OS DISCOS DA VIDA: RODRIGO LARIÚ

Lá se vão (mais de) vinte anos de midsummer madness.

Rodrigo Lariú disse, em 2009, em entrevista ao Urbe, que tudo começou em 1989 como “um fanzine que falava das bandas independentes nacionais; depois começamos a lançar fitas cassete. Das fitas, passamos para o CD-R e daí pros CDs. Hoje, ainda temos a continuação deste catálogo de K7s só que num suporte diferente, o MP3. E continuamos a lançar CDs. (…) lançamos 99% de bandas brasileiras, procuramos sempre bandas novas do circuito independente. (…) trabalhamos muito em parceria com os artistas, administrando expectativas e pensando em alternativas pra fazer o melhor possível dentro da realidade de cada banda. Nós nunca lançamos qualquer coisa, quantidade não é o objetivo mas sim a qualidade”.

No site do selo, Lariú é apresentado como “patrão, carioca, vascaíno, nascido em 1973. Lariú trabalhou na MTV e hoje é produtor e diretor de TV free-lancer. É o saco dele que você tem que puxar para fazer parte do midsummer madness”.

Lariú tem um currículo extenso, mas nada do que ele fizer (fora do âmbito pessoal, obviamente) será maior do que a contribuição que a midsummer madness deu e dá pra música independente e subterrânea nacional. É daqueles nomes que mereceriam uma estátua se o Brasil tivesse a manha de enaltecer seus heróis que a massa ainda não reconheceu como heróis. A abnegação do selo por algo que não é rentável é sempre louvável deveria servir de exemplo (a midsummer madness é um dos dez selos que o Floga-se elegeu como os melhores do Brasil).

Perguntado o que leva uma banda a ser interesse da midsummer, respondeu: “a grande maioria dos e-mails e cartas que recebo (uma média de três e-mails por dia, cinco a seis CDs por mês) são absolutamente equivocados… são bandas de metal, reggae, cantoras de MPB e outras coisas que não tem nada a ver com o estilo do mm. (…) Então, quando chega uma banda muito boa, fica fácil eu me interessar. Acho que os interesses são parecidos, existe uma parceria, uma troca (…)”.

Se a midsummer madness tem uma cara (junto com Rodrigo Letier e Marcos Rayol) é por conta da coerência estética que Lariú construiu ao longo da vida. E essa coerência está bem embasada nesta lista de seus “Discos Da Vida” (e nos textos bem pessoais). Ela é um tanto o molde do selo: barulhento, melódico, honesto, amplo, essencial.

(a foto que abre o post é de Tatiana Germano)

RODRIGO LARIÚ

The Smiths – “Hatful Of Hollow” (1984)
Eu tinha 11 anos quando este disco saiu. Em 1987, com 14 anos, pegava onda em Niterói e, como todo playboyzinho, assistia aos programas “Realce” e “Vibração”, e ouvia Fluminense FM. A trilha sonora dos programas eram este disco, especialmente “Girl Afraid” e “Still Ill”. Até então eu nunca tinha tomado a iniciativa de ir até uma loja pra comprar um disco, este foi o primeiro. Não fazia ideia que era uma compilação, apesar de já conhecer The Smiths. Foi só colocar a agulha no vinil pra eu deixar de ser um playboyzinho e começar a me interessar por música. E nem foram os hits que me pegaram: “These Things Take Time” e a deprê “Heavens Know I’m Miserable Now” são as favoritas até hoje. “Hatful Of Hollow” é um destes ritos de passagem à adolescência. Talvez seja o disco mais importante da minha vida: depois dele, comecei a procurar novas bandas, frequentar lojas de discos, ler livros, ver filmes. O fanzine veio dois anos depois, culpa deste disco.

Ouça “Heavens Know I’m Miserable Now”:

The Jesus & Mary Chain – “Psychocandy” (1985)
Na busca por novas bandas, novos discos, a Beatriz Lamego (das Drivellers, Stellar e hoje Enseada Espacial), na época amiga de cursinho de inglês em Niterói, me apresentou “Psychocandy”. Lembro-me de chegar em casa com o vinil debaixo do braço numa tarde chuvosa. Naquela época, o apartamento dos meus pais tinha uma enorme sala que ainda estava vazia, tinha apenas o aparelho de som. A sala tinha uma acústica excelente, chão de madeira. E como eu estava sozinho em casa, “Just Like Honey” começou a tocar num volume altíssimo. Era incrível como aquela batida meio anos 60 (eu não sabia disso na época) fazia total sentido, combinava com a paisagem, com o friozinho e com o vazio. Fiquei sentado embasbacado ouvindo aquilo. (Parênteses: anos depois, uma das melhores cenas do cinema de todos os tempos pra mim é o final de “Lost In Translation” da Sofia Coppola com “Just Like Honey”). Já conquistado pelo disco, ficaria feliz só com a primeira música. O volume continuava altíssimo quando entrou “The Living End”, eu eu jurava que o disco estava “quebrado”, ou que minha caixa de som havia pifado… “Taste The Floor”, “The Hardest Walk”, “Cut Dead” e eu descobri que era assim mesmo. O volume continuou altíssimo e os vizinhos devem ter odiado que eu ouvi aquele disco aquela tarde umas cinco vezes sem parar. Depois de “Psychocandy”, até hoje, barulho e melodia fazem a diferença pra mim.

