque havíamos escutado, sabe-se lá onde, “Genebra”, a música-ícone do álbum (junto com “Lycanthropia”). Ter conhecido a música do Harry ali em 1987, 1988, foi perceber que o Brasil não devia nada a nenhum dos “heróis” musicais que considerávamos à época.

O tempo passou. Muito tempo, aliás.

O Harry, pra gente, sumiu e fui me dar conta das memórias daquele grande disco, quando o Floga-se começou a engatinhar, lá pra 2006. Não fazia a menor ideia do que havia acontecido com a banda, até o momento em que a Internet facilitou as coisas.

A história do Harry está bem resumida no próprio site da banda (vale reproduzir na íntegra): “criada em 1985, a banda Harry nasceu na cidade de Santos, em São Paulo. Com Hansenharryebm nos vocais e na guitarra, Cesar Di Giacomo na bateria e Richard Johnsson no baixo, o grupo começou a carreira tocando um rock ‘noisy’ cantado em inglês. No entanto, com a entrada do produtor e tecladista Roberto Verta, logo mudou seu som para um rock experimental e eletrônico com influências que vão de bandas como The Clash e Kraftwerk a escritores como Neil Gaiman e Alan Moore. O primeiro trabalho gravado pelo grupo foi o EP ‘Caos’, em 1986. Dois anos depois o Harry lançou, pela mesma gravadora, a Wop Bob, seu primeiro disco: ‘Fairy Tales’, último com a participação do baterista Di Giacomo. Depois disso, passaram a atuar com bateria eletrônica e samplers, tornando o som da banda ainda mais eletrônico. Mais tarde, lançaram dois novos álbuns, o ‘Vessels’ Town’ (1990), pela Stiletto, e a coletânea ‘Chemical Archives’ (1994), pela Cri du Chat, com músicas dos dois primeiros discos da banda e algumas composições inéditas. Em 1996, o Harry começou a gravar um novo disco, mas devido à falta de tempo e à distância entre os integrantes, o projeto teve que ser abandonado no meio. Com Verta no Rio de Janeiro, Hansenharryebm no Ceará e Johnson no interior de São Paulo, a situação tornou-se insustentável e a banda resolveu encerrar suas atividades”.

A história segue com os dias atuais, já que o Harry exite, está firme e forte e na atividade: “vinte anos após começarem a tocar juntos, os integrantes do Harry voltam à ativa em 2005. Novamente reunidos, Hansenharryebm, Di Giacomo, Verta e Johnsson resolveram lançar um box ‘Taxidermy– Boxing Harry’, com versões remasterizadas e faixas extras de ‘Fairy Tales’ e ‘Vessels’ Town’, além de um CD com raridades, remixes e algumas composições inéditas do projeto de 1996. O box foi lançado pela Fiber Records, a divisão gravadora da Fiber Interactive, responsável também pelo FiberOnline, site pioneiro em música eletrônica no Brasil”.

Há tempos, por saber que o Harry está na ativa, veio a ideia de chamar Johnny Hansen (Hansenharryebm) pra participar da seção “Os Discos Da Vida”. Algo da banda tinha que ser publicado nesse espaço sem parecer “um olhar pro passado”. Finalmente, agora deu certo.

Hansen atendeu o pedido com entusiasmo e explicou em que pé estão suas atividades no novo milênio: “o Harry atualmente está desmembrado em dois projetos. O próprio Harry, com a formação original (eu, Johnsson, Cesar), que acabamos de regravar o ‘Fairy Tales’ (mais nove novas), mas sem nada de electronico dessa vez, tudo tocado na mão. E o H.A.R.R.Y. and The Addict, que sou eu e o Ricardo Santos, este sim, totalmente synth pop. Este último pode ser ouvido em alguns dos links (aqui no TnB e aqui no Soundcloud); já o novo do Harry ainda será mixado”.

E, no cerne da seção “Os Discos Da Vida”, listou alguns dos dez discos que moldaram sua personalidade musical e que basicamente explicam como Hansen e suas bandas mostraram que o Brasil musicalmente é tão internacional como a música sempre devia ser, sem fronteiras, sem bandeiras.

Mas, no seu caso, começou a mostrar isso quase três décadas atrás.

JOHHNY HANSEN
“Escolher dez discos da minha vida é uma tarefa praticamente impossível. Alguns discos foram muito importantes durante certos períodos, outros continuam sendo, e mesmo sendo este o critério utilizado, a lista ficou bastante incompleta. À medida em que eu ia lembrando de certos discos, outros que eu já havia listado tiveram que ser apagados. Assim, bandas que me foram indispensáveis, como Skinny Puppy, Chrome, OMD, Someloves, The Records, The Distractions, Jesus And Mary Chain, The Who, Ramones, Cheap Trick, Jason Becker e tantos outras não couberam aqui. Coloquei os discos em uma ordem quase cronológica, nem tanto pela data de lançamento, mas sim pela época em que marcaram a minha vida (mas acredito que com exceção dos Beatles e do Kraftwerk, os outros todos seguem a ordem da data de lançamento)”.