Ouça “Just Like Honey”:

Galaxie 500 – “On Fire” (1989)
Em 1989, quando esse disco saiu, nasceu também o Midsummer Madness, na época apenas um fanzine. Foi ouvindo “On Fire” numa fita cassete que eu comecei a rabiscar as primeiras páginas do que seria o número zero, a primeira edição. A esta altura do campeonato minha discoteca já era bem ampla, graças aos amigos que emprestavam discos e gravavam fitas. Já havia passado por Velvet Underground, Sonic Youth, Byrds, Fall, Echo, R.E.M., Pixies e todos os clássicos, mas ouvir Galaxie 500, até então uma banda nova pra mim, e simplesmente me apaixonar pelo disco, ampliou os horizontes. Daqui pra frente, virei um xiita neófito, atrás das novidades o tempo todo. E foi assim por pelo menos uma década. Quando comprei meu primeiro CD, “On Fire” foi a escolha.

Ouça “Snowstorm”:

Second Come – “Old Shoes” (1997)
A primeira demo do Second Come saiu em 1989, se chamava “Violent Kiss” e tinha quatro músicas. A “Old Shoes” que eu me refiro é uma compilação que eu fiz pelo midsummer madness anos e anos depois, juntando todas as três fitas demo que o Second Come lançou antes do primeiro disco, “You”. Dá para ouvir aqui. Resolvi incluir as demos do Second Come nos discos mais importantes porque acompanhei a banda durante toda a curta carreira dela, fiz grandes amigos nela, com eles e por causa deles. Boa parte do que eu aprendi e inventei, boa parte do que o midsummer madness se transformou, é consequência destes anos com a banda. Apesar de gostar muito dos dois discos, as demos são ainda mais importantes; mostram a evolução da banda, todas as influências. Nelas eu escuto todas as viagens, os ensaios, as roubadas, a ansiedade, que tinha muito a ver com o midsummer madness. O Second Come é uma das melhores bandas do mundo, e os lançamentos deles cabem fácil nesta lista. Não é à toa que ano passado o midsummer madness lançou um tributo ao Second Come com 29 bandas, dá uma escutada (N.E.: o Floga-se falou sobre o tributo aqui).

Ouça “Run Run” (do “You”, de 1993):

My Bloody Valentine – “Loveless” (1991)
Não consigo dizer qual meu disco preferido do MBV. Durante anos, foi a compilação “Ecstasy & Wine”. Depois, eu tinha certeza absoluta que o melhor disco era “Isn’t Anything”, mas pra constar aqui nesta lista de discos importantes, vou ficar com o “Loveless”. Este disco saiu junto comigo para a night (nada de “balada”, o certo é naite). Entrei na faculdade, mudei pro Rio e comecei a sair com os amigos pra night; “Loveless” combinava com tudo, as não-letras sussurradas, a visão embaçada (natural ou artificialmente) e a sensação de inexistência do tempo. Não sei dizer em termos práticos o que “Loveless” me influenciou, mas é só colocar “Only Shallow” pra tocar que um processo interno de felicidade começa.

Ouça “Only Shallow”:

Th’ Faith Healers – “Lido” (1992)
O debute do Faith Healers saiu em 1992, na época pela mesma gravadora da PJ Harvey. Ouvi o disco só por causa disso. E foi paixão na hora, a PJ passou pra segundo plano. A capa é tipo um cartão postal desbotado, “Lido” traz uma nostalgia de viagens de adolescencia, a verdadeira música de acampamento. As músicas com um baixo marcado, pesado, as guitarras bem altas e distorcidas, melodias pra cantar junto, mas tudo isso, que deveria ser pop, embalado por uma inebriante fumaça psicodélica. Sempre ficava muito frustrado quando colocava som nas festinhas indie e o Faith Healers nunca emplacava… Eu achava extremamente pop! Na época, a imprensa os colocava na prateleira do crust: uma pseudo-resposta inglesa ao grunge, que tinha Silverfish e até Swervedriver no balaio. Mas o Faith Healers gostava mesmo era de rock progressivo alemão dos anos 70, que eu viria a saber anos mais tarde que é chamado pelos íntimos de kraut. “Lido” tem uma cover acelerada de “Mother Sky” do Can – nunca consegui gostar do Can, mas o Faith Healers me fez ouvir o kraut todo.