Alice Cooper – “Billion Dollar Babies” (1973)
O disco que me separou das musicas que meus pais ouviam. A partir dele, passei a me interessar pelo rock pesado e a cultivar a ideia de tocar guitarra e formar uma banda. E é fantástico perceber hoje como a produção de Bob Ezrin estava a frente de seu tempo, e o álbum ainda soa muito atual (Alice regravou vários de seus sucessos, pra propósitos de uso em trilhas e comerciais, sem ter que pagar direitos autorais à Warner, mas mesmo com a tecnologia atual, as versões novas perdem em vigor pra estas). E claro, a postura teatral de tia Alice me fez mudar o meu comportamento perante o mundo que me cercava. Além disso, Glen Buxton foi quem me apontou o instrumento que se tornaria a razão da minha vida.

Ouça “Elected”:

The Beatles – “White Album” (1968)
O hard rock vigente me fez pesquisar o que o havia gerado, e eu acabei viciado em anos 60, uma década que, embora eu já fosse nascido, era muito novo pra ter acompanhado. Eu já havia comprado outros discos dos Beatles antes, mas foi a versatilidade do “Álbum Branco” que me fez perceber o quão longe eles haviam chegado. Se as cisões pessoais já haviam começado, elas ainda não interferiam na música que faziam…

Ouça “Cry Baby Cry”:

Be Bop Deluxe – “Modern Music” (1976)
Um disco que comprei quase ao acaso, já que pouco ouvira falar sobre a banda. Mas ele soava, e ainda soa, inclassificável na dosagem de seus vários elementos. Bill Nelson passou a ser uma espécie de guru inconsciente pra mim. Ambos seguimos uma trilha inicial de guitar heroes, e depois nos interessamos por música electronica, pra depois nos interessarmos novamente pela guitarra. Hoje em dia, tendo um contato esporádico com ele, através de seu fórum oficial, descubro que até nossos gostos pra pedais e efeitos batiam. Fica até difícil acreditar que eu não fazia as coisas pra imita-lo, mas a verdade é que naquela época as informações chegavam com bastante atraso, então eu me limitava a checar as coincidências em nossos caminhos, bem depois delas terem acontecido.

Ouça “Orphans Of Babylon”:

Sex Pistols – “Never Mind The Bollocks, Here’s The Sex Pistols” (1977)
O disco que restringiu a distância entre o conceito e execução de meus propósitos. Hoje sei que a música que faziam não era tão simples quanto aparentava (e a produção de Chris Thomas e Bill Price é um marco em termos de gravação de guitarra, e Steve Jones é um dos guitarristas mais underrated de todos os tempos), mas ele fez com que acreditássemos nessa simplicidade e tomássemos a iniciativa.

Ouça “Holidays In The Sun”:

Kraftwerk – “Radio-Activity” (1975)
Eu tinha todos os discos do Kraftwerk disponíveis aqui no Brazil (comprados com algum atraso – o primeiro a me interessar foi o “Trans-Europe Express”, em 1977, mas quando fui comprá-lo, acabei levando o “Sleepwalker”, dos Kinks), mas só após me iniciar (tardiamente, aos 24 anos) nas drogas, que eu percebi que a sonoridade deles não havia sido atingida por mais ninguém. O “Radio-Activity” é um salto quântico em relação ao “Autobahn” (que já era outro salto em relação ao anterior, “Ralf And Florian”) e eles manteriam um nível praticamente inalcançável até 1983, perdendo por pouco em 1986, com o “Electric Café”, e depois disso perdendo qualquer tipo de relevância, tornando-se quase uma imitação de seus imitadores (Karl Bartos, que deixaria a banda em 1990, é o único que seguiria lançando discos interessantes). Mas “Radio-Activity” não pode faltar no top 10 de ninguém.

Ouça “Radioactivity”:

Roxy Music – “Flesh And Blood” (1980)
Acho que tive o “Viva!” (ou ao menos, um emprestado passou algum tempo em casa) na época em que foi lançado, mas a maioria dos outros álbuns do Roxy Music estava fora de catálogo por aqui no final dos 70s, e o “Manifesto”, se é que foi mesmo lançado aqui em 1979, como algumas revistas indicaram, foi tão mal distribuído que eu nunca vi pra vender (outros discos, como o primeiro Ramones e o “Mother’s Milk”, foram resenhados na Pop e Bizz, mas só chegariam às prateleiras das lojas anos depois). Então, quando vi o “Flesh And Blood” numa loja, não pensei em duas vezes antes de comprá-lo. Esperava algo mais vanguardista, e era um disco bem pop, mas tudo ali se encaixava perfeitamente, desde o vocal extraordinaire de Bryan Ferry aos arranjos relativamente simples e com uma produção exemplar, que faz com que o álbum mantenha o seu vigor ainda hoje.