Ouça “Don’t Jones Me”:

Love – “Forever Changes” (1967)
Depois de cansar de só ouvir coisas novas, resolvi chafurdar nas velharias. The Damned já havia dado a dica: “Alone Again Or”, do Love. Depois o Boo Radleys regravou a mesma música… Pensei: “duas bandas que eu gosto muito regravando essa música? Tenho que ouvir Love”. Fui atrás justamente do que eu acho o melhor disco deles até hoje. Começa com a “Alone Again Or”, o trumpete mariachi, a orquestração e a letra me ganharam de cara, igual “Just Like Honey”. E dai pra frente o disco não deixa cair em momento nenhum: o clima riponga psicodélico da Califórnia, a cozinha super ajustada… Nossa, como eu queria ter visto Love ao vivo. Fiquei sabendo depois que o Neil Young ia produzir o disco mas pulou fora por causa do Buffalo Springfield. E ouvindo todas as velharias psicodélicas, as garageiras nugget, nenhum disco me encantou como “Forever Changes”. Pesquisando pra escrever este textinho descobri o porquê do título do disco e fiquei ainda mais encantado. Você sabe por que o disco se chama “Forever Changes”? Bem, um amigo de Arthur Lee comentou que ouviu de um amigo de um amigo que quando ele disse pra namorada: “mas você disse que me amaria pra sempre”, ela respondeu, “Well, forever changes!”.

Ouça: “Alone Again Or”:

Broken Social Scene – “You Forgot It In People” (2002)
Não me lembro bem qual disco do BSS eu ouvi primeiro, mas o segundo da carreira da banda, “You Forgot It In People” tem minhas músicas favoritas. Fazia tempo que eu não ouvia um disco que trouxesse de volta a atmosfera do “Loveless”, daqueles discos que te acompanham em momentos inesquecíveis, aqueles discos que só de colocar pra tocar já tornavam a noite (ou o dia) especial. Esse disco tem isso, com “KC Accidental”, “Cause=Time” e com momentos lentinhos geniais, como “Lover’s Spit” e a genial (pra mim, uma epifania) “Anthems For A Seventeen Year Old Girl”. Numa época em que o acesso fácil à música tinha me deixado cansado e meio desiludido – eu colecionava discos que baixava da Internet, em algum momento cheguei a ter quase 300 discos baixados, a maioria nunca ouvi, até meu HD pifar e todos irem para o inferno do esquecimento – o Broken Social Scene me fez renovar o espírito e lembrar pra quê realmente servia música. Alguma providência divina poupou o BSS em algum canto do meu computador que não pifou. E, assim, eu tenho poucas bandas favoritas até hoje, e sou feliz.

Ouça “Anthems For A Seventeen Year Old Girl”:

Beach House – “Teen Dream” (2010)
O mesmo escrito acima vale pra este disco, em época diferente. “Teen Dream” é a trilha sonora perfeita pra uma série de viagens: reais, entre cidades e países; e viagens de outros tipos, nada narcóticas. Sim, eu encaretei com o passar dos anos. Mas ainda viajo quando ouço discos, e o Beach House conseguiu isso neste álbum. A voz forte de Victoria Legrand, os arranjos de ninar, uma eletrônica discreta e oscilante, meio My Bloody Valentine com sono, enfim, toda a vibe do disco. Ouço de ponta a ponta e quero sempre estar em algum lugar diferente do mundo com este disco. A primeira frase de “Walk In The Park”, mesmo falando de uma volta no parque, resume a liberdade que “Teen Dream” me traz: “You go for a walk in the park ‘cause you don’t need anything”.

Ouça “Walk in the Park”:

Nazaré Pereira – “Amazônia” (1979)
Não, não quero tirar onda. Se você gosta de rock, indie rock, não escute este disco. Aqui tem um monte de baião, forró e afins. Mas seria hipócrita de minha parte não listar este disco, escutei-o durante toda minha infância em Rondônia, tocava em todas as rádios de Porto Velho, pelos idos de 1979 e 1980. Lembro-me até hoje da minha mãe falando que a Nazaré, acriana de Xapuri, era muito mais famosa na França do que no Brasil. Este disco foi lançado lá e licenciado pro Brasil, cheio de releituras de Luis Gonzaga, Humberto Martins e outros nomes que não vou citar pra parecer descolado porque simplesmente nunca ouvi falar. São clássicos do norte e nordeste do Brasil, como “Riacho Do Navio”, “Xapuri Do Amazonas”, “Kalu”, que até hoje me alegram. Ficava horas e horas olhando pra capa, onde Nazaré aparece como uma montanha no meio da Amazônia, seus cabelos se transformando em mata… “sem rádio e sem notícia das terras civilizadas”.

Ouça “Xapuri Do Amazonas”:

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: TRATAK”.

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