Ouça “Over You”:

Ultravox – “Vienna” (1980)
Eu conhecera o “Ultravox!” com Young Savage, que fazia parte do seminal disco “A Revista Pop Apresenta o Punk Rock”, e já me surpreendera com a guinada em “Systems Of Romance”, mas “Vienna” era um passo tão grande como o de “Radio-Activity” em relação ao “Autobahn”. Onde o Kraftwerk (não por coincidência, produzidos no início da carreira pelo mesmo Conny Plank, que produziu “Vienna”) se destacava pela estética sonora, o Ultravox quase a igualava, mas Midge Ure é um dos maiores compositores do século XX e manteria o ápice nos dois discos seguintes, “Rage In Eden” e “Quartet” (este, produzido por George Martin – pensei bastante entre ele e “Vienna” pra ser postado aqui), e apesar de sua posterior e errática carreira solo, ele ainda sabe o caminho das pedras, como demonstrou no excelente retorno do Ultravox, “Brilliant”, de 2012.

Ouça: “New Europeans”:

Visage – “The Anvil” (1982)
Achei esse disco em uma loja, fiquei intrigado com a capa, e pedi pra tocarem, mas já no inicio de “The Damned Don’t Cry”, pedi pra tirarem e embrulharem o disco pra mim. Só depois que fui ver que o grupo era metade do Ultravox (Midge Ure, Billy Currie) e metade do Magazine (Barry Adamson, Dave Formula) agrupados em torno de Rusty Egan (Rich Kids) e Steve Strange. Um dos poucos álbuns de que me lembro sem uma única faixa ruim. Infelizmente, nunca foi devidamente valorizado, exceto, talvez, por mim, e por um crítico inglês (não vou me lembrar agora quem era e nem pra qual revista escrevia) que considerou-o um álbum tão possivelmente influente como “Dare” (o disco queridinho daquele período…).

Ouça “The Damned Don’t Cry”:

New Order – “Blue Monday” (1983)
Neil Tennant (Pet Shop Boys, Electronic) dizia que no início dos 80s, tinha o som perfeito na sua cabeça, mas que não conseguia botá-lo pra fora. Até que ouviu “Blue Monday” e pensou “era isso”. Ouvi a metade final da música, gravada de uma rádio em fita cassete, ainda em 1983, e consegui-la tornou-se uma obsessão pra mim. Na Galeria do Rock (onde mais eu procuraria naquela época? – a New Images, só abriria um ou dois anos depois, com o nome de Underground), os lojistas me perguntavam “New o que?”, apenas o Calanca sabia do que eu estava falando, e ele ria na minha cara: “você está querendo demais, garoto”. Conheci o Kid Vinil numa danceteria, e fiquei alugando o cara a noite toda, perguntando sobre todas as bandas que eu lia na Trouser Press, mas não tinha como ouvir. E ele gravou New Order, Joy Division, mais uma penca de coisas impossíveis na época. Eu conseguiria o 12″ de Blue Monday apenas em 84, mas era a edição original, com a capa em formato de disquete (a tal que supostamente deu prejuízo na Factory, pq tinha que ser vendida abaixo do que custou, por isso a segunda edição era apenas uma capa toda preta…).

Ouça “Blue Monday”:

Midge Ure – “The Gift” (1985)
Não me importa que talvez eu seja a única pessoa no mundo que coloca o “The Gift” entre os dez maiores discos já feitos, nunca me agradou o senso comum de manada vigente mesmo (risos). Mas a razão principal dele estar nesta lista é que o prazer que sinto ao escutá-lo é o mesmo que eu sentia em 1985. Eu quis fazer um cover de “That Certain Smile”, achando que seria uma harmonia bem complexa, mas tirando a música, me surpreendi ao constatar que era uma sequência de notas até comum, o que ressalta a criatividade de Ure em criar uma melodia vocal tão inesperada em cima dela. Creio que muitos o acharão um disco datado, mas se dependesse de mim, este seria o conceito vigente até hoje.

Ouça “That Certain Smile”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Rodrigo Lariú”.

Leia mais:

Comentários

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8 comentários

  1. Uma lista e tanto, pena que são só 10 e ficaram de fora influência fortes de certos momentos da banda como Joy Division ou Jesus and Mary Chains.

  2. Sempre bom ler sobre uma das bandas mais importantes da minha formação musical e cultural, e a forma como Hansen relata só me confirma porque o Harry é atemporal!

  3. Espero não estar infringindo nenhuma regra, mas na hora esqueci de um disco absolutamente fundamental (embora não saiba qual disco eu tiraria para inclui-lo, o Psychocandy, por exemplo, já estava até digitado no Word, quando lembrei de algum outro, e mesmo a contragosto, tive que tira-lo), a ponto de ser um dos poucos vinis que ainda tenho, que é o 2 Time, do Data:

    http://www.discogs.com/Data-2-Time/master/80813

    Afinal, se eu tivesse que fazer uma lista das 10 melhores musicas da minha vida, essa aqui seria uma das primeiras:

  4. Se eu fizesse essa lista hoje, com grande pesar, eu tiraria o Roxy Music, e colocaria o Excitable Boy, do Warren Zevon, uma influencia seminal na minha maneira de escrever (não que eu esteja querendo me comparar ao maior letrista de todos os tempos, longe disso, bem longe…)

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